por *Tiago Ricci –
Estima-se que o impacto da mudança climática pode reduzir o PIB dos países em desenvolvimento em até 12%, até 2050. Essa projeção negativa, realizada pela S&P, é uma dentre dezenas de outras que são apontadas por intensos estudos anuais em escala global. Nesse cenário, nada animador, seria de se esperar uma mobilização mundial intensa para reduzir a emissão de Gases de Efeito Estufa (GEEs) e, assim, combater o aquecimento global. Mas a verdade é que, apesar dos debates calorosos que ocorrem há décadas, poucos resultados concretos podem ser comemorados.
A mudança do clima representa um dos maiores desafios da humanidade e é fundamental buscarmos soluções eficazes e inovadoras para mitigar os impactos do aquecimento global. Um estudo do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) revelou que a redução na conversão de florestas e outros ecossistemas é a segunda melhor solução para redução das emissões de gases de efeito estufa, só perdendo para o uso de energia solar. Aqui fica evidente a dicotomia da realidade brasileira, pois ao mesmo tempo que a mudança do uso da terra (desmatamento e degradação florestal) é o principal condutor das emissões do país, também é a sua maior oportunidade para dirimir os efeitos da mudança do clima.
Nesse contexto, a precificação do carbono por meio do mecanismo de Mercado Voluntário de Carbono (MVC) desponta como uma poderosa ferramenta na luta contra a mudança climática, complementando os esforços governamentais e impulsionando ações sustentáveis em diversos setores da sociedade, principalmente, no desenvolvimento socioambiental das regiões onde os projetos são desenvolvidos.
O MVC é baseado na valoração dos ativos ambientais pela iniciativa privada e conscientização ambiental (consumo). Ou seja, ele impulsiona a ambição climática para além das obrigações legais, promovendo uma resposta mais ágil e abrangente aos desafios climáticos. Além disso, o uso dos ativos de carbono do mercado voluntário permite investimentos em projetos de integridade socioambiental, que também podem contribuir para a diminuição da pobreza e a preservação da biodiversidade.
No cenário brasileiro, os ativos de carbono provenientes de Soluções Baseadas na Natureza (NBS, em inglês) passam a ter um papel fundamental na economia de baixo carbono, pois possuem relevância socioambiental e são cientificamente consideradas como investimentos com ótima relação custo-benefício, pois o retorno social é 15 vezes maior do que o investimento relacionado, segundo estudo da organização Food and Land Use Coalition. Além disso, investimentos em reduções de emissões de GEE em NBS são mais custo-efetivos e podem fornecer benefícios múltiplos, incluindo a mitigação das mudanças climáticas, a adaptação às mudanças climáticas, a conservação da biodiversidade e o desenvolvimento sustentável. Desse modo, eles devem ser considerados para fins de portfólio de setores regulados e não regulados que visem a neutralidade climática.
Dados preliminares da Aliança Brasil NBS, organização que reúne os principais desenvolvedores de projetos de carbono do Brasil, dão conta de que no ano passado e nos primeiros seis meses de 2023, somente os projetos desenvolvidos pelos membros da associação e já registrados no Verified Carbon Standard da Verra, uma das principais certificadoras do mercado, são responsáveis por evitar o desmatamento de cerca de 1,6 milhões de hectares de floresta, o que equivaleria à emissão evitada de cerca de 7,5 milhões de toneladas de CO2e ao ano. No contexto geral, estima-se que os créditos dos projetos de conservação florestal (denominados REDD+) tenham um valor de mercado superior a R$ 400 milhões (2022).
Com efeito, ao longo de décadas, o Mercado Voluntário de Carbono vem criando e aperfeiçoando ferramentas e metodologias que são aplicadas à elaboração de projetos cada vez mais adequados para atender a integridade climática e socioambiental exigida. É certo que existe espaço para aprimoramentos (sempre haverá), mas os projetos de créditos de carbono no MVC são verificados por padrões cada vez mais rigorosos e auditados por entidades independentes, que devem promover a transparência e a integridade dos resultados.
