Por Dal Marcondes – fundador e editor do Projeto Envolverde –
Este texto é parte da coletânea de artigos publicados no e-book “O Jornalismo na Comunicação Organizacional: temas emergentes” que tem como organizador o professor Wilson da Costa Bueno, de quem tive a honra de ser aluno em minha graduação na ECA/USP.
Desde 1991, quando foi pensada pela primeira vez a marca Envolverde, tem início uma trajetória de construção de um projeto que, em sua origem, foi profundamente inovador. Uma startup em um tempo em que esse adjetivo nem existia no vocabulário dos brasileiros. A ideia de uma agência de notícias dedicada à cobertura de pautas ambientais vinha germinando durante alguns anos, até que, em 1995 o projeto se materializa a partir de um telefonema. Desde Nova York o diretor da agência Internacional Inter Press Service (IPS), Mario Lubetkin, liga para falar sobre um projeto em gestação em parceria com o Programa da Meio Ambiente da ONU (Pnuma), o Projeto Terramérica, um ambicioso produto jornalístico, em três idiomas (espanhol, inglês e português) que deveria cobrir temas socioambientais na América Latina e Caribe.
Essa é a gênese da Agência Envolverde. Terramérica nasce como um tabloide de 16 páginas que deveria ser encartado em jornais do México até a Argentina. A edição principal ficou na Cidade do México e, por uma questão de especificidades de pauta e de idioma, a edição em português ficou em São Paulo. E eu, Dal Marcondes, até então um jornalista dedicado a temas econômicos, mas com um mestrado inconcluso em economia ambiental, fui convidado a ser o editor e Publisher do projeto no Brasil.
Uma pequena equipe foi montada às pressas e poucos dias depois daquele telefonema estávamos trabalhando na primeira edição do Terramérica em português, a pauta dedicada a um tema ainda desconhecido da grande mídia: Biodiversidade. A primeira tiragem ficou por conta de parcerias com o Jornal do Brasil (RJ), Correio Braziliense (BSB), e Estado de Minas (MG). Aos poucos outros jornais entraram no pool para encartar mensalmente o Tarramérica, que circulou como tabloide mensal até 2003 e depois tornou-se uma página standard semanal com uma tiragem mensal que superou um milhão de exemplares. O projeto foi encerrado em 2013.
Em 1998, mais precisamente em 8 de janeiro, entra no ar a página da Agência Envolverde na internet, o site www.envolverde.com.br , que foi identificado em 2020, pela organização norte americana de pesquisa em jornalismo Sembra Media, como o mais antigo projeto de jornalismo nativo digital em operação no Brasil.
Na origem a Agência Envolverde distribuía reportagens e artigos produzidos pela IPS e alguns poucos textos com produção local. Era dedicada a oferecer conteúdos para jornais e revistas e distribuía para um mailing de editores. O modelo de negócios era assinatura dessas mídias. Não dava muito certo. A partir do ano 2000 o conteúdo passou a ser aberto no site e o mailing de distribuição ganhou potência, chegando perto de cem mil assinantes (que não pagavam pelo acesso).
No campo do jornalismo a agência passou a produzir reportagens e captar artigos. Nesse período foi construída a reputação de ser uma agência de notícias sobre meio ambiente e sustentabilidade que tinha um forte viés de abordagem econômica. Ou seja, os jornalistas da Envolverde buscavam compreender quais são os vetores econômicos que determinavam os problemas ambientais ou sociais em cada pauta. Outro viés editorial foi assumir que o principal foco da cobertura era (e ainda é) a cobertura de políticas públicas e boas práticas em questões socioambientais.
Apesar do aparente sucesso editorial fiou claro que a Agência Envolverde ainda não havia encontrado um modelo de negócios capaz de dar sustentação ao projeto jornalístico. No dia a dia a prática era (em muitos casos ainda é) prestar serviços para organizações sociais e empresas para destinar recursos à redação da agência. O dilema do “modelo de negócios” ficou explícito e não fosse a teimosia e resiliência dos profissionais envolvidos possivelmente o projeto teria sucumbido há muito tempo.
Ao longo desses quase trinta anos de existência a projeto criou dezenas de alternativas de financiamento e ajudou a qualificar dezenas de jovens jornalistas em temas relacionados à economia ambiental, natureza, direitos humanos, povos tradicionais e outros temas socioambientais. O editorial da Agência Envolverde sempre esteve ligado à vanguarda dos movimentos de estruturação da pauta ambiental, em alinhamento com os movimentos da ONU, como as conferências ambientais e climáticas e diretrizes como os 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
A dedicação a essas pautas e o cuidado editorial trouxe inúmeros reconhecimentos e premiações, como o Prêmio Ethos de Jornalismo por duas vezes, o Prêmio Ponto de Mídia Livre do Ministério da Cultura, o reconhecimento no Jornalista Amigo da Infância da Agência ANDI, uma comenda da Câmara Municipal de São Paulo e outros. A marca Envolverde conquistou ao longo dos anos reputação e reconhecimento pelo comprometimento do jornalismo.
