Ambiente

A guerra dos números na restauração florestal

Mata Atlântica. Foto: Foto: Wellington Pedro/Imprensa MG (29/05/2014)
Mata Atlântica.  Foto: Wellington Pedro/Imprensa MG (29/05/2014)

Recentemente, especialistas têm discordado sobre o custo por hectare para a restauração florestal no Brasil em declarações e análises publicadas na imprensa. Entretanto, a divulgação de dados divergentes e errôneos gera problemas para o setor e impacta diretamente a aplicação de políticas públicas, muitas delas já falhas.

Por Mario Mantovani e Rafael Bitante Fernandes*

A meta apresentada pela presidente Dilma Rousseff no Acordo de Paris foi a de restaurar 12 milhões de hectares até 2030. Considerando apenas Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal, para as quais o novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) exige a recomposição florestal em todo território brasileiro, o passivo estimado é de 21 milhões de hectares.

O movimento “Pacto pela Restauração da Mata Atlântica”, que conta com a participação de ONGs, empresas, institutos de pesquisa e poder público, mapeou 15 milhões de hectares a serem restaurados apenas no Bioma Mata Atlântica. Para chegar a este número, o levantamento considerou as áreas de baixa aptidão agrícola, além daquelas já obrigatórias por lei a serem restauradas. Agora, uma fotografia precisa do passivo só será possível com a conclusão do Cadastro Ambiental Rural e a validação de todas as informações ali inseridas.

Partindo dessa perspectiva, alguns números sobre o custo de restauração foram estimados ou simulados em cenários extremamente otimistas. Como exemplo, podemos citar o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, o PLANAVEG, ainda em sua versão preliminar, elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e que apresenta a meta de restauração de 12,5 milhões de hectares em 20 anos.

Entretanto, antes de estimarmos os custos, é preciso mergulharmos mais a fundo na restauração florestal para compreendermos melhor como esse processo acontece.

A restauração florestal, comumente chamada de reflorestamento, não consiste unicamente no plantio de mudas de espécies nativas da região, mas reproduzir, de fato, um ambiente nativo funcional. Quando abordamos a Mata Atlântica, por exemplo, estamos falando da recomposição de um ambiente com o mínimo de ocorrência da biodiversidade regional e que exerça os serviços ecossistêmicos, tais como: sequestro de carbono, melhoria na qualidade e quantidade de água e recomposição de paisagens naturais, exatamente como a floresta exercia em seu estado original.

Para explicar todos os processos envolvidos é possível fazermos a seguinte analogia: áreas degradadas seriam os doentes a serem tratados. Para cada doente é necessário identificar qual a doença (fatores que levaram a área a se degradar, tempo de degradação e intensidade), para só então elaborar um diagnóstico e propor o melhor tratamento.

As metodologias são as mais diversas. Um exemplo é a simples remoção do fator de degradação, como o isolamento de áreas com cercas para evitar a entrada de gado (neste caso, a área expressaria seu potencial de regeneração natural). Outras técnicas possíveis são: enriquecimento, que consiste basicamente na introdução de uma diversidade florística maior; adensamento, no qual a diversidade florística é boa e a cobertura da área pela flora nativa insuficiente; chegando até aos doentes que estão na CTI e que demandam um tratamento mais enérgico. Para esse último caso, muitas vezes é preciso plantar mudas e monitorar seu desenvolvimento até que elas criem um ambiente propício para atingir uma dinâmica natural de floresta – árvores maduras, condições para estabelecimento de um sub-bosque, árvores juvenis, adolescentes, entre outras formas vegetais. São justamente nessas diferentes metodologias que os custos se diferenciam de forma exponencial.

Fica evidente a complexidade do processo em qualquer metodologia que venha a ser adotada, o que por sua vez demanda uma cadeia de profissionais para o diagnóstico e aplicação da técnica mais adequada. Podemos somar a isso toda a complexidade econômica do Brasil, já que incertezas e instabilidades limitam as projeções de cenários reais. Mas, então, quais os riscos destas projeções, mesmo elas sendo otimistas?

A questão é que diante desta perspectiva apontada e toda complexidade do tema, políticas públicas podem ser desenhadas de forma equivocada, a exemplo de editais públicos com valores insuficientes para trabalhos de qualidade satisfatória, manutenção do mercado incipiente e planejamentos que não saem do papel.

O fato é que as metodologias para restauração florestal não permitem que prorrogações ou pausas sejam feitos. Vamos imaginar o plantio de uma área. Após sua realização, a área precisará de intervenções para que a vegetação plantada se estabeleça e se desenvolva.

Outro aspecto muito negativo é que os custos, em geral, são apresentados como se não houvesse benefício nenhum associado.

É necessário ficar cada vez mais claro que a restauração florestal é um investimento, com potencial de geração de milhares de empregos, impostos e benefícios difusos por meio dos serviços ecossistêmicos que este tipo de projeto resgata, com destaque, nesse ponto, para compromissos globais de mitigação às mudanças climáticas – pois a restauração florestal é uma ferramenta eficaz para neutralização do carbono na atmosfera. Também não poderíamos nos esquecer da crise hídrica que ainda vivenciamos, já que as florestas exercerem papel crucial no ciclo hidrológico.

Outro forte fator a favor da restauração é a condução de tal processo para levar a agricultura brasileira verdadeiramente para o século XXI, agregando valor a commodities e alimentos aqui produzidos. A tal dicotomia aparente entre conservação e produção de fato não existe – o que há é uma grande sinergia entre elas.
Projeções, estudos e dados devem colaborar para um planejamento sólido e factível. Devemos não só buscar responder o quanto o reflorestamento irá custar, mas também trazer à tona todos os benefícios que estão agregados à cadeia da restauração florestal no país.

* Mario Mantovani e Rafael Bitante Fernandes são, respectivamente, diretor de Políticas Públicas e gerente de Restauração Florestal da Fundação SOS Mata Atlântica. (SOS Mata Atlântica/ #Envolverde)

** Publicado originalmente no Globo Rural e retirado do site SOS Mata Atlântica.