Por Redação Envolverde –
O desafio do reflorestamento de Mariana à foz do Rio Doce ainda vai longe, mas já é possível ver brotar o verde nas áreas atingidas pelo rejeito
Desastre do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), e seu impacto sobre vidas, ecossistema e economia também gerou uma mobilização da sociedade, governo e entidades para criar soluções inovadoras que podem ser modelo para a governança de crises ambientais no país
Há quatro anos, em um dia 5 de novembro, 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos armazenados na Barragem do Fundão escorreram da estrutura e foram arrastando tudo pelo caminho, deixando um rastro de desolação e tristeza. O desastre foi se espraiando, deixando sua marca nas terras dos distritos de Mariana, Bento Rodrigues, o mais atingido, e Paracatu de Baixo, além de Gesteira, este, distrito de Barra Longa. O rejeito foi, em parte, contido na represa da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, também conhecida como Candonga, e seguiu pelas águas do Rio Doce até desaguar no Oceano Atlântico, completando um percurso de 670 quilômetros.
Até então, o Brasil não tinha experiência em lidar com um desastre dessa magnitude. Foi preciso criar uma organização capaz de enfrentar a crise social, ambiental e econômica gerada pelo desastre. Foi costurado um acordo entre órgãos federais, como o Ibama, a Agência Nacional de Águas (ANA) e o ICMBio e os órgãos fiscalizadores dos governos dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e das prefeituras dos municípios impactados, além de representantes dos Comitês de Bacias e das empresas Samarco, Vale e BHP. Por esse acordo foi criada a Fundação Renova uma organização voltada para mapear os impactos e executar todas as ações necessárias para reparar e compensar as comunidades afetadas, além de promover a recuperação da economia e dos danos aos ecossistemas.
Esse modelo de governança compartilhada foi pensado para oferecer a participação dos envolvidos nos processos decisórios. Certamente essa não é uma tarefa fácil e muito menos sem conflitos, no entanto foi o desafio assumido, principalmente porque nenhuma solução seria adequada se o arranjo de governança não incluir as vozes da sociedade.
E essa relação tem sido vital para programas como do de reflorestamento das margens dos rios e cursos d’água atingidos pelo rejeito. A recuperação das matas ciliares precisa superar os danos provocados pelo rejeito de mineração, mas também a degradação de décadas de descaso com os rios da região, que recebiam todo tipo de despejo de esgotos urbanos e resíduos da agricultura e pecuária.
O compromisso da Fundação Renova é de reflorestar 40 mil hectares de florestas na bacia do Rio Doce ao longo de 10 anos, isso equivale a 400 km² ou quase um terço da área do município de São Paulo. Para a tarefa, um dos maiores programas de restauração florestal em bacia hidrográfica no mundo, foi formado um convênio com especialistas e professores ligados às universidades Federal de Viçosa (UFV) e Federal de Minas Gerais (UFMG). O montante de recursos destinados para essa empreitada é de R$ 1,1 bilhão.
Os estudos realizados nas regiões a serem reflorestadas mostraram que nem sempre remover o rejeito que se espalhou por grande parte dessa área é a melhor escolha. Como explica Juliana Bedoya, líder das ações de manejo de rejeitos da Fundação Renova: “Da Usina Risoleta Neves para frente, o rejeito está em camadas de centímetros. A utilização de equipamento pesado para retirar essa camada fina traria impacto ainda maior. A ideia então foi monitorar o comportamento do rejeito ao longo do rio e acompanhar a evolução do ecossistema”.
A primeira etapa do reflorestamento tem foco nas margens dos rios Gualaxo do Norte e do Carmo, entre as cidades de Mariana e Santa Cruz do Escalvado, em áreas que foram diretamente atingidas pelo rejeito. A opção foi por espécies nativas da Mata Atlântica de rápido crescimento, que formam um bloqueio para a erosão em território de cerca de 800 hectares já muito fragilizados. Essa área representa cerca de cinco vezes o Parque Municipal do Ibirapuera, em São Paulo, ou o equivalente a pouco menos do que 800 campos de futebol.
Um estudo coordenado pela professora Maria Catarina Kasuya, doutora em Microbiologia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa (UFV), mostra que essa revegetação emergencial contribuiu para o aumento da diversidade de microrganismos no solo, o que ajudou na produção de mudas que crescem mais rápido no ecossistema encontrado no rejeito. “A recuperação é possível e podemos, inclusive, acelerá-la”, explica a dra. Kasuya e complementa: “Não sei se vamos conseguir restabelecer as condições iniciais, muitas das áreas que foram afetadas pela lama não estavam em suas melhores condições, devido há mais de 300 anos de superexploração da bacia do Rio Doce”.
Em setembro deste ano começou a primeira fase do trabalho mais robusto que prevê a recuperação florestal no total de 40 mil hectares em APPs (Áreas de Preservação Permanente) e de recarga hídrica na bacia do Rio Doce. O projeto envolve 680 proprietários rurais dos municípios de Governador Valadares, Coimbra, Periquito e Galileia, em Minas Gerais; e Colatina, Marilândia e Pancas, no Espírito Santo.
Também serão recuperadas cinco mil nascentes, que têm papel ambiental fundamental na recuperação de um rio e mesmo de uma bacia hidrográfica. A infiltração da água no solo e a drenagem melhoram a saúde da água no rio, e o plantio, ao oferecer ao solo condições suficientes para reter as águas das chuvas, protege os mananciais e favorece a regeneração florestal. O programa conduzido pela Fundação Renova conta com a participação de produtores rurais para que atuem na recuperação de 500 nascentes até o final de 2019 — além das 1.035 que estão sendo restauradas.
Das 500 nascentes previstas para serem recuperadas nesta etapa, 350 estão em Minas Gerais (100 na bacia do Piranga e 250 na bacia do Suaçuí) e 150 no Espírito Santo. Em Minas, propriedades nas cidades de Sabinópolis, Virginópolis, Guanhães, Governador Valadares (distritos de São Vítor, Penha do Cassiano e Córrego dos Melquíades), Resplendor e Ponte Nova vão receber ações do projeto. Já no Espírito Santo, as localidades selecionadas são Marilândia, Colatina e Linhares.
Os custos humanos, materiais e ambientais do desastre e os investimentos necessários para mitigar seus efeitos deixam claro que o País precisa se desenvolver de maneira mais sustentável, sem expor sua população a riscos desnecessários. No entanto, é importante registrar que a inovação nas ações adotadas para a mitigação dos efeitos desse desastre não está relacionada apenas às técnicas de restauração florestal e ambiental dos ecossistemas e ao trabalho junto a populações atingidas, mas também no formato de gestão e governança.
A criação de uma Fundação independente com liberdade e capacidade para atuar no cenário de crise, seja na relação com o poder público ou com as pessoas e suas propriedades, tem sido um modelo validado pela realidade. Há registros de demandas não atendidas ainda, mas também há boas histórias de resgate de dignidade e recuperação ambiental a serem contadas.
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