Por Amazônia Real –
Em seu aguardado discurso na 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP27), realizado no Egito, o presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cobrou os 100 bilhões de dólares anuais que as nações ricas prometeram oferecer, a partir de 2020, aos países em desenvolvimento para o enfrentamento das mudanças climáticas. Lula também manifestou o interesse em levar a conferência para o Brasil, a COP30, em 2025. Em mais de uma oportunidade, ele criticou o desmonte das políticas ambientais praticado durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), e ressaltou o papel fundamental da Amazônia para a Humanidade. “Não há segurança climática sem Amazônia protegida”, diz Lula.
A promessa de auxílio aos países em desenvolvimento foi feita durante a realização da COP15, em 2009, que teve sede em Copenhague, na Dinamarca. À época, os países mais ricos se comprometeram a fazer o aporte bilionário. “Este compromisso não foi e não está sendo cumprido. Precisamos com urgência de mecanismos financeiros para remediar perdas e danos causados em função da mudança do clima. Não podemos mais adiar esse debate. Precisamos lidar com a realidade de países que têm a própria integridade física de seus territórios ameaçada, e as condições de sobrevivência de seus habitantes seriamente comprometidas”, pontuou Lula, afirmando que em seu terceiro mandato fará mais cobranças mundiais como essa.
O presidente eleito lembrou que logo após a vitória no segundo turno das eleições, no último dia 30 de outubro, houve a manifestação por parte de Alemanha e Noruega, no sentido de reativar o Fundo Amazônia, que visa financiar medidas de proteção ambiental para a floresta amazônica. O fundo dispõe de mais de 500 milhões de dólares, que ficaram congelados desde 2019 por conta da política anti-ambiental do governo Bolsonaro. “Estamos abertos à cooperação internacional para preservar nossos biomas, seja em forma de investimento ou pesquisa científica. Mas sempre sob a liderança do Brasil, sem jamais renunciarmos à nossa soberania”, disse o presidente eleito.
Ao longo de seu mandato, Jair Bolsonaro se recusou a participar das edições da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Não só isso, como ainda mobilizou para que o País não sediasse o evento, o que deveria ter acontecido em 2019, na COP25.
COP30 no Brasil
Lula prometeu falar com o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, para que o evento de 2025 ocorra no Brasil. Este anúncio foi feito nas primeiras horas da manhã desta quarta-feira (16), quando Lula discursou no espaço dedicado aos governadores da região Norte. “Na Amazônia tem dois estados aptos para receber qualquer conferência internacional que é o estado do Amazonas e o estado do Pará. Aí vocês vão discutir entre vocês quem é que tem mais a oferecer do ponto de vista de infraestrutura para receber as milhares de pessoas que vão se dirigir ao estado”, destacou. Ao seu lado, estava o governador Helder Barbalho (MDB), que foi reeleito pelo Pará. Wilson Lima (União Brasil), também reeleito, não estava presente.
No Egito, onde foi recepcionado por aliados, Lula aproveitou o palco da COP27 para criticar a atual gestão. “Do resultado da eleição no Brasil dependia não apenas a paz e o bem estar do povo brasileiro, mas também a sobrevivência da Amazônia e, portanto, do nosso planeta”, disse. Para ele, o Brasil já mostrou ao mundo “o caminho para derrotar o desmatamento e o aquecimento global”, e lembrou que entre os anos de 2004 e 2012, a devastação da Amazônia caiu 83%.
Para defender a tese de que frear o desmatamento não afeta o agronegócio, lembrou que, nesse mesmo período, o PIB agropecuário do Brasil teve o crescimento de 75%. Ele afirmou que os 30 milhões de hectares de terras degradadas podem ser utilizados para manter essa atividade em alta. “Não precisamos desmatar sequer um metro de floresta para continuarmos a ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo.”
Lula prometeu que o Brasil não vai “medir esforços” para zerar os desmatamentos e a degradação ambiental dos biomas brasileiros até 2030. “Nos três primeiros anos do atual governo, o desmatamento na Amazônia teve aumento de 73%. Somente em 2021, foram desmatados 13 mil quilômetros quadrados. Essa devastação ficará no passado”, disse.
No discurso, o presidente eleito fez questão de associar o combate à pobreza e à fome, duas bandeiras de sua campanha, com a resolução dos problemas climáticos. “A luta contra o aquecimento global é indissociável da luta contra a pobreza e por um mundo menos desigual e mais justo”, afirmou.
Bolsonaro denunciado
O contraste com o governo Bolsonaro ficou evidente já na véspera, quando o atual presidente foi denunciado na ONU por destruição do meio ambiente e violações a direitos humanos. De acordo com a denúncia, que foi feita por organizações não governamentais, o atual presidente é o responsável pelo aumento descontrolado do desmatamento na Amazônia e no bioma do cerrado, além da violência contra os povos indígenas e populações tradicionais.
Conforme o documento entregue na ONU, a Amazônia “está cada vez mais perto de seu ponto de não retorno”, situação na qual não conseguiria mais se regenerar das agressões sofridas pela ação humana.
