Pesquisas da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (INCAB/IPÊ) revelam que a espécie corre sério risco nas estradas do Mato Grosso do Sul
Junho, 2016 – Resultados prévios de pesquisas realizadas pela Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (INCAB), do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, apontam que a sobrevivência da anta brasileira no Cerrado do Mato Grosso do Sul (MS) está sob constante ameaça, devido a ações humanas. Na região, uma série de atividades coloca a vida da espécie em risco, como a remoção de florestas para o desenvolvimento do agronegócio (cana de açúcar, soja entre outras culturas). Entretanto, a ameaça que mais tem chamado a atenção dos pesquisadores nos últimos anos são os atropelamentos nas rodovias que cortam o estado.
Em apenas sete trechos de estradas do Mato Grosso do Sul (BR-267, BR-163, MS-040, MS-145, MS-134 e dois trechos da BR-262), no período de 3 anos de monitoramento (iniciados no ano de 2013), os pesquisadores da INCAB encontraram 117 antas mortas por atropelamento, inclusive filhotes. Isso significa uma média de quase 4 indivíduos por mês, em uma extensão de cerca de 1.450 quilômetros de rodovias.
“O histórico anterior de atropelamentos de antas em diversas regiões do Brasil já nos indicava que o número de animais mortos por essa razão seria grande. Especialmente por se tratar de uma região com um ambiente muito alterado e paisagem extremamente antropizada e cortada por rodovias muito movimentadas e totalmente sem sinalização para a presença de animais. Entretanto, o dado é assombroso. Vale ressaltar que as 117 antas mortas são apenas a ponta do iceberg, uma vez que certamente houve outras, cujas mortes não foram detectadas por nossa equipe. Adiciona-se à perda das antas a perda de vidas humanas. Registramos 14 óbitos de pessoas envolvidas em colisões com antas em rodovias do MS”, alerta a coordenadora da INCAB/IPÊ, Patrícia Medici.
Ameaça para antas, ameaça para o Cerrado
A anta é um animal de ciclo reprodutivo muito longo, são de 13 a 14 meses para a gestação de um único filhote, que pode sobreviver ou não. A espécie é considerada a “jardineira das florestas” pelo seu alto potencial de dispersar sementes que dão origem a novas árvores e plantas dentro de suas áreas de uso. Perder até 4 indivíduos a cada mês coloca este animal em uma situação de alto risco tanto para sua sobrevivência como espécie quanto para a manutenção de nossas florestas.
“A anta é um dos grandes responsáveis pela formação e manutenção da biodiversidade. Perder um único indivíduo na natureza significa diminuir consideravelmente as nossas chances de conservar nossas florestas, o que é um risco também para o Cerrado, o bioma mais ameaçado de extinção no Brasil”, defende Patrícia.
As carcaças frescas de antas atropeladas são submetidas a necropsia e amostradas como parte dos estudos de saúde desenvolvidos pela equipe de veterinários da INCAB. Diversas amostras biológicas coletadas durante as necropsias são analisadas para a presença de produtos químicos e agrotóxicos. “Basicamente 100% delas são positivas para os mesmos incluindo organofosforados, carbamatos e metais pesados, indicando que os agrotóxicos presentes em lavouras encontram-se no organismo dos indivíduos. Ainda não sabemos o impacto disso para a saúde das antas, mas certamente é um indicador relevante”, diz Patrícia.
Com a grave ameaça nessas rodovias, os pesquisadores correm contra o tempo para que as antas sobrevivam no Cerrado de MS. Além de monitorar os atropelamentos, desde janeiro de 2015, a INCAB realiza também capturas de indivíduos para pesquisa. Ao longo de 2 mil km² nessa área recortada por plantações e pecuária, as antas capturadas recebem colares para monitoramento via satélite (com o objetivo de investigar como os animais utilizam a paisagem) e são avaliadas com relação à saúde (presença de doenças infecciosas, intoxicação por agrotóxicos entre outros parâmetros indicativos de saúde) e genética. .
Até o momento, 10 antas (cinco machos e cinco fêmeas) foram capturadas: oito adultas – que foram equipadas com colar – e duas subadultas que, por estarem ainda em fase de crescimento, não receberam colar e foram somente amostradas para os estudos de saúde e genética.
Os resultados de todas essas linhas de pesquisa integrados (monitoramento de atropelamentos, utilização da telemetria para estudos de uso de espaço e da paisagem antropizada e análises de saúde e genética) serão utilizados para buscar estratégias de mitigação das ameaças afetando a espécie na região. Eles já fazem parte do maior e mais completo banco de dados sobre a anta brasileira no mundo, resultado de 20 anos de trabalho da INCAB, completados em 2016.