Por Leno F. Silva –
“Lá fora pensávamos que a ditadura era inamovível, mas na realidade crescia dentro do país uma valente oposição, que finalmente conseguiria recuperar a democracia perdida. Para alcançar esse objetivo foi necessário que as oposições pusessem fim às inúmeras rixas partidárias e se unissem na chamada Concertación, mas isso aconteceu sete anos mais tarde. Em 1981 poucos imaginavam essa possibilidade.” Trecho extraído do livro O meu país inventado, de Isabel Allende.
No Brasil recuperamos o direito de votar para presidente da República em 15 de dezembro de 1989. Antes, o movimento Diretas Já mobilizou as forças políticas e toda e a sociedade em prol da reconquista da democracia. A eleição indireta de Tancredo Neves, em 1985, colocou fim ao período de ditadura militar, um regime que custou, em vários sentidos, muito caro ao País.
Conquistamos o direito de escolher os nossos representantes, contudo a estrutura política pouco se alterou. Depois de Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula e Dilma, o Brasil se transformou em vários aspectos, melhorou sua posição como nação em desenvolvimento, mas ainda permanece como uma das sociedades mais desiguais do mundo.
Inexiste um projeto de País que contemple o bem-estar de todos. Estamos assistindo, neste momento, um toma lá da cá, por meio do qual o que está em jogo são interesses individuais e de determinados grupos, muitos envolvidos nos esquemas de corrupção que sangram, há séculos, os recursos gerados pelos cidadãos.
A crise econômica é muito séria e global. Encontrar soluções e mecanismos que causem menos impactos à nossa gente, e fazer as escolhas que nos coloquem em novos patamares de justiça socioambiental é de responsabilidade de governantes e de quem pensa o Brasil para além do seu próprio umbigo ou quintal.
O País do futebol, essa paixão nacional, patina do campo político. Contudo, vale considerar que os representantes da atual legislatura são reflexos do que somos. Uma nação que não assume o racismo, os preconceitos, e a sua incapacidade de nutrir uma visão solidária de existência, que valorize cada um de nós independente do poder de compra e de consumo.
Venho batendo nessa tecla há algum tempo: antes de consumidor cada indivíduo é um cidadão, um ser humano, e um profissional com capacidades para contribuir para a evolução, em todos os sentidos, desse Brasil tropical, bonito e que tem condições de se transformar num exemplo para o mundo, desde que consigamos perceber o que somos e decidamos enfrentar as nossas dificuldades e aproveitar as nossas oportunidades a partir de olhares distintos e de uma concertação política, econômica e social que leve em conta o bem comum. Talvez isso seja utópico, mas é provável ser o caminho mais apropriado. Por aqui, fico. Até a próxima. (#Envolverde)
* Leno F. Silva escreve semanalmente para Envolverde. É sócio-diretor da LENOorb – Negócios para um mundo em transformação e conselheiro do Museu Afro Brasil. É diretor do IBD – Instituto Brasileiro da Diversidade, membro-fundador da Abraps – Associação Brasileira dos Profissionais de Sustentabilidade, e da Kultafro – rede de empreendedores, artistas e produtores de cultura negra. Foi diretor executivo de sustentabilidade da ANEFAC – Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade. Editou 60 Impressões da Terça, 2003, Editora Porto Calendário e 93 Impressões da Terça, 2005, Editora Peirópolis, livros de crônicas.