por Samyra Crespo –
A quem interessa um país armado?
A CCJ – Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados votou a favor de uma Lei que dá aos Estados o poder de legislar sobre armas (comercialização, posse e porte).
A câmara, sob a liderança de Arthur Lira, é de maioria conservadora: deputados que vão do centro-direta à extrema direita, minando o atual governo com pautas-bomba.
Uma delas diz respeito ao afrouxamento das politicas que restringem a posse de armas por parte da população e até de forças de segurança.
Essa luta renhida – e triste – contra a ‘bancada da bala’ (refém de um dos lobbies mais poderosos do Planeta) não é nova.
Fui ativista da Campanha do Desarmamento (2005) quando dirigia o ISER e dava suporte ao Viva Rio que atuava como líder desse movimento na sociedade civil.
O contexto era claro: cresciam os crimes por arma de fogo, a violência já graçava na Colômbia onde o Dia das Mães era o dia em que mais se matava nas ruas. Estados e territórios dominados por tráfico e narco-milícias já mostravam seu poder destrutivo também no México.
Além da motivação pacifista, já havia nos promotores da campanha e do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826 de dezembro de 2003) a antevisão do agravamento da violência e da insegurança pública.
Naquele tempo, estamos falando de 2005, ocorreu o Referendo Popular, mecanismo previsto em nossa Constituição (e pouco usado por ser caro) para aprovar ou reprovar um artigo – o 34 – do Estatuto que previa na sua redação a proibição do comércio e porte de armas em todo o território nacional, exceto para as entidades das forças de segurança.
Não era uma proposta esdrúxula. Comercialização e porte de armas são proibidas na Coréia do Sul, por exemplo, para falar em democracias, e também em alguns estados norte-americanos, reino da liberdade de ter armas.
Parlamentares como Raul Jungman e até o controverso Renan Calheiros se empenharam apoiando o desarmamento.
O fato é que o Referendo teve lugar em outubro de 2005 e a proposta foi derrotada nas urnas: 63,94% dos 95 milhões de brasileiros que foram às urnas rejeitaram o Desarmamento.
Eu, parte dos 36,06% fomos derrotados.
O curioso é que naquela década um valioso aliado do desarmamento foram justamente as igrejas (diversas denominações). Era preciso capilarizar a campanha e percorremos o país inteiro com a bandeira da paz. Houve, naquele contexto uma receptividade natural das igrejas, padres e pastores.
Se existe, no plano místico, uma luta contra o bem e o mal, a luta da pomba branca com o falcão, venceu este último.
Com o Estatuto, que ainda conseguiu conter o ‘liberou geral ‘ das armas, ainda ficamos com algumas trancas da porteira.
Agora, e somando os atos do governo de Bolsonaro (seu funesto legado) a esta iniciativa da CCJ, podemos temer o pior.
O Império do Faroeste brasileiro!
*Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.