Por Maria Helena Masquetti*
O garoto deve ter uns dezesseis anos, tênis de marca, mochila cheia de cadernos e livros, com adesivos de um colégio famoso. A cabeça pendente sobre o celular numa digitação invejável pelo jeito comentando posts na internet. Uma cena normal, não fosse o fato dele estar ocupando um assento preferencial do metrô, tendo em pé à sua frente um idoso e uma mulher com sacolas e um cansaço visível o suficiente para merecer se sentar. Um casal liberou lugar ao descer, mas isso não põe fim à questão.
“Quem educou este rapaz?” é a pergunta que, em geral, nos ocorre em situações assim. Num primeiro julgamento, a culpa é dos pais ou da escola, e não quer dizer que, de certo modo, não seja. Porém, ter pais amorosos e uma vaga em escola diferenciada, há muito deixou de ser indicativo de boa formação. Sem falar naqueles que nem isso têm. Sendo assim, a pergunta poderia ser outra: “O que aconteceu com a infância deste rapaz?”.
Em lugar de brincar, as crianças estão cada vez mais expostas ao marketing que fala direta e continuamente com elas, persuadindo-as a desdenhar valores e focar sua atenção apenas na satisfação imediata de seus próprios desejos os quais, aliás, pouco têm de genuínos. A menos que entendamos por genuinidade milhões de crianças pedindo por um mesmo tipo de brinquedo, da mesma marca e até da mesma cor.
Não basta aos pais, pelo menos àqueles que podem, afastar os filhos das telas porque o bombardeio comercial é insano, ocupando qualquer espaço onde respire uma criança. Até mesmo as escolas, último reduto onde as crianças podem ser valorizadas pelo que são e por suas capacidades individuais, têm sido alvo das investidas do marketing cujas ações ditas educativas destinam-se, isto sim, a fidelizar as crianças a marcas de produtos e alimentos.
Entre os tantos apelos ao consumo, estão aqueles que provavelmente têm “educado” jovens como o garoto do metrô. “Ganha quem colocar o outro pra fora da pista!”, diz o comercial de carrinhos incitando a bater, quebrar e literalmente atropelar as leis de trânsito. “Amo muito tudo isso!”, martela o slogan atrelado ao consumo de alimentos carregados de sódio, gordura e açúcar. “A gente faz o que quer”, assina uma campanha infantil de TV, enaltecendo maus hábitos. Diante disso, o presente efetivamente legal que o marketing poderia oferecer às crianças seria respeitar as leis de proteção aos direitos delas, colocando-as a salvo de abusos e assegurando que elas possam brincar e crescer livres da sedução consumista.
Ao contrário de uma mera transição para o mundo adulto, leia-se do consumo, a infância é a melhor versão de cada ser humano, um tempo onde as crianças percebem que incluir o outro é essencial para jogo da vida acontecer, e onde a capacidade de viver a fantasia como real faz funcionar dentro delas uma fábrica sem fim de brinquedos. É lá que elas constroem sua identidade e reconhecem seus verdadeiros desejos. É de lá que elas saem suadas e abarrotadas de presentes eternos, ávidas por aprender, não apenas para ganhar dinheiro e comprar, mas para se humanizar e tornar o mundo mais justo, a começar pela reverência terna e educada de se levantar e ceder seu lugar no metrô para quem mais necessita, seja qual for a cor da cadeira onde estiverem sentadas.
* Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Instituto Alana.
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