Por Neuza Árbocz, especial para Envolverde –
As atividades humanas ganharam uma escala sem precedentes, capaz de alterar o equilíbrio climático no planeta. Diversos estudos científicos mostram ano a ano evidências desta conexão. Inclusive o mais recente relatório do Painel de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, resultado de dois anos de trabalho de 103 peritos de 52 países, divulgado em agosto deste ano.
“Influência humana aqueceu o clima a uma taxa sem precedentes, ao menos nos últimos 2000 anos” – Mudanças nas temperaturas globais desde 1850 – IPCC, 2021.
https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/downloads/report/IPCC_AR6_WGI_SPM.pdf
Além da emissão de gases poluentes, o desmatamento constante é um dos fatores que mais influenciam a crise climática e ambiental atual. A supressão de florestas não elimina apenas árvores e animais, mas também seu papel crucial no ciclo hidrológico, na proteção do ar e dos solos, e na manutenção da biodiversidade de micro e macro organismos, vitais para a manutenção da vida na Terra.
Esta influência passou despercebida por séculos, a ponto da prática de “eliminar o mato” ser sinal de progresso para boa parte da humanidade. Os apreciadores apenas de ambientes urbanizados e industrializados ignoraram, por longo tempo, a dependência destes das áreas naturais ao seu entorno.
Povos originários, tachados como “selvagens”, foram expulsos ou dizimados para dar lugar a estradas, ferrovias, usinas, cidades, lavouras e pastos. Em 2007, um levantamento do Greenpeace apurou que a Europa Ocidental havia perdido 99,7% de suas florestas primárias; a Ásia, 94%; África, 92%; Oceania, 78%; América do Norte, 66% e América do Sul, 54%. Em 2010, o relatório da FAO, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, elaborado por 900 especialistas de 178 países, identificou que restavam pouco mais de 4 bilhões de hectares de floresta no mundo, isto é, 31% da área de terra do globo.
Prioridade mundial
À medida que a compreensão do papel das matas nativas nos ciclos hidrológicos e climáticos do planeta cresceu, conter a destruição das florestas se tornou uma prioridade mundial. Iniciativas como o Observatório Global das Florestas, https://www.globalforestwatch.org/, utilizador de alta tecnologia em seu monitoramento desde o princípio dos anos 2000, mostraram ser insuficiente apenas proteger o que restou.
É preciso restaurar, se quisermos evitar mais e mais secas, geadas, inundações, tornados e outros eventos climáticos que destroem vidas.
Trocar pastos e monoculturas que exaurem o solo e requerem cada vez mais terras e terras para manter seus lucros míopes, por florestas nativas e/ou consorciadas, tem se provado um caminho viável para trazer resiliência à existência humana neste planeta.
O nível de produção em áreas junto às matas é maior. A presença de árvores variadas, assim como de maior biodiversidade de plantas, insetos e da fauna em geral, dificulta a propagação de pragas, torna o solo mais permeável e vivo, o clima mais ameno, retém mais água no subsolo, protege nascentes e cursos d’água, assim como incentiva ciclos de chuva mais regulares. Isso graças à maior umidade no ar e às partículas formadoras de nuvens emitidas na evapotranspiração das florestas, como comprovado por estudo da USP, em conjunto com cientistas de Harvard, de Berkeley e do Instituto Max Planck, da Alemanha, já em 2012, entre outros.
“Para a formação de nuvens, é essencial não apenas que as árvores transpirem umidade, mas também que as flores e folhas produzam seus perfumes,” destacou Carlos Nobre, cientista da Universidade de São Paulo, conhecido mundialmente por seus estudos sobre a ligação entre os biomas e a atmosfera. O especialista detalha que os aromas são transformados, pelo contato com a luz solar, em uma partícula sólida. Em torno dela, forma-se uma pequena gota d’água. “Estas partículas microscópicas são o núcleo de condensação das gotículas de água das nuvens. Quando a floresta desaparece, essa formação diminui muito”, explicou o pesquisador, a convite da Climatempo, empresa de previsão meteorológica engajada no combate às mudanças climáticas.
