No centenário de nascimento de Paulo Vanzolini (1924 – 2013), compositor brasileiro responsável por clássicos como Ronda e Volta Por Cima, o Sesc São Paulo apresenta uma imersão na vida do artista, revelando não apenas sua faceta musical, mas também a trajetória do zoólogo de renome internacional.
“A data simbólica do centenário de Paulo Emilio Vanzolini, nosso pai, nos motivou a pensar uma exposição que mostrasse um pouco da pluralidade desse brasileiro que ouviu, traduziu, pesquisou, escreveu, cantou e pensou um Brasil bom, diverso e inclusivo. Que sempre valorizou o conhecimento e a arte, fazendo de ambas seu maior legado. O universo desse personagem interessado e interessante, ‘cientista boêmio’, como bem o definiu Antonio Candido, é o que queremos mostrar nessa exposição”, antecipa Toni Vanzolini.
Sem perder de vista o lado boêmio e artístico do homenageado, a exposição revisita as expedições científicas e as contribuições para a ciência empreendidas como herpetólogo, especializado no estudo de répteis e anfíbios. O Sesc Ipiranga como espaço para a exposição possui um simbolismo especial: a proximidade com o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP), onde Paulo Vanzolini trabalhou por cinco décadas – três destas, como diretor.
“Algumas figuras são incontornáveis na história de uma cidade, de um país. Algumas chegam a ser incontornáveis até no planeta. É o caso do nosso homenageado nessa exposição, Paulo Vanzolini, que completaria 100 anos este ano e que passou a maior parte da sua vida aqui do lado do Sesc Ipiranga, dirigindo o Museu de Zoologia da USP, sua casa. Ou uma de suas casas, já que se sentia perfeitamente integrado à paisagem numa picada na floresta, no seu laboratório ou no boteco, entre músicos ou entre os maiores intelectuais da sua época”, destaca Daniela Thomas. “Homem ímpar, de uma inteligência sobrenatural, uma inventividade que produziu versos inesquecíveis como ‘reconhece a queda e não desanima, levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima’ e teorias revolucionárias na zoologia, e de uma determinação quase autoritária, características que fizeram dele essa potência realizadora que celebramos agora”.
Em parceria com o Museu de Zoologia da USP, a exposição exibe ao público 51 exemplares conservados de espécies animais identificadas e catalogadas por Vanzolini. Esses espécimes, emprestados pelo Museu ao Sesc, estão em destaque em uma sala que recria um laboratório de zoologia.
Cinco salas temáticas revelam a trajetória multifacetada de Vanzolini, abrangendo mais de meio século de pesquisa. A exposição destaca suas célebres expedições amazônicas e as conexões entre arte e ciência que ele promoveu. Documentos, fotografias e vídeos oferecem um vislumbre dos bastidores das descobertas marcantes do “cientista boêmio”, apelido carinhosamente atribuído por Antonio Cândido, sociólogo e crítico literário, no encarte do disco Acerto de Contas de Paulo Vanzolini (2002). Esta compilação apresenta 52 composições do cientista, interpretadas por renomados artistas como Chico Buarque, Paulinho da Viola e Martinho da Vila.
No percurso expositivo, ilustrações de Alice Tassara guiam os visitantes pela trajetória de Vanzolini, em uma cronologia biográfica que destaca aspectos de sua formação acadêmica e seu círculo de amizades com intelectuais, artistas e ícones da música popular brasileira.
O que encontrar na exposição 100 anos de Paulo Vanzolini, o cientista boêmio
Confira a seguir detalhes sobre os espaços que compõem a exposição espalhados pelo Sesc Ipiranga.
Sala Laboratório
O espaço é uma reprodução de um laboratório que retrata o cotidiano do zoólogo, destacando as etapas dos processos de sistematização. Na mesa de trabalho estão dispostos instrumentos como microscópios, além de um painel que elucida aspectos da Teoria dos Refúgios. A sala também reúne as espécies emprestadas pelo Museu de Zoologia da USP, apresentadas em um painel com cubos giratórios que identificam e contextualizam cada uma delas. Ilustrações de Gabriela Dássio complementam o ambiente, enriquecendo a experiência visual dos visitantes.
