Opinião

Por trás do crime contra as búfalas em Brotas: uma verdade ainda mais inconveniente

Por Cristina Mendonça (*) – 

A situação de total abandono onde as mais de mil búfalas em Brotas, no interior de São Paulo foram encontradas, gerou uma comoção na sociedade brasileira. O episódio vem sendo considerado um dos maiores casos de abuso e maus tratos no país.

Apesar da perplexidade com a crueldade da opção por deixar as búfalas à morte, sem acesso a comida e água, para transformar a área da fazenda em plantação de soja, o caso revela, no limite, uma verdade ainda mais inconveniente.

Pouco visível aos nossos olhos e pouco expostos na mídia, o extremo da realidade da indústria de animais de fazenda foi mostrada no horário nobre de TV e nos principais jornais do país com a crise atual. E é importante, com muita autocompaixão, falarmos sobre isso.

Neuro-biologicamente, fisicamente, e mentalmente o ser humano é programado para a conexão com o outro. Não somente com animais humanos, como também com os não-humanos. A relação com animais de companhia como gatos e cachorros é um destes exemplos. No entanto, temos mecanismos de defesa que bloqueiam nossa capacidade de conexão, empatia e compaixão com os animais ditos de consumo – e essa é uma grande diferença.

Falo em primeira pessoa destes mecanismos. Por mais de 34 anos acreditei que comer carnes e laticínios era normal, natural e necessário. Em viagens de carro, lembro que achava bonito ver bois, vacas e até mesmo búfalos em pastos. Um dos grandes dilemas surgiu quando uma amiga, durante alguns meses, cuidou de um porquinho em sua casa e pude ver o quão inteligente e sensível era – como um cachorrinho.

Mas num processo que psicólogos chamam de dissonância cognitiva, continuei transformando os animais em objetos de consumo e desejo em meus pratos. Condicionada neste hábito, recordo também de me recusar a assistir vídeos que expunham a realidade cruel da indústria. Era mais uma estratégia de bloqueio e paralisação para não ser apresentada a dados que confrontariam minha própria identidade pessoal, social e cultural.

Havia um elefante na sala. Só o enxerguei depois de um profundo processo de investigação interna. Apesar de a indústria de leite de búfala ser muito pequena comparada à do leite de vaca, algumas práticas são comuns entre elas, como a gravidez recorrente para produzir leite e a separação forçada dos seus filhotes. Além disso, vacas e búfalas têm o mesmo destino em um estágio muito prematuro de suas vidas assim que sua produção de leite começa a rarear: o descarte no abatedouro.

Caso sinta vontade de aprofundar reflexão, investigações da Mercy For Animals na indústria de leite de vaca já documentaram situações como vacas doentes definhando por dias sem cuidado até serem levadas ao abatedouro, mães sofrendo com problemas no parto e, bezerros violentamente separados de suas mães poucas horas depois de nascer.

De reflexão à ação. No Brasil, a Mercy For Animals está mobilizando a sociedade, empresas privadas, produtores e diferentes esferas de governo neste processo de transição e transformação do sistema alimentar para um mais compassivo e sustentável. Deixo o convite para que possamos juntar esforços nesta jornada de co-criação. Que tal iniciar por uma reflexão sobre a origem de nossos alimentos? Infelizmente, raramente sabemos tudo que é promovido aos animais a partir das escolhas que fazemos em nosso dia a dia. Que esse processo de investigação e caminhar seja leve e prazeroso!

 Cristina Mendonça é diretora executiva da Mercy for Animals (MFA) no Brasil

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