Por Maria Helena Masquetti*
Em plena festa de formatura, uma jovem do curso de Serviço Social de uma universidade do Nordeste ergue nos braços uma enxada em agradecimento a seus pais pelo árduo trabalho de ambos na roça para garantir o sustento dela e de seus três irmãos. O motivo do vídeo da cena ter somado tantas visualizações na internet em menos de três semanas, não só tem a ver com a emoção que causou o gesto, mas também por lembrar que só é possível avaliar a competência de alguém em relação a outro, equiparando-se as condições em que ambos chegaram a determinado lugar.
O que fez com que a jovem escolhesse “diplomar” publicamente seus pais, nem a mais gabaritada pesquisa acadêmica explica, enquanto ela for tão somente acadêmica. Porque o amor e o reconhecimento da relevância de cada pessoa, não constam das grades curriculares dos colégios e universidades. No cenário competitivo atual, a qualidade humana tem sido avaliada prioritariamente com base na extensão do curriculum e no porte das instituições que o compõem. E embora, no mundo dos negócios, seja comum dizer-se que as empresas são as pessoas, na prática, muitas contribuições e talentos são desperdiçados pela falta de certificação formal.
Quantas vezes, uma ideia ou proposta só consegue ser acolhida ou implementada quando apresentada ou difundida por alguém cujo curriculum tenha mais peso acadêmico que o de seu autor original! Tudo bem quando o mais importante seja assegurar o êxito de reivindicações justas, mas que não sirva como argumento de poder para se estimular crianças e jovens a se esforçarem na obtenção de títulos. Isto para não legitimar saídas errôneas como no caso de uma médica negra sobre o conselho que ouvia da mãe quando adolescente: “Estude muito e vista-se sempre com elegância para que nunca te impeçam de usar o elevador social”. Títulos ou subterfúgios nunca deveriam ser mais convincentes do que a própria pessoa.
“Boa visão estratégica do negócio, demonstrando desenvoltura para atender demandas de urgência e garantir bons resultados”. Cada vez mais, a leitura de avaliações de desempenho assim têm deixado, ao final, um ponto triste de interrogação: e quanto ao lado humano do profissional? A tecnologia pode avançar em níveis ficcionais, mas, como alertou o poeta, “se não tiver amor, nada será.” Então, como ensinar bons valores na escola quando as cobranças por desempenho e status chegam à frente? Por enquanto, a esperança ainda está nos pais e educadores, quem sabe como aqueles que educaram a jovem em questão. A redação admirável, as veias artísticas, o interesse pela história, o traquejo com os números e até o gol de placa na aula de esportes, entre tantas aptidões, são instrumentos de que dispõem os mestres para ajudar as crianças a compreender que a contribuição de cada um é incomparável e vem antes do que irá atestar seu diploma.
Não é possível saber exatamente o que pensaram e sentiram os pais daquela formanda ao recostarem em seus travesseiros depois da festa, mas pode-se imaginar o quanto se sentiram honrados e plenos de sua relevância. Só o que é verdadeiramente humano emociona e nos preenche de nós mesmos. Que ao saírem de suas formaturas, erguendo enxadas ou canetas de ouro, nossas crianças saiam lado a lado, compreendendo que somos todos atores de uma mesma peça, cujo palco é único e onde a iluminação destaca com igual visibilidade os papéis de todos. (#Envolverde)
* Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Instituto Alana.