Sala Expedição Amazônia
Uma instalação sonora e visual imersiva projetada para simular uma caminhada pela floresta amazônica, enriquecida pelas ilustrações de Danilo Zamboni, que capturam a riqueza da biodiversidade do bioma. A experiência busca dimensionar a grandiosidade da fauna e flora amazônicas. Nas paredes do ambiente, o visitante encontra uma variedade de informações detalhadas sobre a biodiversidade da região, dados preocupantes sobre desmatamento e uma reflexão sobre a importância crucial da Amazônia para o equilíbrio do planeta.
Sala A Bordo do Garbe
O espaço convida o público a mergulhar no universo de múltiplos interesses e aventuras de Vanzolini, entrelaçando ciência, arte e cultura.
Aqui, o público pode embarcar em uma das viagens de Vanzolini à floresta amazônica a bordo do barco Garbe – parte da Expedição Permanente à Amazônia (EPA), projeto comandado pelo cientista durante duas décadas. Em 1975, esta expedição cruzou o Rio Madeira, de Manaus a Porto Velho. Entre os tripulantes do Garbe estava o pernambucano José Cláudio da Silva, apresentado a Vanzolini por seu amigo Arnaldo Pedroso d’Horta, artista plástico e jornalista que também o acompanhou em expedições à Amazônia. No decorrer de dois meses de viagem, José Claudio retratou em cem telas a diversidade da fauna e flora amazônicas, bem como a vastidão dos rios e o dia a dia das comunidades ribeirinhas.
Reproduções desses trabalhos, que foram compilados no livro José Claudio da Silva: 100 telas, 60 dias & um diário de viagem – Amazonas, 1975 (Imprensa Oficial, 2009) e hoje integram os acervos do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual de São Paulo, são exibidas na sala. O ambiente também apresenta um extenso painel com o mapa do Rio Madeira, mostrando onde cada uma dessas obras foi criada e oferecendo ao público uma experiência imersiva, que permite “reviver” a expedição.
Sala Boêmia
Afeito à vida noturna, Vanzolini se desenvolveu enquanto compositor em mesas de bares e rodas de samba, criando um método peculiar de escrita musical. Apesar de não dominar nenhum instrumento, ele concebeu a estrutura da maioria de suas mais de 70 canções, contando com o apoio dos amigos Adauto Santos e Luiz Carlos Paraná, violonistas e sócios no histórico bar Jogral, para dar forma às suas melodias e letras com harmonia e ritmo. Além dessas colaborações, Vanzolini deixou sua marca na música ao trabalhar com grandes nomes como Waldir Azevedo, Elton Medeiros, Toquinho, Paulinho Nogueira e Eduardo Gudin.
Essa característica boêmia é reverenciada em uma sala que reproduz a atmosfera da vida noturna. Elementos expositivos incluem rótulos personalizados com nomes de suas composições mais célebres, que podem ser ouvidas pelos visitantes. A cenografia da sala, que conta com balcão, prateleiras e mesas de bar, também destaca os nomes de seus grandes colaboradores em azulejos. Ampliações fotográficas da cidade de São Paulo, capturadas por Thomaz Farkas, entre outros, completam o ambiente, proporcionando uma imersão visual e sonora na história musical de Vanzolini.
Expedições terrestres
O pesquisador encontrou nas expedições científicas do século XIX inspiração para suas próprias viagens de campo pelo Brasil, onde explorou a fauna e flora dos diversos biomas nacionais. Para ele, esses ambientes naturais eram seu verdadeiro local de trabalho. As viagens eram realizadas a bordo de uma Kombi, percorrendo territórios diversos. Como não dirigia, sua filha Mariana frequentemente assumia a direção, ou então Francisca do Val, conhecida como Chica, que além de zoóloga, era ilustradora e documentava os trajetos cotidianos. Para revelar os bastidores dessas expedições, uma Kombi cenográfica será montada no acesso ao Sesc Ipiranga próximo ao Parque Independência e ao Museu do Ipiranga. Esta instalação reúne fotografias e diários, proporcionando aos visitantes uma imersão nas jornadas e descobertas de Vanzolini.
