Sonhei que estava, atrasada, entrando na sala de cinema. A tela grande, iluminada não passava nada. Busquei um lugar para sentar e as cadeiras estavam vazias. Pensei por um momento ter errado de sala e tropecei no carpete. Acordei deste pesadelo óbvio ululante: síndrome da abstinência de cinema, ver filmes como gosto, na tela grande, na sala escura. Provavelmente o pesadelo foi influenciado pelas notícias – péssimas – sobre o alongamento da Pandemia, e suas consequências drásticas sobre o mundo cultural não virtual. E pelos pedidos de socorro das salas de cinema que costumo frequentar.
Circos fecharam, cinemas, teatros, livrarias, sebos, cafés e clubes de leitura presenciais – além de escolas e universidades que mantém cineclubes e bibliotecas.
Um pano preto se fecha sobre o que considero artigo de primeira necessidade da alma. O resgate virtual de algumas atividades não ameniza a falta, e não mitiga o fato de que toda uma indústria (do cinema, editores e distribuidores), e uma enorme cadeia de serviços estão feridas de morte.
Em todos os planos municipais a reabertura dos espaços culturais está prevista para a última fase – sei lá quando – a depender do “efeito platô “.
Enquanto isso, bilheteiros, porteiros, faxineiros, pipoqueiros, seguranças, técnicos e tudo o que compõe o andar de baixo dos aparatos culturais está desempregado ou à beira de.
Sem falar nos artistas populares, aqueles que costumamos chamar de mambembes – sem o marketing televisivo ou digital para ampará-los.
Esta Pandemia vêm me causando diversos pesadelos – e desconfio que a muitos de nós.
Vou resumi-los aqui:
1.Pesadelo político: não confiar que as autoridades estejam fazendo o melhor e considerar o Presidente um criminoso;
2. Pesadelo moral: saber que nem todos podem ficar em casa nem gozar das condições ideais de isolamento; nem de atendimento hospitalar;
3. Pesadelo psicológico: sentir-me massacrada pelo número alto e cotidiano de mortes, relatadas com crueza e desespero pela mídia; medo de perder amigos e entes queridos;
4. Pesadelo econômico: projetar um futuro pessoal e coletivo de dificuldades financeiras – pois alguém (e seremos nós, classe média) pagará a conta;
5. Pesadelo filosófico: não estou certa de que o “novo normal” seja o dos homens e mulheres ponderados.
Assim, assombrada por tantos pesadelos, vou me escorando em vestígios de fé, fiapos de esperança e sustos, quando vejo um dos outonos mais bonitos que já vivi.
Pena que até ele está de partida – trazendo um incerto inverno pela frente.
Ilustração de abertura do pintor e fotógrafo polonês Zdzisław Beksiński (1929-2005)
Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.