Em outro contraponto, no discurso desta quarta-feira, Lula prometeu combater sem trégua os crimes ambientais, voltar a fortalecer os órgãos de fiscalização e os sistemas de monitoramento que passaram por um verdadeiro desmonte nos últimos quatro anos. Outras atividades ilegais como garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida também estão na “alça de mira” do futuro governo. “O Brasil está de volta”, comemorou Lula, referindo-se ao fim do isolamento internacional do País, nos últimos anos, nas questões climáticas.
Lula afirmou que, além de oferecer o Brasil para sediar a COP30, vai propor a realização da Cúpula dos Países Membros do Tratado de Cooperação Amazônica, que envolve os países Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Essa cúpula, segundo o presidente eleito, deve promover “o desenvolvimento integrado da região, com inclusão social e responsabilidade climática”.
Em outro momento do discurso, Lula sinalizou que procurará ampliar acordos internacionais com Indonésia e Congo. Os dois países e mais o Brasil, segundo o presidente eleito, detêm 52% das florestas tropicais remanescentes no planeta. “Juntos, trabalharemos contra a destruição de nossas florestas, buscando mecanismos de financiamento sustentável, para deter o avanço do aquecimento global.”
Os esperados anúncios de futuros ministros não ocorreram durante a COP27. Lula apenas voltou a mencionar a criação de um ministério para os indígenas. “Vamos criar o Ministério dos Povos Originários para que os próprios indígenas apresentem ao governo propostas de políticas que garantam a eles sobrevivência digna, segurança, paz e sustentabilidade. Os povos originários e aqueles que residem na região amazônica devem ser os protagonistas da sua preservação”, discursou. No Egito, ele se encontrou com Marina Silva, cotada para o Ministério do Meio Ambiente.
Discussões globais
A COP27 teve início no dia 6 de novembro e, de partida, sobrou um “puxão de orelha” para as nações que não cumpriram as suas metas para limitar o aquecimento global em 1,5°C até o final do século.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, chegou a declarar que o mundo estava em uma “estrada para inferno climático com o pé ainda no acelerador”, o que vai acabar causando um “pacto de suicídio coletivo”. Os problemas são os mesmos apontados em edições anteriores da conferência, como a demora dos países para fazer o enfrentamento da crise climática; a questão do financiamento aos países mais pobres – que inclusive foi alvo de cobrança do presidente eleito.
Pelo lado dos Estados Unidos, o representante governamental foi John Kerry, que chegou a anunciar uma “nova iniciativa global de compensação de carbono”. O projeto passa por empresas privadas norte-americanas realizando ações de transição energética em países em desenvolvimento. O projeto foi batizado de “Energy Transition Accelerator”.
Lula, que só assume em 1º de janeiro, chegou depois da passagem dos líderes globais, mas sua simples ida ao Egito já provocou uma mudança simbólica na agenda diplomática brasileira. Ele recebeu dez pedidos de reuniões bilaterais durante o evento. A agenda incluiu encontros com representantes de países como China, Alemanha e Estados Unidos.
Na manhã desta quarta-feira, no espaço que reúne os governadores dos estados da Amazônia, o governador do Pará, Helder Barbalho, leu a “Carta dos Governadores pela Amazônia”, que mostra a tentativa dos governos de migrarem para uma agenda mais pró-meio ambiente, no novo governo.
“Nesse novo quadro político resultante das eleições de outubro de 2022, expressamos a disposição em construir uma relação profícua e eficaz com o governo federal, baseada no respeito democrático, na observância da Constituição e do diálogo com os poderes constituídos nas esferas estadual e federal”, diz o documento, que pontua ainda a emergência climática e a urgência na busca de soluções.
O governador do Amazonas chegou a assinar um decreto estabelecendo cotas e a alocação de créditos de carbono disponíveis para a comercialização no Amazonas. Wilson Lima é aliado de primeira hora do presidente Bolsonaro.
Governo de transição
Após a fala de Lula, na COP27, o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, anunciou os membros da equipe de transição que farão parte do futuro Ministério dos Povos Originários. São eles:
Joênia Wapichana: Tornou-se a primeira mulher indígena advogada do Brasil, e também a primeira indígena eleita para Câmara Federal, pela Rede Sustentabilidade, de Roraima.
Marivelton Baré: Presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro.
Célia Xakriabá: Da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade, e deputada federal eleita por Minas Gerais, e faz parte do PSOL.
João Pedro: Ex-deputado e ex-senador do PT, pelo Amazonas.
Sônia Guajajara: Primeira deputada federal indígena eleita por São Paulo, pelo PSOL.
Davi Kopenawa Yanomami: Presidente da Hutukara Associação Yanomami.
Benki Ashaninka: Representante político e xamânico do povo Ashaninka.
Juliana Cardoso: Vereadora pelo PT de São Paulo, recém-eleita deputada federal.
Marcio Augusto Freitas de Meira: Foi presidente da Funai entre 2007 e 2012;
Tapi Yawalapiti: Líder e cacique do povo Yawalapíti da região do alto Xingu.
*Crédito da imagem destacada: Em discurso na 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, realizada no Egito, o presidente eleito cobra recursos bilionários prometidos para preservação ambiental em países em desenvolvimento e reivindica que a COP-30, em 2025, ocorra em um estado do Norte (Foto: Oliver Kornblihtt/Mídia Ninja).
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