Opinião

Os dois mundos do sofrimento dos animais na indústria brasileira

por George Sturaro, gerente de Investigações da Mercy For Animals no Brasil e
Paula Cardoso, diretora Jurídica da Mercy For Animals no Brasil

Graças ao trabalho de ativistas e organizações de proteção animal, sociedades ao redor do mundo têm tomado conhecimento do sofrimento pelo qual passam os animais na indústria da carne, do leite e dos ovos. No Brasil, um dos países que mais explora animais para consumo, investigações secretas de organizações como a Mercy For Animals e a Animal Equality já expuseram a terrível realidade das granjas e abatedouros que criam e matam animais em escala industrial. Práticas padrão da indústria de produtos de origem animal no país, como o confinamento de galinhas em gaiolas e de porcas mães em celas de gestação, assim como a mutilação de leitões recém-nascidos e a separação de vacas mães dos seus bezerros machos, são hoje mais conhecidas pela população do que eram há poucos anos. No entanto, existe um outro mundo do sofrimento animal no Brasil que é ainda bastante desconhecido de grande parte do público. Trata-se do manejo e do abate de animais em abatedouros municipais.

Abatedouros municipais são aqueles inspecionados pelos serviços de vigilância agropecuária do município em que estão localizados. Por conta dessa característica, eles só podem vender a carne dos animais ali abatidos para estabelecimentos localizados no mesmo município, como supermercados, açougues, restaurantes e escolas. Os abatedouros municipais públicos pertencem ao município e podem ser operados pela administração municipal ou por entes privados em um regime de concessão. Também há abatedouros municipais privados.

Atualmente, existem 353 abatedouros municipais espalhados por todas as regiões do Brasil, segundo informações do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). Esses estabelecimentos, assim como qualquer outro abatedouro, devem seguir todas as regulamentações e leis que visam à redução do sofrimento dos animais durante o abate, além das normas sanitárias cabíveis. No entanto, a realidade é muito diferente disso.

Um número expressivo de abatedouros municipais opera em situação irregular em diferentes partes do Brasil. Por exemplo, em Sergipe, mais da metade dos 46 abatedouros municipais existentes no Estado estavam interditados no início de 2019 por atuação irregular. Em Alagoas e Pernambuco, dezenas de abatedouros municipais em situação semelhante foram também interditados nos últimos anos. Já no Maranhão, a Agência Estadual de Defesa Agropecuária (Aged) estima que pelo menos metade dos 217 municípios mantém abatedouros públicos sem inspeção.

Ser levado para um abatedouro municipal é uma das piores coisas que pode acontecer a um animal. A ausência de equipamentos adequados e o treinamento insuficiente das pessoas que trabalham nesses locais, somados à pouca ou nenhuma fiscalização, resultam em uma situação extremamente precária para os animais. Imagens capturadas durante uma

 

investigação da Mercy For Animals mostram bois sendo arrastados com o uso de cordas para a área de abate, tendo seus rabos torcidos e recebendo múltiplos golpes de marreta na cabeça, antes de terem seus pescoços cortados enquanto ainda estavam conscientes e eram capazes de sentir dor. Cabe destacar que nada disso é permitido pelas regulamentações vigentes. Considerado cruel e ineficaz, o uso da marreta como método de atordoamento de animais antes do abate é vedado desde 2000 por instrução normativa do MAPA. Alguns Estados também proíbem a prática por meio de leis estaduais.

Cenas como as aqui descritas continuarão se repetindo se nada for feito a respeito. A Mercy For Animals criou uma petição pedindo ao Congresso Nacional a aprovação do Projeto de Lei 49/2019, que visa proibir o uso da marreta ou de qualquer outro método cruel de abate de animais em todo o território nacional. Além de enviar uma poderosa mensagem à indústria da carne, elevar a proibição do uso da marreta à condição de lei federal promoverá maior uniformidade das regras sobre abate no Brasil, trará maior segurança jurídica, já que uma lei federal não pode ser facilmente revertida, e dará aos defensores dos animais mais recursos jurídicos para protegê-los. Esse é um movimento importante na direção certa. Outro é mudar nossos hábitos alimentares, optando por alimentos à base de plantas.

(#Envolverde)