Opinião

Preconceito, Cultura, Política e Utopias (XVIII)

por Samyra Crespo – Um parêntesis necessário: a sociedade civil, essa linda! – 

Em finais dos anos 80, junto com a anistia, cresceu a movimentação para fortalecer a “sociedade civil”.

O ISER, que se destacava por uma equipe de antropólogos, sociólogos e pesquisadores, atuava como um instituto de pesquisa independente e iniciou uma série de estudos sobre as ONGs, as organizações sociais e o mundo da filantropia. Para a esquerda, a filantropia era a expressão da consciência culpada da burguesia que dedicava migalhas da mais valia que tirava da “classe trabalhadora ” para a assistência social – ajuda que nunca transforma realmente a vida das pessoas. Portanto as centenas de organizações filantrópicas (asilos, orfanatos, educandários, ambulatórios, assistência a deficientes, etc) não eram reconhecidas como promotoras de cidadania nem do desenvolvimento. Não eram políticas nem de “advocacy” – “causas”. Ponto. Era assim.

Um dos primeiros estudos sobre isto foi feito pela antropóloga Leilah Landim, que depois aprofundou esta linha de trabalho acadêmico na UFRJ. Se chamava: “De costas para o Estado – De frente para a Sociedade.” – falava deste importante fenômeno das ONGs e da sociedade civil que precisava se fortalecer no recém estabelecido estado de direito, nossa democracia duramente conquistada, após vinte anos de Ditadura.

As organizações filantrópicas possuem um cadastro em Brasília e quando aceitas – por este controle governamental, recebem uma inscrição que as habilita a receber recursos públicos. Surgiu a ideia de se fazer um cadastro independente das ONGs de desenvolvimento existentes no País. Neste survey, o primeiro, só com e-mail (ainda não difundido nem universal) e telefone, em auto declarações aceitas sem verificação, surgiram cerca de 400 organizações. A maior parte dizia atuar com educação e outra, surpreendentemente com ‘ecologia’.

Assim, nos anos 90′ as organizações ambientalistas eram associações precárias, que se movimentavam localmente, com poucos recursos, privados e voluntários. E a maioria dessas pequenas organizações se ocupava de educação ambiental de crianças e jovens.

Então, quando a Conferência de 92 foi decidida pela ONU, anos antes, na fase preparatória – dezenas de encontros, insumos e incentivos financeiros apareceram; a oportunidade de o movimento ecologista se estruturar estava dada, mas havia obstáculos a superar. O tema da “profissionalização’ nao estava posto. Era ativismo puro, quase tudo sem remuneração.

Primeiro é preciso lembrar que as ONGs de desenvolvimento já atuavam pelo menos há uma década e portanto tinham know-how, dirigentes que falavam inglês e recursos que vinham “de fora”: do mundo católico (Misereor, Caritas); do mundo protestante-evangélico (Conselho Mundial de Igrejas em Genebra, e ICCO e NOVIB na Holanda), das fundações alemãs e americanas principalmente (Heinrich Boll, Konrad Adenauer; Fundação Ford, Rockfeller e Kellogs) – só para exemplificar. As fundações financiadoras exclusivamente de programas de meio ambiente chegaram mais tarde. Os bancos multilaterais (BID e Banco Mundial) assim como os governos estrangeiros também estruturaram programas – dentro da rubrica genérica “ajuda ao desenvolvimento” – como o governo alemão por meio da KFW e o americano por meio da USAID.

Complexo? Você ainda não viu nada.

Esta história precisa ser contada em detalhe e naturalmente não o farei aqui. Fica a dica para estudantes e orientadores de teses.

O fato é que dinheiro de governo significava “cooptação ” e dinheiro internacional era a chance de atuar independentemente.

Conseguir um financiamento substancioso era o sonho de toda ONG e de todo movimento social. Tinha um “caminho das pedras “. No mundo concorrencial das ONGs ninguém compartilhava a expertise de conseguir dinheiro fora do Brasil. Cada um por si.

Assim, em 1992 as ONGs ecológicas – ou ambientalistas como chamamos hoje – eram os primos pobres no mundo dessas organizações.

Além do obstáculo organizacional e financeiro as organizações ambientalistas ainda precisaram enfrentar o preconceito político. Só para lembrar, meio ambiente não era considerado gênero de primeira necessidade. Uma boa parte da esquerda considerava o movimento como de ‘classe media’, burguês e isso era mesmo um xingamento.

Resumindo: as turmas das Ongs de desenvovimento, quase todas de esquerda não se davam com a turma da ecologia.

E por último ainda tinham as King-ONGs ambientalistas estrangeiras – com milhões de membros e ricas – como o Greenpeace e o WWF, só para dar exemplos significativos.

Este foi o contexto dos conflitos de bastidor que levou à criação do Fórum Brasileiro de Ongs Ambientais e Movimentos Sociais (FBoms). Esta coalizão catapultou lideranças ambientalistas e criou um ente político, nacional, que a partir dali falaria em nome dos ambientalistas.

Ali a História deu um salto, o ambientalismo uma cambalhota ou dança acrobática e a Rio 92 cumpriu mais um papel: o de estruturar o movimento ambientalista no Brasil.

Depois eu volto. Para falar deste multicolorido movimento em que o verde cresce e amadurece.

… continua no próximo Post.

Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.

Este texto faz parte da série que estou escrevendo sobre os anos da minha formação e de como me tornei ambientalista nos anos 90.

(#Envolverde)