por Samyra Crespo –
Comer, comer, para poder crescer!
Eu cantava isso para meus filhos e ia com a colherzinha de avião cheia de papinha de legumes e verduras. Um tempo depois vi nas suas bochechas adoráveis manchas vermelhas. Diagnóstico do pediatra: agrotóxicos nos alimentos que eu considerava saudáveis.
Naquela época, anos 80′ era preciso procurar com lupa e paciência por alimentos orgânicos.
Hoje em dia, nas principais cidades e mercados de produtores, é possível encontrá-los e consumi-los (mais caros) nas feirinhas e até supermercados mais elitizados. Aos pobres a comida ruim.
Aos poucos, os orgânicos entraram em pauta, também o mercado das alergias que fazem a festa lúgubre dos dermatologistas e da indústria farmacêutica.
Muitos não podem comer glúten, têm problemas na ingestão de lactose.
Ser vegetariano ou vegano virou uma tendência e assim por diante, há muitos jovens nessa onda.
Na praia dos ambientalistas raíz, evitamos comer atum (por causa da sobrepesca), salmão por causa dos corantes, das rações transgênicas e das fazendas predadoras do Chile.
Carne bovina nem se fala, está aí a emergência climática e a flatulência das vacas, suínos, caprinos… os frangos têm hormônio demais…
Não vou me alongar. A alimentação desde tempos remotos, quando eramos caçadores-coletores vem mudando sem parar.
Ambiente, clima, cultura, escassez por causa de guerras tudo influi na dieta dos povos.
Mas cada vez mais vejo como nós – ambientalistas, falamos para os convertidos.
Aqueles que sabem o que são PANCs (Plantas Comestíveis Não Convencionais (flores, ervas, sementes).
Na real, olhando as lanchonetes de rua, os quiosques, os terminais rodoviários e os aeroportos (meu campo de observação privilegiado) o povo come mesmo é pastel, coxinha, bolinho de bacalhau, esfiha, quibe, croquete, pizza borrachuda em fatias.
Basta ter olhos para ver como os ‘salgados’, assim os chamamos, são as iguarias que estão a disposição – não só do povão, mas de todos nós que carregamos o nome de brasileiros, de norte a sul. Uma variação ali com o pão de queijo, outra ali com o acarajé.
Além desses salgados – falsamente caseiros, tem os salgadinhos da indústria alimentícia de processados. Batatinhas e outros carregados em gordura hidrogenada e sódio. E corantes, aromatizantes… ai que já me coça!
Em recente festa junina, em que estive com amigos, vi que as barraquinhas de milho verde, pamonha e pipoca tinham filas.
Mas a maior fila era a da barraca do pastel.
Um amigo enfrentou-a com galhardia e eu comi um generoso pastel de pupunha.
Então, meus amigos, nós somos o povo da coxinha e do pastel para dizer o mínimo.
Se não morrermos dos efeitos climáticos, morreremos pela boca.
A tal ‘boquinha’ que gostamos de fazer na rua, na fazenda, na casinha de sapê: nesse paraíso das iguarias fritas e exibidas nas vitrines, da mais pobre à mais rica.
Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.