Impasses permanecem, mas comitê formado pelo chanceler da França começa a avançar em entendimentos políticos, como a ideia de progressão de compromissos de países emergentes
Por Claudio Angelo, Bruno Toledo e Cíntya Feitosa, do OC, em Paris
O acordo do clima de Paris deverá ter seu texto final na noite de quinta-feira, para ser adotado pela plenária na manhã de sexta. Pelo menos é esse o plano delineado pelo chanceler da França, Laurent Fabius, presidente da COP21.
No domingo, os quatro grupos de trabalho liderados por duplas de ministros que debatem os temas mais polêmicos do novo regime climático – financiamento, ambição, diferenciação e ampliação das ações até 2020 – tiveram sua primeira reunião.
O Comitê de Paris, como é chamado o grupo, tem entre seus integrantes a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Izabella Teixeira. Os ministros se reuniram com Fabius no começo da noite de segunda para relatar o progresso feito.
A partir dos resultados da consulta política feita pelo Comitê de Paris, Fabius apresentará uma proposta de texto na quarta-feira.
Esta é uma prerrogativa do presidente de qualquer COP. Trata-se de um momento político delicado, que precisa estar muito bem combinado com outros países, já que qualquer um dos 195 que se sinta atropelado pode bloquear todo o processo.
Os elogios que vêm sendo feitos por delegados de vários países a Fabius, porém, desautorizam essa hipótese, ao menos por enquanto.
O texto de quarta será submetido aos países, com a ideia de que seja finalizado na quinta-feira.
“Precisamos respeitar o compromisso que fizemos conosco mesmos”, afirmou o chanceler a jornalistas na tarde desta segunda-feira (7/12) sobre o prazo auto-imposto pela França para a conclusão do acordo.
Nos corredores, negociadores estão otimistas. Alguns entendimentos políticos têm avançado, como a questão da diferenciação – justamente o grupo co-facilitado por Izabella, com apoio do ex-chanceler Luiz Figueiredo.
A diferenciação é um dos chamados itens transversais do acordo. Se houver entendimento sobre esse tópico, vários outros pontos do texto ficam automaticamente resolvidos, em artigos como os que tratam de mitigação, adaptação, financiamento e transparência.
No ano passado, o Brasil propôs uma fórmula para tratar a pendenga: em vez de divididos de forma binária entre Anexo 1 (os ricos) e não-Anexo 1 (o resto do mundo), os países seriam agrupados em círculos concêntricos de acordo com seu grau de desenvolvimento e o rigor de suas metas. Os países que hoje pertencem ao Anexo 1 ocupariam o círculo mais central, e os menos desenvolvidos, o mais externo. Com o tempo, todos os países deveriam migrar na direção do centro.
Segundo o OC apurou, a ideia de diferenciação concêntrica deve entrar no texto, mas diluída: será aproveitado o conceito de progressão entre os países.
Há também sinais de flexibilização entre alguns países quanto ao infame “potodoso” – aglutinação da expressão em inglês “países em posição de fazê-lo”. Esta é a senha que os desenvolvidos criaram para tentar aumentar a base de doadores de dinheiro para os países pobres no regime pós-2020, quando várias centenas de bilhões de dólares precisarão ser mobilizadas por ano para corte de emissões e adaptação. O Vietnã deu um sinal simbólico nesse sentido, ao anunciar hoje que colocaria dinheiro no Fundo Verde do Clima – exato US$ 1 milhão.
“One Point Five”
Outro tema que ganhou pelo menos um apoiador de peso é a menção à meta de 1,5oC como limite alternativo de aquecimento global, por assim dizer.
O tema foi puxado por uma aliança de países vulneráveis no começo da COP, com apoio maciço de ONGs. Um slogan criado pelos ambientalistas em Paris é “One point five to stay alive!” (“um ponto cinco para ficar vivos”). Mas enfrenta resistências de China e Índia (que veem tal limitação de temperatura como incompatível com seu desenvolvimento econômico, ainda muito emissor) e antipatia do Brasil.
Nesta segunda-feira, os Estados Unidos manifestaram simpatia com a ideia de considerar o limite de 1,5oC nos objetivos de longo prazo.
“Estamos trabalhando no desenvolvimento de alguma referência que considere a meta de 1,5oC”, comentou Todd Stern, negociador-chefe dos EUA. No entanto, a sinalização feita por Stern está longe de significar que os Estados Unidos aceitam a meta. O comentário de Stern pode significar um aceno dos EUA para outras preocupações desses estados-ilhas que podem ser convenientes para a estratégia de negociação do país, como financiamento para ação climática.
O dinheiro continua sendo um dos principais pontos de atrito da COP21. Nesta segunda, a União Europeia sinalizou que poderá aumentar sua contribuição para o financiamento climático após 2030 – algo esperado, mas que os países em desenvolvimento precisavam ouvir.
Tanto os europeus quanto os americanos, porém, insistem na ampliação da base de doadores. E, no toma-lá-dá-cá que caracteriza a negociação, podem estar angariando apoios para isso no mundo em desenvolvimento. “Vejo alguns países em desenvolvimento, estados-ilha, muito entusiasmados com essa ideia”, disse Stern. “Não estamos reduzindo os compromissos dos países ricos, mas expandindo o financiamento, chamando os países com capacidade de contribuir para fazê-lo – e sem compromissos obrigatórios para fazê-lo dentro do novo acordo”.
Amor sem vínculos
Europeus e americanos, porém, vão cada um para um lado quanto à natureza jurídica dos compromissos a serem assumidos a partir do novo acordo climático.
Numa entrevista coletiva hoje, o comissário europeu do Meio Ambiente, o espanhol Miguel Arias Cañete, reforçou a posição do bloco em torno de um acordo internacional legalmente vinculante – ou seja, com compromissos e disposições com força de lei para seus signatários.
“Estamos explorando possibilidades de linguagem no texto, mas a União Europeia continua engajada na proposta de acordo com compromissos vinculantes. Queremos um acordo inclusivo, ambicioso e universal”, defendeu Cañete.
No entanto, os Estados Unidos continuam firmes na sua oposição a compromissos obrigatórios no que diz respeito às metas de redução de emissão de cada país dentro do novo acordo. “Consideramos que o acordo poderá envolver alguns elementos obrigatórios, como inventários, períodos de revisão e responsabilização, mas não a meta em si”, apontou Todd Stern.
Para ele, uma opção flexível favoreceria a participação de mais países no novo regime climático internacional, permitindo que a realidade local defina o tipo de compromisso e o grau de comprometimento de cada governo.
As peças se movem, mas o xadrez continua até sexta-feira. Ou depois disso. “Se você quer fazer Deus rir, faça um plano”, brincou a secretária-executiva da Convenção do Clima da ONU, Christiana Figueres. (Observatório do Clima/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site Observatório do Clima.