por Samyra Crespo, especial para Agência Envolverde –
Trabalhei quase uma década numa ONG do Rio de Janeiro, o ISER, dirigindo o Programa Meio Ambiente e Desenvolvimento, em dialogo constante com diferentes governos e cores partidárias.
Sempre, todo governo, seja de direita ou de esquerda, não gosta de crítica e reage mal, e a prática política mais minúscula – quase cotidiana – é desqualificar a crítica e o seu autor.
Ah, isto são dados chapa branca (sociedade e ONGs referindo-se a dados e estatísticas comunicados por governos). Ah, isso é coisa de ONGs e esquerdistas dizem os governos de direita. E a esquerda vai chamar de direitistas, oposicionistas, etc.
O que nos salva desse mútuo ataque a que somos submetidos é a transparência, a credibilidade não de instituições neutras (talvez não existam) mas confiáveis porque TODOS podem rastrear os dados e fazer suas próprias contas. Instituicoes com lastro científico. Elas existem e trabalham com protocolos internacionalmente aceitos. E melhor: tomar suas próprias decisões com base em procedimentos autônomos, sem interferência dos interesses políticos de curto prazo. Por isso a censura ou a manipulação de dados é tão odiosa. E deve ser temida por democratas.
A batida fala “A Amazônia é nossa” foi cantada e repetida por todos os governantes antes e agora por Bolsonaro. É de fácil apelo. É emotiva. Funciona em quase todas as direções.
Esses líderes (sic) sabem que a “consciência planetária” é incipiente quase no mundo todo. Coisa de verdes, de ambientalistas, de cientistas do IPCC (parece até facção criminosa). Eles não tem faro para o futuro. São animais do presente e seu amanhã é a próxima eleição.
Governos, com raras exceções, são medianos e conservadores. Se a sociedade não grita sempre optam pelo menor esforço.
Por isso movimento nas ruas é tão importante.
Por isso a imprensa livre e independente, fundamental. O governo quer sempre que você acredite que está fazendo muito, quando na realidade faz pouco ou se entrega à inércia.
Mas este governo, que plantou uma das piores safras de queimadas que já se viu, não agiu fazendo pouco ou entregando-se à inércia.
Foi copioso em ações intencionais e anunciadas: recusou sediar a COP do Clima, ameaçou sair do Acordo de Paris, nomeou um ministro que não tem credibilidade nem afinidade com a Pasta do Meio Ambiente, contingenciou os recursos para prevenção e combate aos incêndios e desmobilizou o IBAMA.
Desautorizou os dados e indispôs-se com a ciência.
E mais “tocou fogo no mato” ao dizer inúmeras vezes que a Amazônia precisava ser desenvolvida e que as reservas indígenas ou federais seriam revistas.
Ele foi ativo. Ele acendeu o rastilho de pólvora e agora colhe os resultados funestos da fogueira – que repercute no mundo todo. Com resultados ainda não de todo previsíveis.
O que diferencia este governo dos demais é a completa FALTA DE DIÁLOGO entre os diversos agentes públicos e privados.
Quando trabalhei no MMA (de 2008 a meados de 2013) assisti inúmeras reuniões entre o INPE, técnicos do Ministério, IPAM e IMAZON (ambas ONGs seríssimas) para apresentar e debater os dados do desmatamento e das queimadas. Estes dados eram acompanhados pela propria Casa Civil. Uma performance inadequada era motivo de demissão sumária. De técnicos a ministros.
Izabella Teixeira (secretaria executiva em 2008 e depois ministra até 2014) costumava dizer que cada ministério tinha seu próprio pesadelo. O do MEC ocorria quando tinha que anunciar as taxas de analfabetismo e evasão escolar. O do MAPA (Agricultura) quando tinha que mostrar os dados das safras de grãos e alimentos. O do MMA eram as taxas de desmatamento. Nestas reuniões participavam o Ministério de Ciência e Tecnologia e também os preparadíssimos quadros do Itamaraty (agora afastados).
Nenhum governo é incensado por suas políticas ambientais. Esta área carrega tradicionalmente uma pauta negativa (os chamados passivos ambientais, acumulados historicamente) e pouco dinheiro.
Mas o Brasil, por sua importância estratégica – tanto no clima quanto na biodiversidade, saía-se bem pelo ESFORÇO DE CONSTRUÇÃO, pela seriedade, reconhecidos mundialmente.
Agora tudo isto está em risco.
Sem credibilidade, Salles e seu chefe, o Capitão Motosserra (autodenominação) estão deixando queimar, junto com a Amazônia, seu próprio governo imprudente.
E nós estamos indo às ruas e batendo panelas.
Não é só fumaça e fogo. É explosão.
Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”.
(#Envolverde)
Este texto faz parte da série que publico semanalmente para o site ENVOLVERDE/CARTA CAPITAL sobre o ambientalismo brasileiro.