Clima

COP28 – Lula atua para retomar a liderança climática do Brasil

Por Dal Marcondes, especial para a Synergia* – 

Em discurso na abertura da COP 28, o presidente Lula procura superar a memória de um tempo em que o Brasil se colocou como um pária no mundo e aponta a COP 30, de Belém, como um ponto de inflexão para o combate à emergência climática global.

Nem tudo foram flores no caminho do presidente Lula até o palco principal da COP 28. Como diria o impagável Mané Garrincha, “mas combinou com os russos?”. Parece que os representantes do Brasil em Dubai não seguiram o conselho. Enquanto a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, recebia o reconhecimento como uma das mulheres mais influentes de 2023 pelo jornal britânico Financial Times, o ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, abriu uma bateria de fogo amigo contra a pretensão de liderança climática do Brasil, ao festejar pelos corredores da COP a provável adesão do país à OPEP, grupo dos maiores produtores de petróleo do mundo.

A falta de timing de Silveira lançou sombra sobre iniciativas de colegas, como Luciana Santos, ministra de Ciência e Tecnologia, que anunciou em Dubai o lançamento de um conjunto de editais com investimentos superiores a R$ 20 bilhões, como parte do Programa Mais Inovação Brasil, que vai financiar projetos nas áreas de transição energética, bioeconomia, infraestrutura e mobilidade.

A fala de Silveira foi criticada pelas principais lideranças da sociedade civil brasileira presentes na COP. Para Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, a declaração de adesão ao “clube do petróleo” expôs Lula diante do mundo. “O governo precisa decidir quem realmente está falando a verdade sobre o tema: é o ministro ou o presidente?”, alertou Astrini.

Apesar dos percalços, o discurso de Lula neste segundo dia da COP 28 era muito aguardado. Sua fala começou com a lembrança do papel de Wangari Maathai, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 2004, em disseminar o conhecimento de que a humanidade sabe o que tem de ser feito. E encerrou com a citação da encíclica Todos Irmãos, do papa Francisco, que prega a convivência e a fraternidade entre as pessoas e países.

Entre essas duas citações, Lula esgrimiu dados como os US$ 2,2 trilhões gastos apenas em 2022 com armas e apoio a guerras, que o 1% mais rico do planeta emite o mesmo volume de carbono que 66% da população mundial, e que os mais pobres são os mais impactados pela emergência climática que já assola o planeta.

Em boa parte de sua fala, o presidente brasileiro atacou a naturalização das desigualdades de renda, gênero e raça, e ressaltou que não é possível enfrentar as mudanças climáticas sem o combate às múltiplas disparidades.

Seu olhar crítico também foi direcionado aos países que nos últimos 28 anos estão negociando acordos para mitigar e combater as mudanças climáticas, e não cumprem o que foi acordado. Ele lembra que, mesmo o Protocolo de Kyoto, negociado na terceira COP climática, em 1997, é hoje letra morta para grandes emissores de CO², como os Estados Unidos, que abandonaram o Protocolo em 2001. 

E expressou o desejo de atuar para aumentar as ambições globais de transição energética e para criar uma economia verde até a COP 30, que acontecerá em Belém, em 2025. E alertou: “o planeta está farto de acordos climáticos não cumpridos”.

Leia a íntegra do discurso do presidente Lula

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, discursou na solenidade de abertura da COP 28, realizada a partir desta sexta-feira (1/12), em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. 

Uma mulher africana, a queniana Wangari Maathai, vencedora do Prêmio Nobel da Paz, sintetizou bem o dilema da humanidade em sua relação com a natureza. 

Disse ela: “A geração que destrói o meio ambiente não é a geração que paga o preço”. 

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas alertou que temos somente até o final desta década para evitar que a temperatura global ultrapasse um grau e meio acima dos níveis pré-industriais.

2023 já é o ano mais quente dos últimos 125 mil anos.

A humanidade sofre com secas, enchentes e ondas de calor cada vez mais extremas e frequentes.

No Norte do Brasil, a Amazônia amarga uma das mais trágicas secas de sua história. No Sul, tempestades e ciclones deixam um rastro inédito de destruição e morte. 

