Por Marcio Santilli*
Em artigo publicado neste domingo (12/2) no jornal Folha de S.Paulo, o sócio fundador do ISA, Marcio Santilli, critica o Projeto de Lei (PL) que subtrai mais de um milhão de hectares da extensão de cinco Unidades de Conservação e projeta um cenário de esquartejamento definitivo da floresta em fragmentos descontínuos.
As rodovias federais (BRs) promovem a integração terrestre entre a Amazônia e o centro-sul do Brasil e se estendem a países vizinhos como Bolivia, Perú, Venezuela e Guiana Francesa. Também são fundamentais para o trânsito de pessoas e o escoamento de produtos regionais. Todavia, 80% dos casos de desmatamento na Amazônia ocorrem na faixa de 30 km ao longo das estradas pavimentadas.
Quando o governo federal anunciou, em 2003, a pavimentação da BR-163 (Cuiabá-Santarém), desencadeou-se um movimento chamado BR-163 Sustentável que propôs a implantação, concomitantemente à pavimentação da estrada, de um programa regional de desenvolvimento sustentável, para evitar a repetição dos gigantescos processos de grilagem de terras e desflorestamento dos tempos de ditadura no trecho paraense da Rodovia Transamazônica (BR-230) e entre o noroeste de Mato Grosso e Rondônia (BR-364).
Daí resultou, entre outras coisas, a criação de um mosaico de áreas de conservação federais e estaduais, que interliga blocos de Terras Indígenas nas bacias dos rios Xingu e Tapajós, visando assegurar a contiguidade da floresta. Porém, em vez de implementar e proteger essas áreas, os últimos governos vêm reduzindo sua extensão na região, liberando áreas que ficam à mercê de invasões, desmatamento e grilagem.
No governo passado, já se havia criado o precedente de alterar limites de áreas protegidas por meio de Medidas Provisórias (MPs), para reduzir áreas de Unidades de Conservação que seriam inundadas com a pretendida implantação de um sistema de hidrelétricas na Bacia do Tapajós. No governo atual, outras duas MPs tornaram a alterar limites de Unidades de Conservação nessa região.
Como se fosse pouco, deputados e senadores do Estado do Amazonas estiveram esta semana com o ministro Eliseu Padilha, da Casa Civil, para acertar com o governo o envio de um Projeto de Lei (PL) que subtrai mais de um milhão de hectares da extensão de cinco Unidades de Conservação criadas no final do governo passado. Eles querem extinguir a Área de Proteção Ambiental de Campos de Manicoré, diminuir o Parque Nacional de Acari, a Reserva Biológica de Manicoré, as Florestas Nacionais de Urupadi e Aripuanã, no sul do Amazonas e ao longo das BRs 230 e 319.
Essas Unidades de Conservação completam uma barreira de áreas protegidas que vem sendo construída há vários governos para conter a expansão das frentes predatórias de desmatamento que avançam para o sul do Amazonas a partir do norte do Mato Grosso e de Rondônia. Protegem ainda uma parte do eixo da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus e que os políticos do Amazonas querem ver pavimentada.
O que está em jogo é muito mais do que o desmatamento e a grilagem. Estão se abrindo fendas transversais, contínuas e expansivas ao longo da Amazônia, de sul para norte e de leste para oeste, projetando um cenário de esquartejamento definitivo da floresta em fragmentos descontínuos, com graves implicações para os fluxos genéticos e de umidade. Ilhas de floresta não conservam animais, plantas e paisagens como um ambiente contínuo.
Outra consequência drástica é o provável impacto nos padrões de distribuição de umidade. Correntes atmosféricas amazônicas carregam vapor d´água, como rios voadores, provendo boa parte das chuvas que suprem as principais regiões agrícolas e metropolitanas do Brasil e dos países do Cone Sul.
A presente geração testemunhará o esquartejamento definitivo da maior floresta tropical do mundo se não houver resposta forte e rápida da sociedade aos que, no governo e no Congresso, só se movem em função de interesses próprios e imediatos. (ISA/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo e retirado do site ISA.