Por Observatório do Clima –
Estudo no periódico “Science” tem participação de brasileiros; no país, metade do desmatamento é “desperdício de capital natural”
Um novo estudo publicado nesta quinta-feira na revista científica Science aponta que entre 90% e 99% de todo o desmatamento nos trópicos é causado direta ou indiretamente pela agropecuária. No entanto, no máximo dois terços disso de fato resulta em expansão da produção agrícola nas terras desmatadas.
O estudo é uma colaboração entre muitos dos principais especialistas em desmatamento do mundo, e fornece uma nova síntese das relações entre desmatamento e agropecuária.
Após uma análise dos melhores dados disponíveis, o trabalho mostra que a quantidade de desmatamento tropical causado pela agropecuária é superior a 80%, o número mais citado na última década. Isso ocorre em um momento crucial, após a Declaração de Glasgow sobre Florestas, em 2021, e antes da Conferência de Biodiversidade da ONU (COP15) no final deste ano.
Os resultados podem ajudar a garantir que os esforços urgentes para combater o desmatamento sejam guiados e avaliados por uma base de evidências.
“O que nos surpreendeu foi que uma parcela comparativamente menor do desmatamento – entre 45% e 65% – resulta na expansão da produção agrícola real nas terras desmatadas. Essa descoberta é de profunda importância para criar medidas eficazes para reduzir o desmatamento e promover o desenvolvimento rural sustentável”, diz Florence Pendrill, da Chalmers University of Technology, na Suécia, principal autora do estudo.
O fato de a agropecuária ser o principal motor do desmatamento tropical não é novidade. Entretanto, as estimativas anteriores de quanta floresta foi convertida em terras agrícolas nos trópicos variavam muito – de 4,3 milhões a 9,6 milhões de hectares por ano entre 2011 e 2015. O novo estudo reduz esse intervalo para 6,4 milhões a 8,8 milhões de hectares por ano.
“Uma grande peça do quebra-cabeça é quanto desmatamento é feito ‘para nada’”, observou Patrick Meyfroidt, da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, coautor do trabalho. “Embora a agropecuária seja o motor final, as florestas e outros ecossistemas são frequentemente desmatados para especulação de terras que vieram a ser usadas, projetos que foram abandonados ou mal concebidos, terras que se mostraram impróprias para o cultivo, bem como devido a incêndios que se espalharam para florestas vizinhas a áreas desmatadas.”
“No Brasil temos informação muito mais detalhada sobre esses processos por conta das séries histórica de cobertura e uso da terra do MapBiomas, globalmente essa é a primeira estimativa realizada. Mais de 98% do desmatamento tem como vetor a agropecuária no Brasil. Se descontarmos as áreas de pastagem degradadas, o total destinado à produção cai para 55% ou seja, boa parte do desmatamento é puro desperdício de capital natural”, diz Tasso Azevedo, coordenador técnico do Observatório do Clima e um dos autores brasileiros do estudo.
Compreender a importância desses fatores é fundamental para os formuladores de políticas – seja em mercados consumidores, proposta de regulação contra desmatamento importado em debate na União Europeia, sejam iniciativas do setor privado para commodities específicas, ou ainda para políticas de desenvolvimento rural em países produtores.
O estudo deixa claro que um punhado de commodities é responsável pela maior parte do desmatamento ligado à produção em terras agrícolas. Mais da metade é feita para pastagens, soja e óleo de palma (dendê). Nesse sentido, o estudo também chama a atenção para as falhas de iniciativas setoriais específicas, geralmente limitadas para lidar com os impactos indiretos.
“Iniciativas setoriais para combater o desmatamento podem ter um valor inestimável, e novas medidas para proibir a importação de commodities ligadas ao desmatamento nos mercados consumidores – como as que estão em negociação na UE, Reino Unido e EUA – representam um grande passo para além dos esforços quase todos voluntários até agora para combater o desmatamento”, disse Toby Gardner, do Instituto do Meio Ambiente de Estocolmo e Diretor da iniciativa Trase, de transparência para cadeia de fornecimento de commodities.
“No entanto, como mostra o nosso estudo, fortalecer a governança florestal e do uso da terra nos países produtores deve ser o objetivo final de qualquer resposta política. As cadeias de fornecimento e as medidas de sustentabilidade adotadas pelos consumidores precisam ser concebidas de forma a que também lidem com as maneiras indiretas através das quais a agropecuária está ligada ao desmatamento. Eles precisam levar a melhorias no desenvolvimento rural sustentável, caso contrário as taxas de desmatamento permanecerão teimosamente altas em muitos lugares”, acrescentou Gardner.
Os resultados do estudo apontam para a necessidade de as intervenções nas cadeias de fornecimento irem além do foco em commodities específicas e em mera gestão de risco. Elas precisam ajudar também a impulsionar parcerias entre produtores e mercados consumidores e governos. Isso precisa incluir fortes incentivos para tornar a agropecuária sustentável mais economicamente atraente ao mesmo tempo em que desincentiva a conversão de vegetação nativa e apoia os pequenos produtores mais vulneráveis.
Os autores dizem que isso deve incluir um foco mais forte nos mercados domésticos, muitas vezes os maiores impulsionadores da demanda por commodities, como o caso da carne bovina no Brasil, além de um fortalecimento de parcerias entre empresas, governos e sociedade civil nas jurisdições produtoras.
Por fim, o estudo destaca três lacunas importantes onde mais evidências são necessárias para orientar os esforços de redução do desmatamento. A primeira é que, sem uma base de dados global e temporalmente consistente sobre desmatamento, não podemos ter certeza sobre as tendências gerais de conversão.
A segunda é que, com exceção do dendê e da soja, carecemos de dados sobre a cobertura e expansão de commodities específicas para saber quais são mais importantes. A nossa compreensão global sobre pastagens é das que mais precisam de melhoria. A terceira é que sabemos comparativamente muito pouco sobre florestas tropicais secas e sobre as florestas na África.
“O que é mais preocupante, dada a urgência da crise”, acrescentou Martin Persson, da Chalmers University of Technology, “é que cada uma dessas lacunas de evidência impõe barreiras significativas à nossa
capacidade de reduzir o desmatamento da maneira mais eficaz – sabendo onde os problemas estão concentrados, ou compreender o sucesso dos esforços até agora”.
Apesar dessas lacunas de conhecimento e incertezas remanescentes, o estudo enfatiza que uma mudança radical nos esforços é urgentemente necessária para combater e conter efetivamente o desmatamento, assim como para evitar a conversão de outros ecossistemas e promover o desenvolvimento rural sustentável.
A Declaração de Glasgow sobre Florestas reconheceu a importância de abordar conjuntamente as crises do clima e da perda de biodiversidade, e estabeleceu um novo nível de ambição para combater o desmatamento e promover a agropecuária sustentável. Os autores deste novo estudo enfatizam que é fundamental que os países e seus formuladores de políticas comecem a priorizar esses objetivos.
*Crédito da imagem destacado: Boiada em margem de igarapé desmatada ilegalmente no município de Altamira, Pará (Foto: Tasso Azevedo/OC)
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