Sala Paulo por Paulo
Devido à sua intensa imersão na cultura e às suas inúmeras experiências, resultado das viagens por todo o Brasil, Vanzolini acumulava uma coleção de histórias e era um exímio contador de causos. Nesta sala, que reúne depoimentos em vídeo, frases emblemáticas e excertos de entrevistas documentadas ao longo de décadas, o público pode se aproximar de Vanzolini, explorando seu legado pessoal e intelectual de forma envolvente.
Do Butantan para o mundo: sobre Paulo Vanzolini
Paulo Emílio Vanzolini nasceu em São Paulo em 25 de abril de 1924. Aos 10 anos de idade, em um passeio ao Instituto Butantan, encantado pelas cobras e lagartos, decidiu que dedicaria sua vida ao estudo dos répteis e anfíbios, na especialidade de herpetologia. Após formar-se em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP) em 1947, fez doutorado em Zoologia na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, entre 1949 e 1951.
De volta ao Brasil, aplicou suas inovadoras visões no Museu de Zoologia da USP, organizando conjuntos de animais conservados para pesquisa a partir de técnicas aprendidas em Harvard, tornando a coleção do museu paulistano uma das mais importantes dentro e fora do Brasil e aumentando o catálogo de Herpetologia da instituição de 1.200 para mais de 220 mil exemplares. Reflexo de sua imprescindível contribuição, 15 espécies animais foram nomeadas em sua homenagem, como o lagarto Vanzosaura savanicola e a serpente Lygophis vanzolini.
Ao papel de gestor, somou-se o de professor de pós-graduação da USP e o de cofundador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Vanzolini ainda obteve reconhecimento internacional ao formular a Teoria dos Refúgios, uma hipótese para explicar a biodiversidade amazônica elaborada em meio a suas diversas expedições científicas e a partir de estudos realizados com o geomorfologista brasileiro Aziz Ab’Saber, e em conjunto com o herpetólogo americano Ernest Williams.
Ao longo de mais de 20 anos, durante as décadas de 1960 e 1970, o cientista comandou a Expedição Permanente à Amazônia – EPA, realizada a bordo do barco Garbe e financiada pela FAPESP. Nestas empreitadas, Vanzolini estabeleceu colaborações que resultaram em contribuições significativas não apenas para a ciência, mas também para as artes visuais. Um exemplo é sua parceria com o pintor José Claudio da Silva, com quem compartilhou uma destas expedições, em 1975.
A proximidade com artistas plásticos estimulou colaborações instigantes. Como exemplo, o zoólogo escreveu textos para os livros de Gerda Brentani e convidou Aldemir Martins para ilustrar seu Tempos de Cabo, um relato breve de sua passagem pelo Exército na segunda metade da década de 1940, época em que, aos 21 anos, compôs seu clássico Ronda.
Lançado pelo selo Fermata em 1967, o álbum de estreia de Vanzolini, Onze Sambas e Uma Capoeira, teve a capa assinada por Luís d’Horta. Pai de Luís, Arnaldo Pedroso d’Horta não só foi estopim para a criação da música Capoeira do Arnaldo, como se inspirou no trabalho de Vanzolini para produzir a série de gravuras Esqueletos de Animais. Essas conexões destacam como Vanzolini viveu uma vida profundamente entrelaçada com as artes e a cultura. Seus interesses e curiosidade se estendiam além de seu campo imediato, abrangendo diversas formas de expressão.
Paulo Vanzolini faleceu em 2013, três dias após completar 89 anos.
Exposição
100 anos de Paulo Vanzolini, o cientista boêmio
Abertura em 28 de agosto, às 19h
Visitação: de 29 de agosto de 2024 a 16 de março de 2025
Terça a sexta, das 9h às 21h30. Sábados, das 10h às 20h. Domingos e feriados, das 10h às 18h30.
Recursos de acessibilidade:videolibras, audiodescrição, leitura ampliada e em braile, reproduções, mapa e pisos táteis e legendagem.
Agendamento de grupos:[email protected]
Entrada gratuita e livre a todos os públicos.