A própria Embrapa estuda e recomenda a adoção da Integração de Lavoura, Pasto e Floresta (ILPF) pois documentou maior engorda do gado neste sistema, menor uso de insumos químicos e uma compensação climática indireta pela captura de gás carbônico pelas árvores em crescimento, como contraponto aos danos causados pelo metano expelido pelo gado. Árvores são incapazes de reter metano; contudo ao sequestrarem o CO2 em seu crescimento, reduzem a pressão, como um todo, dos gases de efeito estufa (GEEs) na atmosfera. Até 2020, o Brasil somava 15 milhões de hectares convertidos para o sistema ILPF e pode chegar a pelo menos o dobro até 2030, segundo a estatal.
Biomimética florestal
A Integração Lavoura, Pasto e Floresta (ILPF) é bastante diferente, contudo, de uma restauração com todos os benefícios ambientais (ou os chamados ‘serviços’ ambientais) que matas nativas provêm. “Existe a restauração da forma – isto é, onde havia árvores, replantam-se árvores. Sem distinção nem estudo da paisagem originária. Pode ser apenas uma monocultura para madeira, por exemplo”, diferencia o agrônomo, Géza de Faria Árbocz, especialista em estudos de Impacto Ambiental e projetos de recuperação ambiental. “E existe a restauração de função. Onde buscam-se todas as condições de biodiversidade, tanto vegetal quanto animal, como características de solo, para recuperar os ciclos naturais então existentes, com todos os benefícios que geravam antes do desmatamento”.
Guto Freitas, engenheiro florestal responsável por grandes viveiros de mudas arbóreas no estado de São Paulo e por projetos restaurativos de grande porte, concorda. “Precisamos olhar mais para a natureza. Entender as correlações ali existentes. Tanto entre as plantas entre si, como com animais, insetos e fungos. Restaurar um bioma é uma operação que requer perspicácia e observação aprofundada”, comenta o responsável por mais de 20 mil hectares recuperados nos últimos dez anos. “A restauração pode ter foco nos serviços ecossistêmicos, e pode também, a depender da área e situação legal, ser mista, com espécies de potencial comercial, tanto frutíferas, como aromáticas ou de madeira, com o manejo adequado”, esclarece.
Uma espécie como o pau rosa, por exemplo, muito valorizada pelo uso na perfumaria, só pode ter uma muda inserida a cada 2 ou 3 hectares de restauração. “Esta é uma árvore de crescimento lento e que tem mais aroma na maturidade. Mas não adianta plantar várias, próximas umas das outras, pois o equilíbrio florestal para seu crescimento fica prejudicado. Toda restauração deve iniciar com um estudo ambiental detalhado do território”, conclui Freitas.
O Brasil reafirmou seu compromisso assinado no Acordo de Paris em 2015, de restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. Para isso, teria que investir de R$ 31 bilhões e R$ 52 bilhões por 14 anos, segundo estudo de 2016 do Instituto Escolhas, em conjunto com a Fundação Getúlio Vargas, a pedido da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura, movimento formado por mais de 120 empresas, associações setoriais, organizações da sociedade civil e centros de pesquisa em busca de soluções produtivas e ecológicas para o país.
O estudo também apontou que esta atividade geraria de 138 mil a 215 mil empregos e a arrecadação de R$ 3,9 a R$ 6,5 bilhões em impostos. Apesar do país ter ido na contramão desta direção – voltamos a registrar recordes de desmatamentos nos últimos anos – ainda é possível recuperarmos o tempo perdido e consolidarmos uma moderna indústria de recuperação florestal no país.
“A floresta recuperada será fonte de atividades econômicas, por meio das cadeias produtivas dos seus produtos, movimentando dezenas de bilhões de dólares nas próximas décadas”, previu o levantamento acessível neste link: https://www.escolhas.org/wp-content/uploads/2016/09/Quanto-o-Brasil-precisa-investir-para-recuperar-12-milhoes-de-hectares-de-floresta_SUMARIO-EXECUTIVO.pdf
De 2000 a 2019, um total de 27 milhões de hectares de florestas foram restauradas em todo o mundo. Isto alcança 18% da meta de 150 milhões de hectares abraçada pelos 61 países participantes do Desafio de Bonn, em 2011. Um avanço que pode acelerar, quanto mais governos e produtores olharem para os benefícios alcançados por quem saiu à frente.
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