Com poucos recursos advindo do jornalismo, a Envolverde passou a diversificar sua atuação, sempre com o compromisso com sua gênese socioambiental. Criou uma área de eventos, que entre outras coisas realizou diversas edições do Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, em parceria com a Rede de Jornalismo Ambiental, duas dezenas de Diálogos Capitais em diversos estados em uma parceria com a Revista Carta Capital, com quem também firmou uma parceria editorial para a produção de reportagens e artigos, além do suplemento Carta Verde. Produziu dezenas de eventos Diálogos Envolverde, em parceria com a Unibes Cultural, em São Paulo, e muitos outros.
As parcerias editoriais, quando a Envolverde produziu conteúdos para outras organizações jornalísticas foram feitas com o jornal O Estado de S. Paulo, o Portal IG, a revista Carta Capital, a Editora Segmento, as revistas Razão Contábil e Harvard Business Review e alguns outros projetos pontuais. No campo de coberturas direcionadas a Envolverde foi, por mais de 10 anos consecutivos, a agência de notícias oficial das Conferências Internacionais do Instituto Ethos e, também, atuou na cobertura das ações do Fórum Amazônia Sustentável (organização que reúne empresas, governos e sociedade no debate sobre a Amazônia). Esse trabalho como agência de notícias em grandes eventos levou a equipe para a cobertura dos grandes eventos da ONU no Brasil, como a Conferência da Unctad em São Paulo, a COP de Biodiversidade em Curitiba, a Rio +20 e, também, a diversas edições do Fórum Social Mundial e Porto Alegre e em Belém do Pará.
Também foi desenvolvida a expertise de edição de relatórios de sustentabilidade padrão GRI (Global Reporting Iniciative) para empresas e organizações sociais. Daí à produção de estudos e pesquisas para empresas e organizações foi um passo. Estudos foram realizados para empresas como o Walmart Brasil, a B3, o Centro SEBRAE de Sustentabilidade, o Instituto Ethos e outros.
Essa diversificação de atividades sempre ocorreu de forma paralela ao trabalho cotidiano de agência de notícias desenvolvido no site da Agência Envolverde, o que sempre foi considerado a atividade principal da Envolverde.
A experiência da Envolverde em fazer jornalismo ambiental digital fez com que sua equipe, em especial o editor Dal Marcondes buscasse formação e conhecimento para fortalecer o projeto. Se dedicou a dois mestrados, um em Ciência Ambiental pelo Procam/USP e outro em Modelagem de Negócios em Mídias Digitais. Isso porque o mais importante desafio do jornalismo neste século é encontrar modelos de financiamento para veículos digitais. A experiência pioneira da Envolverde fez com que a organização (o mantenedor da Agência Envolverde é uma organização social, o Instituto Envolverde) buscasse atividades correlatas para garantir os recursos necessários para o projeto jornalístico.
Quase trinta anos depois do primeiro trabalho com o selo Envolverde, o projeto segue se reinventando e buscando modelos para contribuir com a pauta socioambiental no Brasil – hoje a Envolverde tem seus trabalhos lastreados nos Objetivos e Metas dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
O olhar no horizonte mostra que há mais a contribuir a partir do compartilhamento da experiência e da expertise em relação à transição do jornalismo analógico para o jornalismo digital, do conhecimento dos dilemas e desafios socioambientais e na construção do jornalismo necessário como lastro de um processo civilizatório cada vez mais complexo.
O Projeto Envolverde não tem a pretensão de tornar-se uma grande mídia industrial, no entanto, atua para incidir na valorização da cobertura, integrada, que busca tornar acessível à sociedade temas complexos que envolvem economia, sociedade e superação dos desafios impostos pela degradação planetária.
Nesta existência de quase 30 anos muitos jornalistas que atuaram sob a bandeira da Envolverde estão em grandes mídias, em organizações sociais e seguindo uma trilha que começou nas coberturas de grandes eventos e reportagens e no cotidiano da redação do site Envolverde. Essa é uma contribuição da qual nos orgulhamos.
O projeto também trabalhou pelo fortalecimento da institucionalidade do jornalismo ambiental, através do apoio à Rede de Jornalistas Ambientais e da realização de 7 edições bienais do Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental. Esse evento reuniu em diversas cidades brasileiras cerca de mil profissionais de jornalismo e estudantes em cada uma de suas edições.
Os próximos passos da bandeira Envolverde é tornar-se uma organização de estudos e pesquisas sobre o jornalismo ambiental, sobre jornalismo e sobre modelagem de negócios que ajudem a manter e fazer crescer a influência das mídias ambientais na formação de opinião qualificada para o enfrentamento das grandes crises socioambientais do século 21. (Envolverde)
Dal Marcondes é jornalista formado pela ECA/USP, foi redator na Agence France Presse, repórter e editor da revista Isto É, repórter no jornal DCI, Editor de finanças na Gazeta Mercantil, editor na Agência Dinheiro Vivo, repórter e editor na revista Exame, editor na Agência Estado, editor/colunista na revista Carta Capital.