Por Ana Carolina Amaral, especial de Paris para a Envolverde –
O jogo de xadrez político, do qual depende um acordo climático, mostra-se cada vez mais alienado da vida fora do tabuleiro. Se dentro dele o futuro parece depender de quatro ou cinco jogadas combinadas entre países pobres e ricos; de fora das armadilhas que moldam as vistas é possível enxergar que o apelo climático pede respostas diferentes das que temos dado enquanto nos debatemos em torno de como conseguir mais tecnologia e dinheiro. Como disse Albert Einsten, não podemos resolver um problema com a mesma mentalidade que o criou. Vamos aos mitos que nos afastam da solução:
1 – Ambiente x Desenvolvimento
Quando os países justificam os longos prazos para suas metas de redução das emissões com base na necessidade de desenvolvimento, reforçam o esteriótipo de que um compromisso ambiental atrapalharia o desenvolvimento. Eles acenam com crise onde as indústrias da energia renovável veem uma enorme oportunidade de crescimento econômico e geração dos chamados empregos verdes.
2 – Acordo custa dinheiro?
Custa mesmo e ninguém sabe ao certo quanto vai custar, especialmente por conta dos desastres climáticos que devem se intensificar nas próximas décadas. Mas um acordo climático também traz dinheiro. A economia se move em torno das necessidades e, quando se muda a direção do desenvolvimento, cria-se um novo cenário de necessidades, ecológicas, que demanda serviços e abre oportunidades. Brasil, já visto como um modelo a ser exportado em termos de conservação e também de geração de energia, só tem a ganhar. Mas ainda não enxergou o quanto.
3 – “É possível defender os interesses do meu país isoladamente”?
Este é o modelo de pensamento por trás do trabalho, fundamental, dos diplomatas.O problema é que não cabe nessa função a assimilação de riscos que não escolhem fronteiras. Como um país desenvolvido pode não se importar com os mais vulneráveis aos desastres climáticos se os refugiados ambientais (como já acontece no caso sírio) fogem e vão fugir cada vez mais para os países ricos, especialmente os europeus?
Os ministros do meio ambiente costumam estar mais apropriados dessa dimensão complexa da questão ambiental e por isso são bem-vindos na última semana de negociação do Acordo de Paris. Mas que tal se a Organização Mundial do Comércio se apropriasse da regulamentação da precificação do carbono? E que tal se as agências de segurança se apropriassem do tema, havendo no desinvestimento em fontes fósseis a melhor estratégia para combater o terrorismo do Estado Islâmico, hoje financiado por nações produtoras de petróleo com 500 milhões de dólares por ano segundo o Financial Times?
4 – A ilusão de que podemos administrar o clima
Ainda carregamos uma perspectiva linear de que podemos controlar a situação, escolhendo o tamanho do prejuízo a partir do quanto estamos disposto a investir sem esticar muito o braço. Só que deixar subir 2oC na temperatura do planeta não é o mesmo que fazê-lo no seu ar condiciondo: no mundo lá fora há consequências em cadeia. Os estudos do IPCC mostram que o mundo será, como já está sendo, profundamente transformado em um cenário 2oC mais quente, afetando ecossistemas mais sensíveis e causando a completa inundação de países-ilha, que brigam por um compromisso com o limite de 1,5oC. E o pior: por mais eficiente que sejam os modelos matemáticos, o comportamento climático pode ter variáveis imprevisíveis. Ou seja, mal conhecemos as forças com que estamos nos lidando com tanta arrogância.
5 – “É possível resolver as mudanças climáticas sem mudar nossos padrões”?
As mudanças climáticas são difíceis de se resolver politicamente porque denunciam todo o nosso modelo de desenvolvimento e estão implicadas em todas as outras ameaças aos limites do planeta, como o uso da terra, da água, os fluxos de recursos naturais, a acidificação dos oceanos, a emissão de gás ozônio e a integridade da biosfera. Para simplificar, todo o problema foi reduzido a “emissões de carbono”, o que dá margem para soluções isoladas – como estocar carbono no subsolo! – que, claramente, não resolvem o problema centrado no nosso modelo de desenvolvimento.
Não podemos nos iludir com a possibilidade de um fazer um ajuste isolado, “consertando” o problema ao deixar de emitir carbono e então tocar o mundo com a produção de outros venenos que ameaçam a vida. As mudanças climáticas surgem como um alerta vermelho à civilização e pede justiça, sustentabilidade e resiliência. Os compromissos em cortar emissões só terão significado se o acordo climático se livrar dos mitos e sinalizar rumos de um desenvolvimento autêntico. (#Envolverde)
* Ana Carolina Amaral é jornalista formada pela Unesp, mestra em Ciências Holísticas pelo Schumacher College (UK) e moderadora da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental.