ODS 1

A erradicação da pobreza tem sede

O Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza e a reflexão sobre como a segurança hídrica é fundamental para romper o ciclo de injustiça social e promover um futuro sustentável para as populações mais vulneráveis.

Foto: Reprodução/Rádio Universitária
Foto: Reprodução/Rádio Universitária

Por Giovanna Rosseto*, pelo IDS

No dia 17 de novembro, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, refletimos sobre a interrelação entre pobreza e segurança hídrica. A própria ONU define segurança hídrica como a garantia de água suficiente em qualidade e quantidade para atender às necessidades humanas, atividades econômicas e ecossistemas, com riscos aceitáveis de escassez e inundações. No Brasil, um país de grande disparidades regionais, os desafios de gestão de recursos hídricos são intensos e afetam diretamente as populações mais vulneráveis, aprofundando as desigualdades sociais.

A escassez de água no Brasil não é apenas um problema ambiental, mas também uma questão de (in)justiça social. A crise hídrica que afetou o país entre 2012 e 2017 mostrou que regiões mais pobres, como o Semiárido Nordestino, são atingidas de forma desproporcional. Segundo o relatório do Tabuleiro do Saneamento (IAS, 2024), atualmente cerca de 35 milhões de brasileiros ainda não têm acesso à água tratada, o que agrava a precariedade de suas condições de vida e aumenta a propagação de doenças. Segundo dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento – SNIS, apenas 64,2% dos municípios da região Norte têm acesso adequado à água potável.

A insegurança hídrica no Brasil impacta desproporcionalmente grupos já marginalizados, como mulheres, negros, indígenas e populações rurais. Mulheres, especialmente nas áreas rurais, periféricas e nas favelas de grandes centros urbanos são as mais afetadas pela falta de acesso à água potável e saneamento. Elas desempenham o papel central na coleta de água para suas famílias, uma tarefa que muitas vezes envolve longas caminhadas e o uso de fontes de água contaminadas[1]. Para mais, as Nações Unidas (2010) pontuam que a falta de participação das mulheres nas decisões políticas sobre de água e saneamento contribui para a continuidade das desigualdades.

Populações negras e indígenas também enfrentam um acesso significativamente limitado aos serviços de água e saneamento, uma manifestação clara do racismo ambiental. A fragmentação da governança do setor hídrico e a falta de regulamentação específica para áreas rurais agravam esse cenário[2]. Essas populações estão mais expostas a crises hídricas e seus efeitos, como doenças de veiculação hídrica e o aumento da insegurança alimentar[3], perpetuando ciclos de exclusão social e econômica.

A segurança hídrica, portanto, é um elemento central para a erradicação da pobreza. O ciclo de contaminação, degradação ambiental e defeituosa gestão dos recursos hídricos mantém e aprofunda a exclusão social e econômica das comunidades mais vulneráveis. O Plano Nacional de Segurança Hídrica (PNSH) indica que em 2017, 60,9 milhões de pessoas já viviam em áreas com pouca segurança hídrica, número que poderá aumentar para 73,7 milhões até 2035, e grande parte dessas pessoas já vive em situações de pobreza extrema.

Neste contexto, o IDS desenvolveu o documento-guia Bússola 2024 para cidades resilientes, que contribui com ações e propostas de políticas públicas para que líderes e gestores públicos possam avançar também em sustentabilidade hídrica e justiça social. O Eixo A – Água e Alimentos da Bússola destaca que garantir o acesso universal à água de qualidade é fundamental para reduzir as desigualdades sociais e promover o desenvolvimento sustentável. Um exemplo de solução mapeada no documento é o Programa Proágua, da Prefeitura de Anápolis, Goiás, cujo foco é assegurar que todos tenham acesso à água potável e ao saneamento básico. O programa busca reduzir vulnerabilidades socioambientais por meio da implantação de tecnologias inovadoras e soluções baseadas na natureza, como a recuperação de nascentes e a criação de cacimbas e jardins de chuva. 

Segundo dados da ANA[4], 40,1% da água potável disponibilizada é perdida na distribuição no Brasil. O uso ineficiente da água e a falta de infraestrutura adequada também se refletem nas áreas urbanas, onde os resíduos sólidos e o esgotamento precário contribuem para a poluição dos mananciais. O Atlas Esgotos, revela que muitas bacias hidrográficas estão comprometidas pelo lançamento de efluentes não tratados, o que afeta diretamente a qualidade da água utilizada para consumo humano. A contaminação dos rios resulta em condições sanitárias inadequadas para milhões de brasileiros, principalmente nas regiões metropolitanas, onde a urbanização desenfreada e o descarte inadequado de resíduos sólidos afetam gravemente os recursos hídricos. Por isto,  medidas que garantam a conservação de corpos hídricos e suas margens são fundamentais para a garantia do acesso à água de qualidade.

O investimento em infraestrutura hídrica, a recuperação de mananciais e a implementação efetiva de políticas públicas integradas são fundamentais para garantir a distribuição de água de qualidade a todos os brasileiros, sobretudo para as populações mais carentes. A água é um direito humano básico, e a sua gestão deve ser orientada para assegurar o desenvolvimento sustentável e equitativo de todas as regiões do país.

Neste Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, o IDS reforça a importância de priorizar a segurança hídrica como um pilar essencial na formulação e implementação de políticas públicas de enfrentamento  às desigualdades sociais. Existe uma janela de oportunidade para superar os desafios, mas é necessário que haja ações concretas para reverter a insegurança hídrica que vivemos no presente, que perpetua um ciclo de precariedade. O desafio está posto: transformar essa realidade e garantir água em quantidade e qualidade para todos, de forma sustentável e inclusiva.

Referências

AIHARA, Yoko; SHIMIZU, Yasuhiro. Gender differences in the psychosocial impacts of inadequate water access in a rural agricultural community in Ghana: implications for water management. Journal of Water and Health, v. 13, n. 4, p. 1040-1048, 2015.

AIHARA, Yoko; SHIMIZU, Yasuhiro. Psychosocial impacts of the lack of access to water and sanitation in low- and middle-income countries: a scoping review. Journal of Water and Health, v. 14, n. 1, p. 1-17, 2016.

CARUSO, Bethany A. et al. Gender disparities in water, sanitation, and hygiene practices in rural households of Karnataka, India. Water Policy, v. 19, n. 4, p. 834-850, 2017. Disponível em: https://iwaponline.com/wp/article/19/4/834/20571/Gender-disparities-in-water-sanitation-and.

BAKKER, Karen. Water and Sanitation as a Wicked Governance Problem in Brazil: An Institutional Approach. Frontiers in Environmental Science, v. 9, 2021. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fenvs.2021.682410/full.

UNITED NATIONS. Resolution A/RES/64/292: The human right to water and sanitation. United Nations General Assembly, 2010. Disponível em: https://undocs.org/A/RES/64/292.


[1](Aihara et al., 2015; Caruso et al., 2017)
[2] Bakker (2021)
[3] Aihara e Shimizu (2016)
[4]Disponível em: https://www.ana.gov.br/saneamento/

*Giovanna Rossetoarquiteta e urbanista e mestre em planejamento e gestão do território, é assistente de pesquisa e formação do IDS.

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