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Um novo e grande passo para a normalização entre Cuba e Estados Unidos

Foto: Shutterstock
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Joaquín Roy*

Miami, Estados Unidos, julho/2015 – O reinício de relações oficiais entre Cuba e Estados Unidos, depois do anúncio feito por Washington, no dia 1º de junho, de abertura de uma embaixada em Havana, é o penúltimo capítulo de um inexorável processo de normalização dos vínculos entre os dois países, interrompidos há mais de meio século.

A ruptura e imposição do embargo por Washington ao regime cubano ocorreu devido ao confisco das propriedades em uma Cuba dominada pelo capital norte-americano desde o fim da colônia espanhola, como resultado da guerra entre Estados Unidos e Espanha, em 1898.

A imperfeita implantação da república cubana, hipotecada pela Emenda Platt, que permitia a ingerência de Washington no processo político, foi um mau presságio para a atuação da oposição ao regime de Fulgêncio Batista (1940-1944 e 1952-1959) e o consequente apoio inicial à revolução castrista.

Mas a transformação do novo regime em uma imitação dos estabelecidos na Europa do Leste depois da Segunda Guerra Mundial provocou o enfrentamento entre os setores moderados que se opuseram a Batista e os endurecidos revolucionários.

O confisco indiscriminado das propriedades e a destruição total do sistema capitalista plasmaram o cenário do enfrentamento sem concessões. O divórcio se solidificou em nome da estratégia da Guerra Fria e da ameaça soviética.

Para Washington, era uma humilhação que merecia uma lição drástica.

Desde então, nenhum presidente norte-americano queria passar à história como o primeiro a ter claudicado diante do governante cubano Fidel Castro (1959-2008).

A tentativa do presidente Jimmy Carter (1977-1981), ao desenhar a proposta em marcha das “seções de interesses”, sob o guarda-chuva diplomático de outros países, foi vista com um subterfúgio para funcionar de maneira semelhante às relações plenas, mas com as consequentes limitações.

Porém, as boas intenções dos Estados Unidos não foram correspondidas por Cuba. O incidente da invasão da embaixada do Peru em Havana, em outubro de 1980, e o consequente êxodo desde Mariel não só causaram tensões entre os dois países, como mais tarde contribuíram para a derrota do próprio Carter em sua tentativa de reeleição.

Depois, tudo seguiu dominado pela inércia. Cuba continuava declarando que não se sentaria para negociar se o embargo não fosse eliminado.

Entretanto, anos depois, já longe das administrações de Ronald Reagan (1981-1989), de uma certa esperança com a Presidência de Bill Clinton (1993-2001), que sofreu a “crise dos balseiros”, e de mais tensões com seu sucessor George W. Bush (2001-2009), a mudança em Washington e Havana fez sua aparição.

Entre as chaves dessa mútua decisão, anunciada no dia 17 de dezembro pelos presidentes Barack Obama e Raúl Castro, se destaca a conveniência de Washington para se desembaraçar de um obstáculo para manter relações pragmáticas com o resto da região latino-americana.

Cuba era um estorvo, uma desculpa para os líderes latino-americanos com agendas populistas. Outros atores externos se intrometiam no “quintal dos fundos” de Washington. Impunha-se uma estratégia de cooperação na qual as diferenças ideológicas não fossem um muro intransponível.

O mundo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 se convertera em muito mais complicado do que o bipolar compartilhado com Moscou durante a Guerra Fria.

Os responsáveis pela segurança nacional em Washington haviam sistematicamente assinalado que outros cenários diferentes do de Cuba eram muito mais importantes.

Além disso, a única ameaça séria para os Estados Unidos desde o Sul estava representada pelo crime organizado, pelo tráfico de drogas e pela imigração descontrolada. A última coisa que Washington podia tolerar era um segundo Mariel.

Entre a incerteza da abertura democrática e a estabilidade, Obama optava pela segurança.

A pressão da imigração cubana nos Estados Unidos, muito diferente nas duas últimas décadas daquela que impôs o embargo, contribuiu notavelmente para a mudança mútua de atitude nos dois lados do estreito da Flórida.

O sentimento de reconciliação entre lados opostos que se consideravam inimigos começou a se impor e suavizou a dura atitude de notáveis setores do exílio.

A opinião pública norte-americana, expressa na imprensa de referência, também contribuiu para reforçar a tese do governo. A pressão de interesses econômicos que viam que as oportunidades de investimentos poderiam se esfumaçar diante da competição europeia e de outras regiões do globo, se tornou irresistível.

Em Cuba, o ambiente também havia mudado. Era questão de contar com a colaboração de Raúl Castro, no poder desde 2008. Diferente de seu irmão, o pragmatismo de Raúl lhe permitia pactuar e selar um acordo sem exigir a eliminação do embargo. A precária situação econômica lhe recomendava um acerto com Washington.

A mediação do papa Francisco fez o resto. No fim de tudo, a própria atitude do povo cubano sempre havia distinguido entre a inimizade em relação aos Estados Unidos, como ente político, e seu povo. A abertura das embaixadas é o princípio, mas a normalidade total não será fácil.

Tudo dependerá do uso que uns e outros farão dos detalhes do embargo. Em primeiro lugar, o tema das compensações pelas expropriações continuará pairando sobre a evolução das negociações. Apesar de o governo cubano continuar insistindo em reclamar os danos causados pelo próprio embargo, alguns antigos proprietários continuarão reclamando o mesmo tratamento recebido pelos expropriados nos países do leste europeu.

Outro tema que continuará representando um obstáculo será a possível eliminação da “lei de ajuste cubano”, pela qual qualquer cubano que pise território norte-americano terá garantido asilo, residência e eventual caminho para a cidadania.

A total normalização, além da eliminação de todos os termos do embargo, codificados na Ley Helms-Burton de 1996, somente poderia ser sublimada pela abertura de um consulado de Cuba em Miami, algo que, no momento, por condicionamentos de segurança, as autoridades (de origem cubana) desta cidade consideram prematuro. Envolverde/IPS

* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami. [email protected].