Clima

COP27: Greenpeace comenta os destaques da primeira semana

Perdas e danos na agenda oficial do evento foi o ponto alto da semana, mas novo programa de compensação de carbono acende alerta de ambientalistas

A 27ª Conferência do Clima (COP27) teve início no último domingo (6) e reuniu em Sharm El Sheikh, no Egito, mais de 30 mil líderes de cerca de 200 países para debater acordos e soluções para os principais desafios climáticos globais. Ainda que tenha sido marcada por discussões valiosas para a agenda climática, a primeira semana da conferência deixou a desejar no que diz respeito a ações concretas.

Apesar de poucas resoluções até o momento, a inclusão inédita do tema de perdas e danos na agenda oficial do evento, visando a reparação climática, foi motivo de celebração – ainda que seja apenas o começo de uma jornada mais longa – e a Justiça Climática também ganhou destaque e se mostrou fortalecida. Ao mesmo tempo, a COP27 começou reconhecendo e criticando o atraso dos países em submeterem NDCs mais ambiciosas e compatíveis com o acordo de limitar o aquecimento global em 1,5°C até o final do século e foi palco do anúncio de um novo programa de compensação de carbono que foi prontamente criticado por ambientalistas.

Especialistas do Greenpeace Brasil comentam sobre os principais destaques da primeira semana da COP27:

De olho no financiamento climático

Logo na abertura da conferência, o secretário-geral da ONU, António Guterres, declarou aos líderes de mais de 100 países que “estamos em uma estrada para o inferno climático com o pé ainda no acelerador”. Por isso, propôs que líderes de todas as nações unam esforços para ajudar financeiramente os países menos desenvolvidos em mitigação, adaptação e perdas e danos.

“O atual sistema de financiamento não vem sendo cumprido, já é insuficiente e está mal estruturado. Isso porque ele privilegia o repasse de recursos de países desenvolvidos para países em desenvolvimento em forma de empréstimos, e não por doações, como deveria ser. Isso beneficia instituições com capacidade de girar capital, podendo inclusive gerar mais débito social e vulnerabilidade econômica na ponta. Vale lembrar que os países mais ricos se desenvolveram às custas de altos índices de emissões, mas quem está pagando essa conta são os países e pessoas que menos emitiram e estão mais vulnerabilizados a impactos. É um dever ético que os países desenvolvidos arquem com os custos de mitigação, adaptação e perdas e danos associados à crise climática. Esse repasse não é um favor e nem deve ser um investimento com interesse de retorno, mas trata-se de uma questão de reparação histórica e justiça climática.”
Marcelo Laterman, porta-voz de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil

Perdas e danos na agenda global

Um dos pontos altos desta primeira semana de conferência foi a inclusão do tema de perdas e danos na agenda oficial da COP. O assunto foi levantado logo no início do evento pelos países mais vulneráveis aos efeitos da crise climática, com o objetivo de fornecer suporte para a adaptação aos efeitos do aquecimento global e como forma de reparação climática.

“Há anos existe a ideia da criação de um fundo para perdas e danos, mas esta é a primeira vez que vemos o assunto realmente ganhando relevância internacional, reforçando a discussão sobre a importância dos países mais ricos financiarem as nações em desenvolvimento. Com certeza é algo para celebrar, mas não podemos perder de vista que este é apenas o primeiro passo de um processo muito mais complexo. Para que uma iniciativa deste porte seja bem-sucedida, precisará de fato culminar em um acordo de financiamento favorável aos países do Sul Global.”

Daniela Costa, porta-voz de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil

O novo programa de compensações de Kerry: uma distração perigosa

O enviado especial para o clima dos EUA, John Kerry, anunciou com entusiasmo o que chamou de uma “nova iniciativa global de compensação de carbono”, com o objetivo de conectar empresas privadas americanas a ações de transição energética em países em desenvolvimento. Chamada de “Energy Transition Accelerator”, a iniciativa visa gerar financiamento por meio de créditos de carbono voluntários de “alta qualidade” e foi prontamente criticada por especialistas climáticos e ambientalistas, que alegaram que o plano reflete um sistema de compensação fracassado criado décadas atrás.

“Compensar carbono é o mesmo que pagar uma pessoa para correr uma maratona e receber o mérito pela vitória. Na verdade, é pior do que isso, pois esse dinheiro ainda irá voltar ao ‘investidor’ em forma de lucros e dividendos. Trata-se de uma falsa solução, que não enfrenta a raiz do problema, reproduz práticas colonialistas e permite que grandes poluidores mantenham seus modelos de negócio e práticas insustentáveis. Precisamos de soluções reais, que reduzam de maneira drástica e efetiva as emissões de gases de efeito estufa, respeitando a soberania dos povos. Isso passa pela descarbonização da economia e por soluções que promovam a resiliência dos mais impactados pela crise climática. É necessário repensar os sistemas de produção e consumo, e não fazer puxadinhos.”

Marcelo Laterman, porta-voz de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil

A Justiça Climática veio para ficar

O tema da Justiça Climática vem ganhando força nesta COP. Apesar de ainda estar longe de haver um equilíbrio e até mesmo uma predominância de lideranças indígenas, quilombolas e periféricas na conferência, a temática tem entrado como eixo norteador das discussões. Exemplo disso, é a demanda para que as NDCs (Contribuições Nacionais Determinadas), que definem os compromissos dos países signatários, contemplem este princípio, com atenção às populações mais vulnerabilizadas pelas questões climáticas, tanto para metas de mitigação como de adaptação.

Além disso, a representação de povos indígenas, tradicionais e periféricos de diversas partes do mundo se faz presente mais uma vez. Delegações potentes como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) e a Coalizão Negra por Direitos, entre outros coletivos como os de juventudes, têm ocupado cada vez mais espaços no debate climático.

“Tão urgente quanto aumentar as metas de redução de emissão de gases de efeito estufa é promover a justiça climática. E quando digo promover, não me refiro a apenas falar sobre o tema, mas garantir a participação política de mulheres, comunidades periféricas, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, população LGBTQIA+ e tantas outras no centro da agenda climática global e doméstica. A criação da “Declaração de Resistência anticolonial indígena, negra e afrodescendente” nesta COP é um exemplo da força deste movimento e um recado às lideranças globais de que não há mais espaço no mundo para uma conferência do clima que não inclua as populações que mais sofrem com os impactos da crise climática no centro do debate e das tomadas de decisão.”

Daniela Costa, porta-voz de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil

Para a segunda e última semana da conferência, há grande expectativa em torno da presença do futuro presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Líderes globais acreditam que a mudança do governo representa uma esperança de que o país volte a ser um aliado na luta contra a crise climática e se apresenta como uma oportunidade de iniciar, desde já, um plano de reversão radical dos retrocessos decretados pelo atual governo nos últimos anos.

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