Por Liliane Rocha*
Antes de escrever esse artigo pensei durante dias, aliás meses. Afinal o que dizer? A violência contra as mulheres de uma forma ou outra já tem estado na pauta, dados que há anos eu acompanho, recentemente foram transmitidos a exaustão pela mídia “uma mulher é violentada no Brasil a cada 11 minutos”. Também me impus um desafio. Não queria dizer algo que só as mulheres fossem ler ou se sentir tocadas. Queria falar algo que pudesse alcançar também os homens.
Sim, sei bem que há mulheres machistas e homens feministas. No entanto, sabemos da dificuldade que muitos homens encontram em meio aquele bate papo com os amigos em colocar a sua opinião, rechaçar uma piada equivocada, e chamar a atenção do brother por um comentário que fere o direito das mulheres. E certamente esse envolvimento dos homens com o tema é fundamental, pois o estupro de uma mulher é o ponto final de um caminho de validação social percorrido ao longo da sua vida, no qual de uma forma ou de outra, houve o endossamento da figura da mulher como um ser que pode ser aviltado no íntimo de sua integridade, no direito de decidir o que faz ou não com o seu próprio corpo.
Agora não dá mais. Resolvi escrever. Qualquer coisa que possa gerar algum impacto. Porque acho que as pessoas não se dão conta da triste realidade. Se uma mulher é violentada a cada 11 minutos e o Brasil teve 47 mil casos de estupro em 2015. Você já parou para pensar quem são essas mulheres? Estaria uma delas ao seu lado?
Trabalho com Diversidade. E de 2 anos para cá, uma das coisas que isso representa na minha vida, é que cada vez que alguém do meu círculo próximo (alguém que eu conheça ou conhecidos de conhecidos) sofre alguma violação de direitos, a primeira pessoa da qual eles ou elas lembram sou eu. Para a minha alegria, pois posso ajudar as pessoas, mas também para a minha tristeza, pois ao contrário das pessoas em geral não posso me dar ao luxo de me alienar da face mais cruel do nosso país, como por exemplo, o absurdo dos recorrentes estupros da nossa sociedade.
É o melhor amigo da época do colégio que liga dizendo que na festa da turma, um amigo violentou uma amiga que bebeu demais e havia apagado. E a conhecida que me procura dizendo que sofreu a violência e não sabe o que fazer. E a colega que conta o caso da vizinha de 6 anos violentada na festa de aniversário dos pais dela por um grande amigo do próprio pai.
Não acompanho pelos noticiários. E sim no dia-a-dia. Sei os rostos, as rotinhas, os costumes. Sei que são pessoas normais, como eu e você, que nunca na vida acharam que passariam por esse horror. Sua vizinha. Sua irmã. Sua amiga. Sua filha. Aquela pessoa que está ao seu lado e você nunca saberá que foi violentada porque as vítimas não querem falar do assunto. Afinal, sofrem 4 violências contundentes: a do ato em si, a do mal atendimento da polícia despreparada para atender o caso, mesmo se for na delegacia da mulher (já acompanhei casos pessoalmente), a da sociedade que julga. Julga a roupa, julga o comportamento. Julga tudo, mesmo quando não há o que se julgar. Menos o homem que cometeu o crime. E por fim, o de saber que as estatísticas apontam a forte possibilidade da impunidade do agressor.
Pensei em intitular esse artigo de “essa mulher abusada está ao seu lado”, pois queria chamar a atenção das pessoas ao fato de que isso não acontece “à outra”. Aquela que não conhecemos e nunca veremos. Não! Com essa estatística a chance de que haja alguém próxima de você, no seu círculo de relacionamento que já tenha passado por isso e você não saiba é imensa. Esse não é o tipo de coisa que uma mulher coloca no outdoor.
No entanto, optei o título relacionado ao toque de recolher, porque quis chamar a atenção ao fato de que é impossível uma mulher se sentir segura no Brasil de hoje. Nos preocupamos com o horário que saímos e chegamos, com que roupa estamos vestindo, com o fato de haver pessoas ou não na rua. Nos preocupamos em pegar uma carona, beber um drink que possa estar batizado ou mesmo de baixar a guarda entre amigos. É um verdadeiro toque de recolher social, que não está escrito em lugar nenhum, mas faz parte das normas sociais. Até quando? Isso só muda se você mudar. (#Envolverde)
* Liliane Rocha é diretora Executiva da empresa Gestão Kairós (www.gestaokairos.com.br), mestranda em Políticas Públicas pela Fundação Getúlio Vargas, MBA Executivo em Gestão da Sustentabilidade na FGV, Extensão de Gestão Responsável para Sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral, graduada em Relações Públicas na Cásper Líbero. Gestora com 11 anos de experiência na área de Responsabilidade Social tendo trabalhado em empresas de grande porte – tais como Philips, Banco Real-Santander, Walmart e Grupo Votorantim. Escreve mensalmente para a Envolverde sobre Diversidade.