Por Dal Marcondes, especial para a parceria com a Synergia Socioambiental* –
Chegou o último dia oficial da COP28, e os negociadores ainda estão debruçados sobre os rascunhos da declaração final. Do lado de fora, dedos cruzados por uma utopia.
Tudo começou com uma pergunta do secretário da ONU para Mudanças do Clima, Simon Siell: “Quão elevada é a nossa ambição?”.
Muitas outras questões foram levantadas em 13 dias de COP em Dubai. No entanto, o que esteve em todas as mesas foi um embate entre a utopia de um mundo sem petróleo e a realidade de um negócio global que gera lucros diários superiores a R$ 15 bilhões.
Estudo conduzido pelo professor Aviel Verbruggen, da Universidade de Antuérpia, e publicado pelo jornal britânico The Guardian, aponta que, desde 1970, a indústria global do petróleo acumulou lucros da ordem de US$ 52 trilhões, livres de impostos. E ainda hoje o mundo produz mais de 100 milhões de barris de petróleo por dia.
Os negociadores da COP28 estão há duas semanas lutando contra um dragão que sopra gases estufa pelas ventas. Até agora, os esboços da declaração final não mostram a ambição pregada por Stiell. A esgrima final é se o texto levará a expressão “eliminação” ou “redução gradual” do uso de combustíveis fósseis até 2050. Porém, até o momento não há referência a nenhum dos dois termos. Para garantir a posição favorável à indústria fóssil, poderosos grupos de pressão enviaram à COP cerca de 2.400 lobistas.
O rescaldo da COP28, no entanto, apresentou alguns poucos avanços em outras áreas. Foi criado o Fundo de Perdas e Danos, para indenizar e apoiar países e populações vulneráveis à emergência climática. O texto em discussão propõe, também, a eliminação de fontes de emissão de metano, o que envolve a gestão de resíduos sólidos e saneamento básico, além de processos industriais.
Em paralelo às negociações, já se estabeleceu que o mundo deve triplicar a oferta de energias limpas até 2050, o que inclui a necessidade e a aceitação de que uma parte dessa oferta adicional de energia deverá vir de usinas nucleares, o que confronta alguns grupos de resistência em diversos países.
Para o Brasil, houve avanços e retrocessos. O país conseguiu mais apoios financeiros para o Fundo Amazônia e o presidente Lula levou a Dubai a proposta de um Mecanismo de Proteção de Florestas Tropicais para amparar as nações florestais e o fomento a uma bioeconomia da floresta. Entretanto, a adesão do país à OPEP+ turvou a expectativa de liderança climática do país. Esse passo em direção à OPEP foi agraciado com o troféu “Fóssil do Dia”, no dia 4/12, concedido pela Climate Action Network, rede de ongs de mais de 120 países.
O rascunho do documento final já tem alguns pontos definidos. Dois deles são: a indicação de Baku, capital do Azerbaijão, para a realização da COP29, em 2024, e a confirmação de Belém, no Pará, para a realização da COP30, em 2025. Nenhum outro ponto está colocado como decidido.
A ambição das organizações sociais, dos países insulares do Pacífico e até mesmo do secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, é de que o mundo caminhe para a eliminação do uso de combustíveis fósseis, o que inclui petróleo, gás e carvão. Porém, essa ambição está cada vez mais longe.
Alex Rafalowicz, diretor da ong Fossil Fuel Non-Proliferation Treaty, declarou a jornalistas que é um retrocesso: “Precisamos de um acordo que diga que vamos fazer uma saída progressiva dos combustíveis fósseis. Essas palavras não aparecem no texto e não aparece o plano de como podemos chegar a esta solução”. Outros ativistas referem-se ao texto como “desastroso” e “vergonhoso”.
Após 285 conferências de imprensa, 152 eventos globais de ações climáticas, 195 exposições e 366 eventos paralelos, a COP28 não conseguiu seu objetivo principal, de garantir um acordo de eliminação gradual do uso de petróleo como combustível até 2050. Fica o alerta feito por Ricardo Young, presidente do IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade): “O objetivo de eliminar o uso de petróleo como combustível somente será alcançado com a modelagem de novos negócios para os trilhões de dólares investidos em ativos globais dessa indústria”.
*Synergia Socioambiental e Envolverde na cobertura da COP28.