Por Maria Helena Masquetti*
“O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente”. Talvez esta simplicidade certeira do poeta Mário Quintana seja a mais credenciada para representar as conclusões de tantos observadores, pesquisadores, médicos, educadores e pensadores que, sob diferentes ângulos de visão, vêm alertando o mundo para a importância dos primeiros anos na vida de cada criança.
Não é necessário sermos engenheiros ou arquitetos para saber que a fase mais importante de qualquer edificação é seu alicerce. O que vier depois dependerá dessa base para ela se manter em equilíbrio e resistir à ação do tempo. As crianças também são assim, apenas a matéria da qual elas são feitas é infinitamente mais delicada e frágil. A argamassa que fixa com segurança os pés delas no chão é a alegria de serem amadas, a aventura de descobrir o mundo amparadas por mãos firmes e a confiança de se abandonarem no colo forte e protetor daqueles que a amam.
Por estarem em desenvolvimento, nos primeiros meses, as crianças pensam e sentem de uma forma espelhada seja em relação à figura materna ou de quem lhes faça as vezes. O mesmo se dá em relação às condições do ambiente no qual elas são concebidas e criadas. Por isso é tão fundamental que seus pais estejam bem ou amparados também, conforme o caso, e que o ambiente possa ser então essa referência acolhedora e amorosa que a criança poderá tomar, enfim, como um reflexo dela mesma.
Desde a concepção e até antes dela, cada experiência pode fazer a diferença na percepção que a criança terá sobre o mundo que a rodeia e na consequente construção de sua personalidade. Como um DNA dos destinos, a infância, da forma como for vivida, será determinante para o resto da vida de toda criança. Portanto, se algo não estiver indo bem, precisamos intervir rápido e com vigor, cada qual com suas atribuições, obrigações e possibilidades para fazer desse começo um dos melhores capítulos da vida delas.
No filme O Começo da Vida, de Estela Renner, várias situações tocantes mostram a importância desse cuidado e atenção com os filhos desde o momento em que foram concebidos. Ao mesmo tempo, porém, alerta a sociedade e o poder público sobre a urgência de políticas capazes de dar suporte a uma multidão de mães e pais que enfrentam, a duras penas, o desafio de garantir uma infância tranquila e feliz para seus filhos.
Contrariando a concepção antiga de criança como um ser inacabado, a infância é a melhor versão de cada ser humano pela capacidade que os pequenos têm de enxergar a beleza ou as saídas que muitos não podem ver, pela capacidade lúdica de reinventar a realidade, pela naturalidade com que praticam a inclusão entendendo que, com o outro, é tão mais gostoso brincar ou ainda pela magia de tocar o futuro com as mãos sem ter chegado lá. São tantas as maravilhas contidas em cada criança que é inadmissível ver muitas delas perdendo pelo caminho suas melhores razões para acreditar na vida em função de qualquer desamparo, seja ele de que ordem for.
“Se mudarmos o começo da história, mudamos a história toda” é uma das muitas falas presentes no filme e que nos ajuda a refletir sobre a infância como a matriz da existência que precisamos manter intacta para que se reproduza em plenitude de geração em geração. Cada ventre grávido carrega essa matriz, cada bebê que chora e cada criança que ri é o desabrochar delicado de alguém que chegou para fazer a diferença no mundo. Porém, para que assim aconteça, a infância deve ser nossa prioridade absoluta e, como tão oportunamente adverte a canção, “há que se cuidar do broto pra que a vida nos dê flor e fruto”. (#Envolverde)
* Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Instituto Alana.