Por Valdemiro A. M. Gomes*
Nada acontece por acaso. Obama, um negro, é o presidente, em um país que ainda no ano de 1800 possuía 20% de sua população como escravos. O senador democrático, Sanders, autodeclarado socialista, vence em Hampshire, apontando poder vir a ser o próximo presidente dos Estados Unidos da América, o país mais poderoso de nossa aldeia, berço do capitalismo, contudo, a mais desigual nação entre as ditas ricas, afirmação renovada no livro O Capital XXI, do francês Thomas Piretty.
Como você se sente quando é informado que 62 bilionários possuem um patrimônio maior que metade da população mundial (mais de 3,5 bilhões de humanos)? E quando o capital herdado na França, em 2010, alcançou dois terço do capital privado e se nada for mudado chegará a 90% entre 2050-2060 (voltaremos à Belle É poque?)? Como votará o homem típico americano, ao saber que hoje ganha menos do que há 45 anos, descontada a inflação?
A crise financeira de 2008 obriga a um repensar do capitalismo, há muito manobrado pelo sistema financeiro mundial.
As grandes mudanças da humanidade são ditas que só se processam pela dor, pela perda, pela guerra. Eu, discípulo de Gandhi, acredito que existe outro caminho, sem armas nem dinheiro.
A ferramenta para mudar está na internet, nas redes sociais, que são rios que, apesar de muitas vezes parecerem lagos de Narcisos, possuem movimento. Um dia ela nos permitirá votar diretamente. Hoje ainda precisamos delegar ao vereador, ao deputado, ao senador, para por exemplo votar: uma Orla Livre na cidade; um imposto novo (por exemplo, a CPMF); o aborto; a proibição de venda de armas. Enquanto tal não acorre, cabe ao cidadão provocar as mudanças.
São inúmeras as organizações internacionais, inclusive o Banco Mundial, que destacam as desigualdades, as injustiças, que, sabemos, não são naturais, mas produzidas nos subterrâneos do atual sistema financeiro mundial. Como mudar?
Através da transparência do sistema financeiro mundial. Os Estados Unidos já começou a cruzada. O Fatca (The Foreign Account Tax Compliance Act.) , datada de 2010, obriga que todo o banco que queira ter uma licença nos EUA transmita ao fisco americano suas informações sobre os americanos, independente do local onde a conta bancária esteja. Grande banco suíço mugiu, evocou a Constituição, mas amoleceu, acatou. O Brasil bem que podia juntar-se à cruzada da transparência financeira. Para mudar é preciso ousar. Sr. juiz Moro ouse, chame aos autos da operação lava-jato os bancos que intermediaram os desvios da Petrobrás (olhe longe, pense grande. Para ser lembrado, eternizado, é preciso ousar . As pedrinhas, seus auxiliares, saberão catar). Sra. Presidente Dilma, que diz nada temer, ouse também. Instrua os advogados que defenderão a Petrobrás, na corte americana, para que os bancos envolvidos sejam ouvidos. É hora de o Brasil ajudar a construir uma transparência financeira mundial.
Sem informação partilhada, sem transparência, a democracia matará o animal, o capitalismo. A democracia precisa domar o capitalismo. O ajuste das desigualdades, há muito negligenciada, é vital para a sobrevivência do capitalismo. A desigualdade é o espinho na pata do animal.
Como retirar o espinho?
Via imposto. Alguns leitores entenderão, neste ponto, findar a leitura. Sejam tolerantes e não rotulem o imposto como algo mau. “O imposto não é em si nem bom nem mau: tudo depende da maneira como é cobrado e do que se fará com ele”, escreve Piretty. São muitos que dizem que o imposto devia nascer com o cidadão, com o filósofo, com o politico, e só depois ser tratado pelo economista.
Que tipo de imposto pode corrigir, ajustar, as atuais e futuras desigualdades? Entre os vários estudos eu dou preferência para o do imposto progressivo sobre o capital, especialmente quando os países ricos se ajustarem para cobrá-lo. Numa primeira fase tal imposto não seria solução para corrigir e melhorar o Estado social e sim para regular o capitalismo, domar o animal, aliviar a dor das desigualdades.
Como operacionalizar? Certamente via bancos (que continuarão sendo as selas do animal, do capitalismo). A atual declaração anual, pré-preenchida pelos bancos com os informes financeiros seria ampliada para uma declaração patrimonial. Um cadastro, não só identificando rendimentos como o patrimônio, mesmo os que se escondem em trustes, fundações e outros covis.
Transparência democrática e financeira sobre os patrimônios é uma necessidade urgente para dar segurança, credibilidade, ao sistema financeiro e mais ajudar a quebrar a utopia do ideal: liberdade, igualdade e fraternidade. (#Envolverde)
* Valdemiro A. M. Gomes é engenheiro civil, escreveu 3 livros de crônicas ( sementes) publicados em jornais do Pará e outros. Seguidor do pensar do Mahatma (andi.[email protected])