Quando desenvolvidos de forma adequada e com rigor técnico, considerando a integridade, a aplicação metodológica e as devidas salvaguardas às populações envolvidas, os projetos de carbono no âmbito do Mercado Voluntário têm se mostrado ainda uma solução para promover a economia de baixo carbono e a autonomia das comunidades tradicionais e povos indígenas. Os projetos de REDD+ em comunidades tradicionais e indígenas podem ser a forma mais rápida e eficiente de fazer chegar recursos recorrentes e de longo prazo, capazes de e gerar benefícios financeiros e não financeiros nesses territórios, além dos ambientais.
É importante reforçar a questão da integridade social nos projetos de geração de ativos ambientais. O STF, em 2022, decidiu que o Acordo de Paris tem status de tratado de Direitos Humanos, uma vez que o tratamento da questão climática global precisa se atentar ao combate à pobreza e fomentar o desenvolvimento humano.
Assim, projetos de carbono sérios e qualificados, realizados tanto em áreas privadas quanto coletivas, são aqueles que buscam uma adequada aplicação da metodologia estabelecida pelas regras do padrão de certificação e que, a partir dos recursos gerados pela venda dos ativos de carbono, distribua benefícios às comunidades na área de influência do projeto de forma a prover e apoiar atividades de, por exemplo, capacitação, governança, fortalecimento institucional, infraestrutura, educação e saúde. A ideia é que projetos de alta integridade gerem co-benefícios socioeconômicos que irão se perpetuar para além do tempo do projeto. E isso precisa ser estabelecido a partir de diagnósticos sociais que respeitem a autonomia dos comunitários, seus eventuais protocolos de consulta e, sempre, por meio do consentimento livre, prévio e informado. O mercado voluntário de carbono pode ser uma importante ferramenta para o desenvolvimento social e humano dos territórios de cobertura vegetal do país.
Os grandes compradores de ativos de carbono cobram cada vez mais a aplicação de salvaguardas e investimentos socioambientais dos projetos e os padrões de certificação de projetos de carbono estão cada vez mais rígidos com esses aspectos. E isso é bom. Isso faz com que seja possível identificar os atores sérios e os aventureiros nesse mercado.
Outra importância do mercado voluntário é a mobilização de financiamentos para concretizar políticas públicas não implementadas, como, por exemplo, a recomposição e proteção de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente (APPs) e restauração de florestas degradadas. Assim, o mercado voluntário pode ser uma ferramenta fundamental para alcançar metas públicas sem utilizar recursos governamentais.
É relevante, também, ressaltar o potencial de projetos NBS em promover inovação técnica e científica, além de gerar postos de trabalho em regiões pobres. Isso porque projetos de reflorestamento, redução de desmatamento e degradação florestal (REDD+), sistemas agroflorestais, entre outros, são intensivos em mão-de-obra e há ainda significativo espaço para melhorias genéticas, desenvolvimento de cadeias de valor, entre outros benefícios.
Por fim, segundo a Trove Research , o volume movimentado pelo mercado de carbono voluntário no mundo em 2022 foi de aproximadamente US$ 2 bilhões, e pode passar de US$ 10 bilhões até 2030, evidenciando o crescente interesse e comprometimento das empresas e indivíduos em reduzir suas pegadas de carbono. Essa tendência demonstra que o mercado voluntário não apenas complementa as ações governamentais, mas também assume um papel cada vez mais relevante no enfrentamento da mudança climática, estimulando investimentos cruciais para a construção de uma economia sustentável e de baixo carbono no cenário global.
Sobre a Aliança Brasil NBS:
Fundada em 2021, a Aliança Brasil NBS é uma associação sem fins lucrativos que tem como propósito fortalecer as iniciativas brasileiras em Soluções Baseadas na Natureza (do inglês Nature-Based Solutions – NBS), que visam combater o desmatamento, restaurar florestas e implementar práticas sustentáveis por meio do mercado de créditos de carbono. A instituição representa as empresas desenvolvedoras de projetos de carbono responsáveis por mais de 70% dos créditos brasileiros emitidos desde o ano passado, relativos a NBS e AFOLU (Agriculture, Forestry and Other Land Use), além de organizações não-governamentais, investidores de impacto e empresas de integridade. A Aliança Brasil NBS surgiu da demanda das empresas de carbono que atuam no Brasil por uma autoridade técnica, que pudesse trabalhar pelo nivelamento das práticas de mercado e em prol da agenda positiva do setor.
*Tiago Ricci é líder do Grupo de Trabalho de Projetos de Lei da Aliança Brasil NBS e diretor da Systemica