Opinião

Olhar para os juros. E para o lado de fora

Por Washington Novaes*

Quaisquer que sejam os números usados, concordam jornais e televisões que as manifestações de rua no último domingo foram “as maiores da História” no País – sem tumultos em qualquer parte. Mas com informações surpreendentes, como a de alguns jornais para os quais 70% dos participantes tinham nível superior de educação.

Que quererá dizer tudo isso? Que consequências terá? Dizem alguns que não haverá mais como escapar ao impeachment da presidente da República, ainda mais com as complicações que cercam o ex-presidente Lula e o PT. Outros acreditam que, após renúncia da presidente, fatalmente iremos para o parlamentarismo ou para um regime misto. E vêm palavras muito duras de empresários como José Alves Filho, presidente da Associação Brasileira Pró-Desenvolvimento Sustentável (Adial Brasil): “O custo do financiamento está 71% mais caro. Temos que reposicionar a política monetária. E se não cair a ficha, nós vamos quebrar (…). O custo do financiamento está 71% mais caro para as pessoas. O dinheiro do trabalhador não se multiplica nessa velocidade(…). No ano passado, 41% dos apartamentos foram devolvidos” (O Popular, 15/3).

É curioso, entretanto, que raras análises se refiram a aspectos como a influência dos fatores externos na situação brasileira, principalmente taxas de juros bancários, altíssimos lucros do sistema financeiro internacional e nacional e os rendimentos que ele proporciona a uma parcela estrita como a dos grandes aplicadores. A empresa Ipiranga, o principal negócio do Grupo Ultra – um dos considerados “privilegiados” (Estado, 14/3) –, por exemplo, teve alta de 12% na receita, que chegou a R$ 75,7 bilhões, com lucro de R$ 1,2 bilhão (mais 21%). O Grupo JBS (Friboi), faturou no terceiro trimestre do ano passado R$ 43 bilhões, quase 40% mais que em igual período de 2015; o lucro subiu 214%, para R$ 3,4 bilhões.

Quem se apega apenas a esse setor parece não considerar as projeções dos institutos de pesquisa econômica segundo as quais o produto interno bruto brasileiro (PIB) em 2016 deve cair pelo terceiro ano consecutivo. Em 2015 foram fechados 114 mil postos de trabalho para pessoas com nível superior de educação (6/3) – ao contrário dos anos 2004 a 2014, quando o PIB subiu 7,6% e foram abertas 306 mil ocupações nesse nível. Só as perdas em 2015 anularam os ganhos de 2012-13.

Agora, os números são inquietantes. O de desempregados sobe 41,5% em um ano e chega a 9,1 milhões, diz o IBGE (UOL, 19/2), 8,5% mais que no ano anterior. A renda média do trabalhador em janeiro, na média, estava em R$ 1.944, ou 7,4% abaixo da de um ano atrás. Em seis regiões metropolitanas o desemprego pode chegar 10% – mas em 3.500 municípios pode elevar-se até 13%. Até o fim do ano, a recessão será a pior já medida no País (Folha de S.Paulo, 14/3). Com a projeção do PIB de 2016 estimada para cair pelo terceiro ano consecutivo (Estado, 6/3), admite-se que também poderá ser negativa em 2017. O crédito ao consumidor foi 7,7% menor em janeiro do que há 12 meses – e esse crédito irriga 60% do PIB.

Mais pessimista ainda é a projeção do Instituto Internacional de Finanças (representantes dos 500 maiores bancos e instituições financeira), que espera contração de 4% a 4,5% no PIB brasileiro para o ano. “A incerteza é a única certeza no Brasil”, diz um de seus membros (Estado, 9/3). “A crise política está aprofundando o panorama (…). Estrangeiros aplicam o maior volume de recursos nas bolsas brasileiras – e a situação pode piorar com a saída da presidente Dilma”. Já o Banco Mundial avalia que crescimento no Brasil só no ano que vem, com 1,4% (Estado, 7/1), quando já este ano a economia mundial evoluirá 2,1% e mesmo a da América Latina crescerá 2%. O superciclo mundial das commodities desacelerou-se, assim como a economia da China, lembra a economista Maria da Conceição Tavares (Estado, 12/12/05) – trazendo para a discussão mais um fator externo, já que o mercado mundial de commodities é controlado por um cartel de empresas internacionais. E a Standard & Poor’s rebaixa o Brasil para uma “perspectiva negativa”. Principalmente o setor de serviços, que decresceu 5% nos últimos 12 meses – e ele influi em 70% do PIB.

Pedro Alves Oliveira, presidente da Federação das Indústrias de Goiás, depois de lembrar que “os três maiores bancos privados do País em 2015 tiveram lucros bilionários de R$ 47,16 bilhões” (O Popular, 11/3), acrescenta que em três anos foram R$ 117,94 bilhões – ao mesmo tempo que o valor médio da hora de trabalho caía 10,3%, o faturamento industrial baixava 8%, o nível de emprego reduzi-se em 6,1% e a massa salarial em 6,7%. E sentencia: “As taxas de juros são um pesadelo; a média dos juros no cheque especial vai a 287% ao ano, os mais altos desde 1995; nos cartões de crédito, a média é de 431,4% (…). Estamos sugados por um sistema financeiro perverso, beneficiando práticas equivalentes, e com a taxa Selic permanecendo em 14,25%”.

E assim vamos. O Brasil é o segundo maior devedor do mundo (Estado, 11/1), com US$ 322 bilhões, menos que a China apenas (US$ 1,1 trilhão). A desvalorização do real diante do dólar e o acúmulo de dívidas de empresas brasileiras em moeda norte-americana podem levar a economia brasileira a “parar”, segundo alerta dos bancos centrais reunidos na Suíça. Ao final de 2015, um total de US$ 9,8 trilhões estava emprestado ao setor empresarial, fora dos Estados Unidos. Empréstimos a empresas brasileiras triplicaram para US$ 206 bilhões. A Petrobrás é a maior devedora. Para conter a dívida bruta o Brasil precisa de superávit primário de 6% do PIB no próximos três anos, quando já enfrenta sua pior recessão. O comércio exterior está em período difícil, e os melhores resultados, na exportação de commodities, mostram preços em queda. Se nada mudar, diz José Alves Filho, “o País quebra até o fim do ano”.

Muitos avisos. (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde)

* Washington Novaes é jornalista.

** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.