Opinião

O que são mesmo as cidades inteligentes? 

por José Roberto Manna, da Fundepag, e Viviane Mansi, da Fundação Toyota do Brasil – 

Vivemos um momento histórico de perplexidade e ruptura com os nossos padrões. Temos consciência de que algo deve mudar e se somar ao que costumamos dar o nome de progresso. A milenar cultura oriental nos ensina, todavia, que a crise é também a porta de entrada para novas oportunidades. A tecnologia seria, então, a resposta? Ela nos conduzirá efetivamente ao que começamos a chamar de inteligente? Ao refletir sobre esse conceito – o que é de fato ser inteligente? – vamos buscar inspiração e aprendizado na natureza, onde tudo está interligado, garantindo a vida e a perpetuidade. De repente, a “porta” de que estamos falando não nos leva apenas a um caminho inspirador, mas a um caminho de respostas, ou melhor, em Soluções Baseadas na Natureza.

As áreas naturais remanescentes, compostas por milhões de espécies de microrganismos, plantas e animais, ecossistemas e toda sua variabilidade genética nos ensina, de fato, que a resposta está mais perto de nós do que imaginávamos. De acordo com um artigo da revista Science, as áreas protegidas – que representam mais da metade do território global, se somarmos os 15% de área protegida na forma de parques e reservas governamentais aos 36% de áreas privadas bem conservadas – são a base para a restauração ecológica que auxilia na viabilidade da manutenção de toda a biodiversidade.

Mas por onde começar? Felizmente já temos alguns bons modelos em operação e um deles acontece na Mantiqueira, uma das 100 áreas do planeta que oferecem o habitat a todos os vertebrados – mamíferos, aves, anfíbios e peixes. Trata-se de uma cordilheira localizada no Sudeste do Brasil com 500 quilômetros de extensão, atingindo quase três mil metros de altitude entre os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, e identificada em seu conjunto como a oitava área mais rica em diversidade biológica do mundo.

Nesta região especial, o projeto Águas da Mantiqueira, financiado por duas fundações desde 2017, é um trabalho de pesquisa de longa duração, centrado em estudos de todos os habitantes de seus municípios – pessoas, plantas e animais domesticados e silvestres. Trinta pesquisadores buscam respostas a perguntas complexas e desafiadoras para a ciência e a política: quanto de água um rio necessita? Como garantir alimento, segurança e território aos seres humanos, plantas e animais?

Como resultado, Santo Antônio do Pinhal e Sapucaí-Mirim possuem hoje um amplo diagnóstico de biodiversidade, relevo, águas e formas de uso da terra que permitem ao poder público e à comunidade conhecer essas necessidades e implementar diretrizes de convívio entre a cidade, os espaços rurais e as áreas silvestres. Foram realizadas avaliações da quantidade e qualidade da água e da vida ao longo 2.300 km de córregos e rios, 90 bacias hidrográficas por meio de 15 linhas de pesquisa estão sendo desenvolvidas. Poucos são os municípios brasileiros que possuem tal profundidade de conhecimento e são capazes de organizar seus planos diretores considerando todo o território e reorientar políticas públicas na direção da efetiva sustentabilidade.

Isso mostra que a pesquisa e o conhecimento científico estão a favor do desenvolvimento sustentável e precisam de multiplicadores para atingir a efetividade. Em quatro anos, foram realizadas 12 oficinas pelo Águas da Mantiqueira, que tiveram a participação de mais de 670 pessoas. Foram organizadas 17 parcerias e aconteceram mais de 84 reuniões entre a equipe do projeto com os governos locais – uma articulação importante que resultou em ações práticas.

O Projeto Águas da Mantiqueira estabeleceu um novo caminho para recuperação de áreas degradadas por meio da iniciativa Restauração Ecológica e Biocultural nas Bacias Hidrográficas em Santo Antônio do Pinhal, com o apoio da Fundação Toyota do Brasil e da Fundepag.  Como resultado direto, houve aumento na diversidade de espécies nativas “plantadas” pelos jardineiros da floresta, como aves e mamíferos dispersores de sementes. Até 2022, boa parte do território de floresta convertida em áreas de espécies exóticas voltará a ser ocupado por grande diversidade de espécies nativas.

Assim, as cidades aprendem na prática que formas de convivência são perfeitamente possíveis e necessárias para resguardar e proteger bens naturais que são urgentes para todos, como a água. Como parte das atividades de gestão sustentável dos municípios novas áreas serão  restauradas,  incluindo os espaços ao redor de nascentes  aumentando o volume e a qualidade deste elemento essencial à vida. As áreas naturais são a mais perfeita embalagem da água, movimentam a economia, garantem a saúde, a recreação para o turismo, o bem-estar social e pavimentam inovações em políticas públicas ancoradas na biodiversidade.

Trata-se do sistema com o melhor custo-benefício e eficiência a produzir cidades verdadeiramente inteligentes, onde governo e comunidade encontram as soluções de gestão baseadas na natureza, como a restauração ecológica e biocultural.  Além do mais, vale dizer que é significativamente mais barato do que métodos mais tradicionais de plantios de mudas nativas, por exemplo. Inteligência, portanto, está no “como” e não apenas no “o que”.  (#Envolverde)