A ciência e a realidade nos mostram que desta vez a conta chegou antes. 

O planeta já não espera para cobrar da próxima geração. 

O planeta está farto de acordos climáticos não cumpridos. 

De metas de redução de emissão de carbono negligenciadas. 

Do auxílio financeiro aos países pobres que não chega. 

De discursos eloquentes e vazios.

Precisamos de atitudes concretas.

Quantos líderes mundiais estão de fato comprometidos em salvar o planeta? 

Somente no ano passado, o mundo gastou mais de dois trilhões e 224 milhões de dólares em armas. Quantia que poderia ser investida no combate à fome e no enfrentamento da mudança climática. 

Quantas toneladas de carbono são emitidas pelos mísseis que cruzam o céu e desabam sobre civis inocentes, sobretudo crianças e mulheres famintas? 

A conta da mudança climática não é a mesma para todos. E chegou primeiro para as populações mais pobres.

O 1% mais rico do planeta emite o mesmo volume de carbono que 66% da população mundial. 

Trabalhadores do campo, que têm suas lavouras de subsistência devastadas pela seca, e já não podem alimentar suas famílias.

Moradores das periferias das grandes cidades, que perdem o pouco que têm quando a enchente arrasta tudo: casas, móveis, animais de estimação e seus próprios filhos. 

A injustiça que penaliza as gerações mais jovens é apenas uma das faces das desigualdades que nos afligem.

O mundo naturalizou disparidades inaceitáveis de renda, gênero e raça.  

Não é possível enfrentar a mudança do clima sem combater as desigualdades.

Quem passa fome tem sua existência aprisionada na dor do presente. E torna-se incapaz de pensar no amanhã. 

Reduzir vulnerabilidades socioeconômicas significa construir resiliência frente a eventos extremos. 

Significa também ter condições de redirecionar esforços para a luta contra o aquecimento global.

Em 2009, quando participei da COP 15, em Copenhague, a arquitetura da Convenção do Clima estava à beira do colapso. 

As negociações fracassaram e foi preciso um grande esforço para recuperar a confiança e chegar ao Acordo de Paris, em 2015.

Ao retornar à presidência do Brasil, constato que estamos, hoje, em situação semelhante. 

O não cumprimento dos compromissos assumidos corrói a credibilidade do regime. 

É preciso resgatar a crença no multilateralismo.

É inexplicável que a ONU, apesar de seus esforços, se mostre incapaz de manter a paz, simplesmente porque alguns dos seus membros lucram com a guerra. 

É lamentável que acordos como o Protocolo de Kyoto de 1997) ou o Acordo de Paris de 2015 não sejam implementados. 

Governantes não podem se eximir de suas responsabilidades.

Nenhum país resolverá seus problemas sozinho. Estamos todos obrigados a atuar juntos além de nossas fronteiras. 

O Brasil está disposto a liderar pelo exemplo.

Ajustamos nossas metas climáticas, que são hoje mais ambiciosas do que as de muitos países desenvolvidos.

Reduzimos drasticamente o desmatamento na Amazônia e vamos zerá-lo até 2030.

Formulamos um plano de transformação ecológica, para promover a industrialização verde, a agricultura de baixo carbono e a bioeconomia.  

Forjamos uma visão comum com os países amazônicos e criamos pontes com outros países detentores de florestas tropicais.

O mundo já está convencido do potencial das energias renováveis.  

É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis.

Temos de fazê-lo de forma urgente e justa.   

Vamos trabalhar de forma construtiva, com todos os países, para pavimentar o caminho entre esta COP 28 e a COP 30, que sediaremos no coração da Amazônia.  

Não existem dois planetas Terra. Somos uma única espécie, chamada humanidade. 

Todos almejamos tornar o mundo capaz de acolher com dignidade a totalidade de seus habitantes – e não apenas uma minoria privilegiada.

Como nos convida o papa Francisco na encíclica Todos Irmãos, precisamos conviver na fraternidade. 

Muito obrigado.

Imagem de destaque Ricardo Stuckert/PR

*Synergia Socioambiental e Envolverde na cobertura da COP28.