Por Dal Marcondes –
Nos últimos trinta anos venho buscando conhecimentos e produzindo jornalismo sobre a transição necessária para uma economia de baixo carbono, circular, inclusiva e alinhada com objetivos globais de desenvolvimento sustentável. Acompanhei a entrega do Relatório Brundtland, a realização da ECO92, o lançamento da Carta da Terra, a Rio+20, a criação dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio a elaboração e lançamento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Também assisti, com alguma preocupação o ressurgir do acrônimo ESG, abraçado com entusiasmo, no primeiro momento, pelos grandes organismos financeiros do planeta.
Por um breve momento cheguei a acreditar que finalmente o mundo estaria em um caminho sem volta em direção a uma sociedade comprometida com uma economia direcionada para o bem estar geral. Lembrando que dos atuais 8 bilhões de habitantes de nosso pálido ponto azul, apenas um terço tem acesso a bens e direitos que consideramos universais. Outro terço tem acesso a alguns bens e alguns direitos, podendo variar em quantidade e qualidade. O terço final não tem acesso a quase nada, em bens ou direitos.
Não sou Poliana o suficiente para crer que todos os problemas estavam solucionados, mas poderia acreditar que um surto de compromissos empresariais, governamentais e de organizações sociais poderia levar, em um prazo visível no horizonte, a soluções de compromisso que farão, talvez, do próximo século a diferença entre um planeta habitável e com alguma qualidade de vida, e um mundo distópico em que as guerras possivelmente serão para manter privilégios.
Crise climática
O aumento médio da temperatura do planeta em 1,5Cº já ficou no passado. 3Cº parece já estar contratado e movimentos negacionistas ganham força de forma escancarada ou tímida, mas com efetividade em suas ações. As catástrofes climáticas já fazem parte do cotidiano, mas, ao que parece, ainda não chagaram aos carpetes verdes com ar condicionado. Nos Estados Unidos a Califórnia queima e o novo presidente manda furar mais poços de petróleo e gás. No Brasil secas extremas na Amazônia e Pantanal convivem com inundações e tempestades tropicais no Sul e Sudeste.
Como diz o ambientalista Caetano Scannavino, “o negacionismo hoje não é negar a existência das mudanças climáticas, e achar que ainda dá para esperar”. Não, não dá mais tempo para esperar e as grandes empresas globais estão focando em retirar o máximo que der e estocar o máximo que der para, talvez, criarem sua bolha de vida no próximo século. Enquanto isso as organizações financeiras se esforçam para acumular o máximo de dinheiro que consigam, enquanto ainda dá para extorquir sociedades e governos, para poder comprar um ticket para a viagem do Titanic. Apenas em 2024, no Brasil, o lucro líquido do setor bancário foi de R$ 147 bilhões.
O economista Ladislau Dawbor, uma das poucas vozes lúcidas a se erguer contra o modelo de apropriação infinita de bens, materiais e recursos do planeta em nome de uma economia espoliativa, escreveu uma primorosa descrição de nosso tempo como: “A Era do Capital improdutivo”. O fortalecimento dos conceitos, valores ultraliberais e individualismo exacerbado busca acabar com a ação coletiva em torno do bem comum. O exemplo emblemático (há muitos outros) está na ação de Donald Trump em retirar os Estados Unidos da Organização Mundial de Saúde (OMS).
A arrogância maior é acreditar que é possível ter um país seguro em um planeta de maioria miserável assolada por catástrofes climáticas, políticas e militares. O multilateralismo foi fortalecido após a 2ª Guerra Mundial justamente porque o mundo percebeu que é preciso colaborar para a solução de problemas complexos. É bem verdade que esse modelo atravessa uma crise. As instituições multilaterais precisam de reforço, de repactuação, não de extinção.
História do futuro
Nenhuma espécie dominante sobre o planeta existiu para sempre. Algumas sobreviveram milhões de anos, outras apenas algumas centenas de milhares. Os primeiros indícios do homo sapiens (nossa espécie) no planeta são de cerca de 190 mil anos atrás. Durante mais de 180 mil anos essa espécie levou uma vida de caçadores/coletores e era caçada por uma grande variedade de predadores. 10 mil anos atrás começou o processo que hoje chamamos de civilização. Primeiro veio a agricultura, depois a vilas e cidades, por fim, os reinos e impérios. Cientistas acreditam que 3 mil anos atrás iniciamos o antropoceno, período geológico em que as ações humanas assumem proporção de força geológica na transformação do ambiente. Há quem negue a denominação, mas não o impacto das atividades humanas.
Os humanos demoraram quase 190 mil anos para atingir a população de 1 bilhão de pessoas no ano de 1800. Depois, chegaram a 1,6 bilhão de pessoas em 1900 e atingimos 6 bilhões de pessoas em 2000. Nos últimos 25 anos a população cresceu mais 2,6 bilhões e há estimativas de que chegará a 10,2 bilhões até o ano de 2.100. Mantida a mesma proporção de distribuição dos benefícios do planeta, serão 3,3 bilhões de privilegiados e quase pouco mais de 7 bilhões de desassistidos.
Em cerca de 200 mil anos a espécie homo sapiens tornou-se o mais importante predador do planeta. E, pela primeira vez, em apenas 300 anos, esse um predador está destruindo as condições do planeta em manter a qualidade de vida de suas milhares de espécies, através de poluição de toda ordem e desequilíbrios em quase todos os habitats da Terra.
É comum entre ambientalistas o jargão “precisamos salvar a terra”. Isso é um engano de grandes proporções. A Terra tem mais de 4 bilhões de anos de existência e as marcas da humanidade sobre seus ambientes não sobreviverão mais de que alguns milhares de anos após nossa extinção e, em seguida, outra espécie dominante tomará o lugar da humanidade. O mau uso da tecnologia que desenvolvemos e tanto nos orgulhamos pode ser, primeiro, o fim de nossa civilização, depois, o fim de nossa espécie.
É possível reverter o quadro de degradação planetária e civilizacional? Possivelmente sim, mas… está a elite da humanidade disposta a abrir não de seus privilégios perdulários?