Por Washington Novaes *
Não passa dia sem que a comunicação traga números impressionantes sobre migrantes clandestinos que tentam chegar à Europa, vindos da África, do Oriente Médio e do Sudeste da Ásia. Assim como relatos dramáticos – o mais impactante foi o do menino encontrado morto numa praia turca. E diz a respeitada revista britânica New Scientist (12/10) que a migração em larga escala será um dos temas dominantes neste século, por causa do aumento da população em grandes áreas carentes no mundo, de instabilidade política, de povos afetados por mudanças climáticas, por violências. Além disso, esses povos migrantes seriam estimulados pela “interconectividade global – física e digital”. Se os governantes não forem competentes, diz a revista, terão diante deles crises complicadas.
A Europa já está recebendo fluxos sem precedentes, em geral atribuídos às dificuldades econômicas dos migrantes nos países de origem. Mas não é bem assim, diz a revista. Relatório do Banco Mundial e outras instituições afirma que, “na maior parte dos países para onde vão, os migrantes pagam mais impostos que o valor dos benefícios sociais que recebem”. As razões das resistências a eles não são econômicas, dizem alguns pesquisadores; e sim o temor de impactos culturais. E os impactos não serão apenas na Europa, mas também “em países do Golfo, Brasil, Austrália, Estados Unidos e Canadá”. E há até países, como a Alemanha, que utilizam a força de trabalho vinda de fora para preencher as vagas decorrentes de mortes e aposentadorias (em seu último balanço, a Alemanha registrou 200 mil mortes mais em um ano do que nascimentos; talvez por isso, diz-se disposta a receber este ano 800 mil migrantes). Só a Síria, desde o início da guerra civil, “exportou para a Turquia 1,3 milhão de pessoas, para o Líbano 1 milhão e para a Jordânia 600 mil. Até o fim deste ano poderão ser mais 1 milhão”, diz a ONU (Estado, 13/9).
Assegura a agência da ONU para refugiados (Acnur) que entre 2015 e 2016 são esperados pelo menos 1,4 milhão de refugiados provenientes da África e do Oriente Médio. De junho a setembro, 2.700 morreram na travessia clandestina do Mediterrâneo (19/10), que, segundo Gilles Lapouge (14/5), envolveu 219.900 pessoas que pagaram a intermediários ilegais. O número de mortos por sede e fome na tentativa de atravessar o Deserto do Saara pode ser igual ao de afogados no Mediterrâneo, segundo a Organização Internacional para a Migração (Reuters, 16/5). A Hungria é dos poucos países que rejeitam qualquer migrante – a ponto de planejar um muro ao longo de toda a sua fronteira (18/6). Por isso, não basta a decisão do Parlamento Europeu de receber 120 mil refugiados sírios e iraquianos nos próximos dois anos e investir ¤ 1,8 bilhão para conter a migração, já que a República Checa e a Eslováquia também não aceitarão refugiados (18/6).
A presidente Dilma Rousseff tem dito (Agência Brasil, 27/9) que o Brasil está disposto a recebê-los: “O Brasil é um país de refugiados, meu pai foi refugiado”.
A questão é particularmente complicada para a África, já que ali o número de “vítimas da pobreza” aumentou em 100 milhões nos últimos 25 anos, segundo o Banco Mundial (Reuters, 17/10) , apesar do crescimento econômico e da ajuda externa. A proporção de pobres no mundo se concentra principalmente lá, segundo o Bird. O banco diz também que 388 milhões de pessoas – ou 43% da população subsaariana – vivem com menos de US$ 1,90 por dia; e ainda assim o panorama melhorou, porque em 1990 eram 56%.
Dos países subsaarianos, 47 consomem, juntos, menos energia elétrica que a Espanha. O Painel para o Progresso da África, integrado por muitas personalidades, a começar pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, trabalha para que essa energia se multiplique por dez até 2030. Hoje, 62 milhões na região não dispõem de eletricidade. Na Nigéria, 95 milhões dos 177 milhões de habitantes dependem, para ter energia, de madeira, carvão e palha (EF, 13/6), embora gastem quase tanto quanto os cidadãos britânicos, nessa área. Será preciso investir US$ 55 bilhões até 2020 para melhorar o panorama.
E não é só na África. O Overseas Development Institute calculou há pouco (13/10) o risco se houver retrocesso nas taxas de crescimento no mundo. Se cair 3%, mais 500 milhões de pessoas estarão vivendo em extrema pobreza em 2030. Cita o Banco Mundial, para quem a taxa de pobreza extrema naquele ano estará em torno de 7%, mais de 500 milhões de pessoas; 13% delas estarão na África, onde ficam 40% das reservas globais de ouro, 15% do petróleo e 80% da platina. Mas praticamente tudo em mãos de grandes grupos estrangeiros, que remetem toda a renda para paraísos fiscais.
Voltando ao início deste texto e à previsão da revista New Scientist de que o Brasil está entre as regiões que mais impactos sofrerão com imigrações de africanos, asiáticos e habitantes do Oriente Médio, é preciso atentar para o fato de que temos algumas das melhores condições para atrair migrantes, mas também problemas graves. Conforme estudo do Credit Suisse (Estado, 14/10), nossa renda média anual por pessoa caiu de US$ 23,4 mil para US$ 17,5 mil entre 2014 e 2015 (havia triplicado entre 2000 e 2014). Está agora em menos da metade da média mundial de US$ 52mil. E ainda temos 40 milhões de pessoas que dependem do Bolsa Família. E alguns milhões que vivem em extrema pobreza, sem renda pessoal fixa. Somadas essas parcelas mais pobres, teremos perto de 50 milhões de pessoas, ou quase um quarto da população total.
Não significa que não possamos receber imigrantes ou ajudar pobres de outras partes do mundo. Significa que também precisamos voltar os olhos para dentro de casa e não esquecer nossos deveres. Principalmente em momento de desemprego e queda salarial. (O Estado de São Paulo)
* Washington Novaes é jornalista (e-mail: [email protected]).
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.