Lembro bem quando, logo no início do século, uma das maiores livrarias do país, detentora então de mais de 3 milhões de títulos, começou a vender livros eletrônicos e propagandeou a novidade com o slogan “O importante é ler”. Na época, chamou minha atenção a forma inteligente como o anunciante procurou driblar a controvérsia que, por força de nossa natural atração pelos extremos, para muita gente permanece: papel ou digital, qual o melhor?
No cipoal em que arrisca enredar-se a discussão do futuro comum, contaminada por informação incompleta e posicionamentos radicais, nosso velho companheiro papel foi alvo de sérios questionamentos e bastante injustiçado. Quem nunca leu o alerta “Antes de imprimir, pense no meio ambiente”, na assinatura da mensagem eletrônica”, ou “Use papel reciclado, salve uma árvore”, na embalagem do produto? Ambas as sugestões reforçam cuidados importantes e necessários, mas sua interpretação numa leitura superficial pode induzir ao erro. A intenção original de conscientizar sobre a importância da cobertura vegetal, os perigos do consumo irresponsável e os benefícios da reciclagem acabou atropelada por frases de efeito que contrariam a ciência.
Já cometemos sérios equívocos por nos julgarmos capazes de interpretar o comportamento do ambiente e interferir para ajudar. Entre inúmeros outros exemplos nessa linha, o escritor Michael Crichton conta no romance Estado de medo o ocorrido no início do século 20 no Parque Nacional Yellowstone, nos Estados Unidos. Naquela que foi a primeira área oficialmente designada como reserva ambiental no mundo, funcionários ciosos de sua missão, com o apoio dos criadores de gado das redondezas, àquela altura cansados de prejuízos, resolveram que a população de lobos crescera demais e trataram de exterminá-los. O desequilíbrio provocado pela intervenção radical na cadeia alimentar talvez tenha sido um dos primeiros desastres ambientais da história moderna perpetrados com a melhor das intenções.
Faltava naqueles dias, como continua a acontecer hoje, sobretudo entre os leigos, um entendimento mais aprofundado de questões complexas relacionadas ao nosso meio. A tendência ao engano com base na interpretação simplista do que se apresenta como verdade absoluta prevalece; a constatação do erro, infelizmente, vem muito tempo depois, e aí os efeitos podem ser irreversíveis. Assim, por força da repetição e apesar dos incansáveis esforços da indústria para lançar luz sobre o assunto, muitos ainda acreditam que, como quase todos os papéis são feitos de madeira, por extensão seu consumo constituiria uma ameaça ao verde – por isso, as árvores devem ser “salvas”, o que é uma verdade parcial. Os detratores do produto esquecem ou desconhecem que, há tempos, quase todo o papel consumido no planeta provém de florestas comerciais renováveis, cujo cultivo contribui, mostra a experiência até aqui, justamente para proteger e conservar as árvores nativas, a biodiversidade e os recursos hídricos.
Como quase tudo na vida, tanto os livros impressos quanto os eletrônicos oferecem vantagens e desvantagens: tal qual outros bens de amplo consumo, caso fabricados, utilizados ou descartados de forma irresponsável acarretam prejuízos. E não necessariamente implicam escolhas definitivas e excludentes.
Seja como for, o instinto de sobrevivência nos impõe a tarefa de entender e superar as ameaças que o crescimento demográfico, associado ao modelo econômico predominante, trouxeram para a vida na Terra – entre as mais graves, ao meu ver, a acelerada poluição da atmosfera, dos oceanos e dos solos. Sobretudo diante da posição privilegiada do Brasil como celeiro de alimentos mundial e dos benefícios que essa condição pode continuar a nos trazer se conseguirmos explorá-la de forma sustentável, ganham relevância nos fóruns de debate os efeitos sistêmicos ainda insuficientemente investigados do uso indiscriminado de sementes transgênicas e produtos químicos, bem como a necessidade urgente de ampliar o investimento em métodos mais amigáveis de assegurar a produtividade e a proteção das lavouras.
No recém-lançado Para o bem ou para o mal (Gryphus), meu livro de estreia no terreno da ficção, trato desse tema sensível na figura da ambiciosa Cátia Ferrão, responsável pela comunicação da sucursal brasileira de uma gigante global do setor agroquímico que tem aqui seu maior mercado. As agruras da super executiva e de seus colegas em função do acirramento de uma demanda ambiental de alto teor explosivo para os negócios e a influência potencial das redes sociais sobre o processo decisório no topo das corporações fazem parte da história.
De volta ao papel, escolhas pautadas por informação incompleta ou incorreta são tão arriscadas quanto as fundadas na completa ignorância. No interesse coletivo, a experiência e o bom senso recomendam fontes de conhecimento selecionadas com critério e o indispensável exercício da reflexão – coisas que uma boa leitura, não importa se em mídia impressa ou eletrônica, é capaz de proporcionar como poucas.
O carioca Luiz Fernando Brandão é jornalista, escritor e tradutor. Em paralelo à carreira como executivo de comunicação empresarial, traduziu para o português obras de autores como Edgar Allan Poe, Jack London, Vladimir Nabokov e Tom Wolfe. É autor de Triptik, uma viagem na terra dos gurus e outras bandas (2017), seu livro de estreia, e tem diversos artigos publicados sobre comunicação. Em 1976, graduou-se instrutor no The Yoga Institute, em Mumbai, na Índia.
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