Por Dal Marcondes, da Envolverde –
Ao longo dos séculos em que nossa civilização foi construída as mulheres raramente ocuparam posição de destaque e prestígio. Ao contrário, foram usadas como instrumento de dominação em conflitos comandado por homens, escravizadas em tarefas subalternas, impedidas de estudar, trocadas em casamentos arranjados para benefício patriarcal e a lista de iniquidades pode seguir por páginas e páginas.
Ainda hoje mulheres lutam para obter a dignidade da equivalência salarial e de direitos nas estruturas corporativas e da gestão pública. São escaramuças cotidianas nos mais diversos tipos de ambientes. Um exemplo: a Câmara Distrital de Brasília concedeu o direito a 3 dias de licença para mulheres que tem problemas com o ciclo menstrual. O governador Ibaneis Rocha vetou.
Há não muito tempo (julho/2021) uma demanda pela distribuição de absorventes higiênicos às mulheres sem recursos foi vetada e apenas quase dois anos, ou quase 30 menstruações depois as mulheres tiveram esse direito garantido. Ainda hoje mulheres lutam por direitos que a racionalidade considera de absoluta obviedade.
A situação no mundo
Se no Brasil a situação das mulheres não é exatamente um paraíso, especialmente entre a população pobre e preta, ao redor do mundo há casos que desafiam a capacidade de empatia entre os seres humanos. E, alguns, são em países que não podem ser considerados pobres. Nas monarquias Árabes mulheres não podem ter atividades consideradas imorais ou reservadas aos homens.
Na Argentina outro exemplo estranho: mulheres não podem trabalhar na fabricação de licores e outras bebidas alcoólicas, segundo levantamento do site Politizei. O pior, no entanto, são os países onde as mulheres não têm o direito de estudar, trabalhar ou dispor de seu próprio corpo.
Há países onde o estupro é perdoado se o estuprador casar-se com a vítima. Ou seja, as iniquidades contra as mulheres ainda estão muito longe de serem coisas do passado em nenhum lugar do mundo. O imaginário masculino passa por cima de considerações éticas, de saúde ou mesmo de empatia humana ao legislar sobre algo que não é do seu âmbito, a vida e o corpo feminino.
O caso do aborto
A França deu neste dia da Mulher um exemplo civilizatório, gravou em sua Constituição o direito ao aborto. Um tema de muitas opiniões e que raramente é tratado por suas informações objetivas.
Isso acontece depois que a Suprema Corte dos Estados Unidos revogou um direito adquirido pelas mulheres na década de 1970. A decisão judicial “Roe contra Wade”, de 1973 garantiu a legalidade do aborto em todo o país. Recentemente a formação conservadora da corte decidiu derrubar esse direito, dando aos estados o direito de decidir.
No Brasil, dados do IBGE e obtidos no Portal da Câmara dos Deputados, apesar de proibido por lei, cerca de 800 mil mulheres praticam abortos todos os anos. Dessas, 200 mil recorrem ao SUS para tratar as sequelas de procedimentos malfeitos. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a situação pode ser ainda mais alarmante: o número de abortos pode ultrapassar um milhão de mulheres. O aborto é o quinto maior causador de mortes maternas no Brasil.
Segundo um estudo publicado em 2013, uma a cada cinco mulheres com mais de 40 anos já fizeram, pelo menos, um aborto na vida. Hoje existem 37 milhões de mulheres nessa faixa etária, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dessa forma, estima-se que 7,4 milhões de brasileiras já fizeram pelo menos um aborto.
Reparação histórica
Fala-se muito em “reparação histórica” das populações negras e indígenas que sofreram genocídios e foram escravizadas por séculos. Qual reparação a sociedade está disposta a oferecer às mulheres, que desde sempre ocupam um lugar subalterno e fragilizado na sociedade global em geral e na brasileira em especial.
As mulheres não são “coitadinhas” e têm representações que as defendem. No entanto, a sociedade como um todo não incorpora a percepção das desigualdades de gênero, nem entre homens e mulheres e muito menos entre todos os gêneros designados pela sigla LGBTQIA+.
Empresas começam a perceber o valor de ter Mulheres em seus quadros e em todos os escalões, mas os percentuais ainda são pequenos. A política já tem mulheres em postos elevados, mas os números ainda são irrisórios em termos de comparação aos homens, em especial aos homens héteros e brancos.
O 8 de março
A origem da data comemorativa de 8 de março como Dia das Mulheres têm muitas histórias e o único consenso é que foi incluído no calendário brasileiro em 1975, após o reconhecimento da data pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Há muito a ser comemorado. Mas ainda há muito a ser conquistado.
* Dal Marcondes é jornalista especializado em jornalismo econômico, diretor e editor responsável da Envolverde, presidente do Instituto Envolverde, especialista em economia ambiental e mestre em modelagem de negócios digitais pela ESPM/SP. Também é presidente da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental, pai de duas mulheres e padrasto de outras duas.