Por Rafael Kenji e Thaís Scharfenberg *-
Os eventos climáticos extremos, como tempestades, enchentes e secas, estão cada vez mais frequentes ao redor do mundo, e com proporções sempre maiores. De acordo com o Banco Mundial, mais de 216 milhões de pessoas serão consideradas refugiadas climáticas até 2050.
Ao mesmo tempo em que as chuvas na região Sul do Brasil causaram enchentes e centenas de mortes no Rio Grande do Sul, eventos semelhantes aconteceram na Ilha de Sumatra, na Indonésia, e no Afeganistão, somando mais de 3 milhões de desabrigados em apenas uma semana de chuvas nos três países. A típica imagem do urso polar se equilibrando em um bloco de gelo passa a ser acompanhada pela imagem de um cavalo no telhado de uma casa na cidade de Canoas, durante a enchente histórica que está afetando os gaúchos. Em 2023, em uma seca histórica, rios da região amazônica ficaram sem água e mais de 150 botos morreram em uma semana de estiagem e altas temperaturas das águas, situação agravada por um fenômeno climático já conhecido, o El Niño.
Após uma pesquisa da Quaest, em que 99% das pessoas relataram acreditar que os episódios no Rio Grande do Sul estão relacionados às mudanças climáticas, fica claro que a população entende que todos os eventos climáticos extremos da atualidade não são resultado de acontecimentos recentes, mas sim de décadas de degradação ambiental e hídrica, poluição e queimadas. Por muito tempo, foi ignorada a informação de que o “ponto-limite de aquecimento” do planeta estava se aproximando e de que medidas urgentes precisavam ser tomadas. Após 11 meses consecutivos de aumento de temperatura no planeta, algumas cidades já registraram médias de temperatura 2ºC acima do habitual, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Contudo, ainda existem formas de frear, ou ao menos diminuir, a velocidade com que as mudanças climáticas afetam todo o mundo, com uma coordenação de ações entre os setores público e privado, junto à fiscalização e ao apoio do terceiro setor e de órgãos internacionais. As corporações podem contribuir não apenas adotando medidas institucionais, como também colaborando para a mudança de cultura e de comportamento de consumo da população, além de pressionar a aprovação de leis e projetos de políticas públicas.
Em 2019, um relatório da Comissão Global de Adaptação apresentou uma sólida justificativa econômica para investir em ações climáticas: cada dólar investido em cinco áreas-chave de adaptação poderia gerar benefícios líquidos significativos, variando de 2 a 10 dólares. Além disso, outro estudo revelou que o mercado potencial de adaptação poderia atingir a marca impressionante de 2 trilhões de dólares até 2026.
Dentro de todo um ecossistema, as multinacionais podem promover um comportamento mais sustentável nas cadeias de suprimentos que gerenciam. Os investidores e os bancos são fontes potenciais de investimento em infraestrutura limpa, e as empresas e os empreendedores fornecem as habilidades e o conhecimento que levam à inovação em tecnologias limpas e à eficiência de recursos. Os custos da transição para um futuro de baixo carbono e resiliente ao clima são imensos, porém o custo da inação é ainda maior, e os governos, sozinhos, não têm condições de arcar com tudo. Estima-se que somente os setores de agricultura e uso da terra exijam 26 vezes mais do que os níveis atuais de financiamento. As organizações precisam ser transparentes sobre suas emissões de carbono e seus impactos ambientais, bem como se comprometer com metas claras de redução de emissões e relatar regularmente seu progresso.
Tais metas são organizadas e acompanhadas através dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com 17 objetivos para atingir o desenvolvimento sustentável até o ano de 2030 em diversas áreas, como saúde, educação, meio ambiente e economia. Os ODS e o Acordo de Paris confirmam que o crescimento e o desenvolvimento não podem continuar sem que todos os países enfrentem as mudanças climáticas e promovam a sustentabilidade ambiental. A transição do atual caminho de desenvolvimento para um caminho de baixo carbono e resiliente ao clima exigirá investimentos e inovação significativos, e, mais importante ainda, uma mudança na forma como os governos e o setor privado tomam decisões.
Contudo, mesmo com evidente vantagem, a parceria entre o setor público e o privado apresenta desafios para ser consolidada. O setor público tende a priorizar os benefícios sociais de médio e longo prazo e a sustentabilidade ambiental, enquanto o privado se concentra nos retornos de curto prazo e no valor para os acionistas. Existe ainda a variação na urgência e na aplicação das pautas em períodos de eleição. Essas diferenças podem dificultar a colaboração mútua para a ação climática, o que torna essencial conciliar a sustentabilidade com a obtenção de lucro.
Para facilitar e ampliar o relacionamento e o impacto de todos os setores, foi criado o Pacto Global da ONU, que entende que a ação e a liderança do setor privado em relação ao clima são fundamentais para a transição rumo a um futuro resiliente e com emissões net zero até 2050. As empresas têm um papel fundamental a desempenhar no mercado e na expansão de soluções inovadoras para apresentar planos factíveis visando desbloquear o financiamento climático, ao mesmo tempo em que defendem uma recuperação verde e justa. Elas podem liderar a transição e tomar medidas ambiciosas.
O Pacto Global da ONU – Rede Brasil possui uma plataforma conectada com o ODS 13, pautado na ação climática, que incentiva os integrantes a incluir a Agenda Climática nas suas estratégias de maneira transparente, socialmente justa e inclusiva. A Plataforma de Ação pelo Clima realiza projetos focados na mitigação, adaptação e implementação de medidas, apoiando iniciativas temáticas e setoriais intimamente ligadas ao clima, como projetos relacionados à energia e ao transporte.
De iniciativa global, a Science Based Targets, composta por representantes do CDP, Pacto Global da ONU, WRI e WWF, tem impulsionado ações climáticas corporativas ambiciosas desde 2015, com mais de 2.200 organizações liderando medidas alinhadas com o Acordo de Paris. Mais de mil empresas aprovaram metas baseadas na ciência, em dezembro de 2021. Para promover a aprendizagem dos participantes, a Academia do Pacto Global oferece cursos online que orientam as corporações no processo de definição de um objetivo de base científica em apoio a um futuro net zero.
Dessa forma, com a articulação público-privada, seguindo metas e objetivos definidos globalmente, é possível desacelerar as mudanças climáticas e diminuir o impacto gerado na saúde, na educação e no desenvolvimento econômico. As ações devem ser coordenadas, pautadas na consciência de igualdade social e no entendimento de que populações vulneráveis, como crianças, idosos e pessoas de baixa renda, são mais suscetíveis aos impactos causados pelos eventos climáticos extremos.
*Por Rafael Kenji, médico, e Thaís Scharfenberg, internacionalista, ambos consultores em ODS, ONU e sustentabilidade para empresas.