Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 23/2/2017 – Uma recuperação econômica, que muitos já vislumbram para este ano, poderia salvar a atual geração de líderes políticos do Brasil, ameaçada de extinção pela campanha contra a corrupção. Essa aposta explica a incomum produtividade no Congresso Nacional desde a posse de Michel Temer, vice-presidente que assumiu a Presidência em maio de 2016, em razão do afastamento da presidente Dilma Rousseff. Uma ampla maioria parlamentar assegurou a rápida aprovação de medidas como a anistiada repatriação de capitais mantidos ilegalmente no exterior, junto com novas regras para a produção petroleira e inclusive uma emenda constitucional que fixa limites para os gastos públicos nos próximos 20 anos.
O ajuste fiscal, ainda pendente da crucial reforma do sistema previdenciário, que estabelece 65 anos como idade mínima de aposentadoria e amplia o tempo de contribuição para os futuros aposentados, é visto como restaurador da confiança de investidores e consumidores, considerada decisiva para o reinício do crescimento. Um aumento de 17,4% na produção agrícola deste ano, estimado pela Companhia Nacional de Abastecimento, e uma forte queda da inflação a partir de setembro favorecem o otimismo que as forças governantes procuram difundir, após a forte recessão dos dois últimos anos.
“Não se apresenta uma clara trajetória de recuperação, mas sim de uma crise mais branda ou menos aguda”, opinou Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, se referindo principalmente ao seu setor, que sofreu uma depressão. A produção industrial caiu mais de 17% nos três últimos anos, 2,5 vezes mais do que o produto interno bruto brasileiro. Em dezembro de 2016, foi registrada expansão de 2,3% em comparação com o mês anterior, mas se trata de “oscilação” excepcional, apontou. “Neste semestre deve continuar cambaleando, para um ligeiro resultado positivo no fim do ano, mais uma estabilização do que uma recuperação”, observou à IPS.
A desindustrialização, que ocorre desde 1990, quando o Brasil abriu seu mercado reduzindo tarifas alfandegárias e subsídios para as exportações de manufaturados, é o grande drama econômico do país de acordo com Luiz Bresser Pereira, ex-ministro da Fazenda e professor emérito da Fundação Getulio Vargas em São Paulo. A chamada “enfermidade holandesa”, que destrói a indústria nacional devido à taxa de câmbio supervalorizada, agrava o processo, alerta à IPS este veterano economista, que estima em R$ 3,80 para cada dólar a mudança que a indústria brasileira necessita para ser competitiva. Nos últimos dias, a cotação do dólar norte-americano está em torno de R$ 3,09.
“Nos países em desenvolvimento, suas moedas tendem à supervalorização crônica”, afirmou Bresser Pereira, que identifica nesse fato o mecanismo com que os países ricos, “de salários médios mais altos, neutralizam a vantagem da mão de obra barata” dos países não industrializados, com exceção para a China onde isso não funcionou. Junto com as indústrias vão os empregos melhor remunerados e mais estáveis, bem como muitos avanços tecnológicos, pontuou.
Bresser Pereira e Cagnin são parte do setor de economistas que colocam a indústria como o centro do desempenho econômico de um país. O problema cambial atual é sua “volatilidade”, indicou Cagnin. Apesar da cotação do real 23% maior do que há um ano, o Banco Central mantém operações que tendem a acentuar a supervalorização, favorecendo o controle da inflação, mas em detrimento da indústria nacional. A indústria de transformação gera muitos empregos indiretos em outros setores. Por isso o desemprego no setor de serviços aumenta algum tempo depois do industrial e pode demorar ainda mais a se recuperar.
“Não se deve subestimar o efeito dominó. As demissões no comércio e serviços reduzem a demanda por bens industriais”, explicou Cagnin. Investimentos em infraestrutura ajudariam a “superar o círculo vicioso”, sugeriu. A queda da inflação, que permitiu ao Banco Central reduzir sua taxa básica de juros, depois de mantê-la em 14,25%, uma das maiores do mundo, por 15 meses até outubro de 2016, também favorece o crescimento, barateando custos.
O governo destaca outros indicadores de recuperação, como aumento das vendas de veículos e nos supermercados, e procura estimular a construção, ampliando o crédito à moradia, e o consumo em geral, liberando dinheiro do FGTS normalmente disponível em casos excepcionais, como demissão. A urgência de recuperar a economia se intensificou diante da provável publicação, nas próximas semanas, dos depoimentos de 77 dirigentes e ex-dirigentes da Odebrecht que decidiram colaborar com a justiça na Operação Lava Jato.
Suas revelações ao Ministério Público Federal envolvem pelo menos 200 políticos, na maioria parlamentares, nos subornos pagos pelas empresas do grupo Odebrecht, encabeçadas pela maior construtora brasileira. A esperança de governadores e parlamentares acossados pelas denúncias é que melhoras na economia afrouxarão as pressões populares pelo julgamento de suspeitos do desvio de milhares de milhões de dólares da Petrobras.
Isso, segundo analistas, estimulou a coesão com que deputados e senadores aprovam as propostas governamentais, mesmo em caso de medidas impopulares que afetam seus interesses eleitorais, como redução dos gastos públicos e endurecimento da previdência social. A batalha também degenerou em conflitos entre os poderes legislativo e judicial. O Senado e a Câmara dos Deputados tentam aprovar leis que freiem o ímpeto do Ministério Público e dos tribunais, desafiando uma opinião pública francamente favorável à Operação Lava Jato.
Um projeto de lei que penaliza “abusos de autoridade” de procuradores e juízes deixou de avançar devido às pressões populares e de autoridades judiciais, embora não tenha sido descartado. Outro tenta anistiar a contribuição ilegal de recursos para campanhas eleitorais, o “caixa dois”, separando-a dos crimes de corrupção e enriquecimento ilícito. Por outro lado, o Ministério Público busca endurecer o combate à corrupção. Obteve apoio de mais de dois milhões de assinaturas a uma proposta de dez medidas legais e judiciais, algumas antidemocráticas, segundo alguns juristas.
Ministros e outros membros do Executivo, como governadores, e parlamentares contam com tempo para conspirar, já que só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). É o chamado foro privilegiado, que a Constituição assegura e costuma levar anos até chegar a uma sentença final. Mas a forte pressão para que o STF apure os processos sobre os políticos tendem a alterar seu ritmo. A recuperação econômica pode ter um importante papel no desenlace dessas batalhas, se o clima político mudar. Envolverde/IPS