A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) publicou, nesta segunda-feira (3), o relatório State of the Ocean Report, um minucioso estudo que reúne dados inéditos e sintetiza conhecimentos sobre os avanços referentes aos 10 Desafios da Década do Oceano, iniciativa que visa incentivar a pesquisa científica e as inovações tecnológicas voltadas para a limpeza, segurança e sustentabilidade do oceano por meio da cooperação internacional.
Elaborado por 99 pesquisadores(as) do mundo todo, o relatório tem a participação de Ronaldo Christofoletti, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar/Unifesp) – Campus Baixada Santista, que aponta uma relação entre o estado atual do oceano e as situações recentemente enfrentadas no Brasil nos últimos anos, em especial as chuvas extremas.
É o caso, por exemplo, da chamada “febre do oceano”, comparável à febre do corpo humano. “Enquanto os dados do State of the Ocean Report de aumento da temperatura do oceano até 2023 mostravam aquele ano como o mais quente da história, os dados atualizados da temperatura média diária do oceano mostram que ao longo de todo 2024 estamos com temperaturas ainda mais quentes que em 2023. Assim, se o padrão se mantiver ao longo do ano, 2024 baterá novo recorde”, explica o professor.
Além disso, dados do estudo mostram que a taxa de elevação do nível do mar duplicou nas últimas décadas. Este fato, explica o professor, somado à maior frequência e intensidade das frentes frias na costa brasileira, tem relação direta com impactos nas cidades litorâneas, influenciando, inclusive, a discussão recente sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 03/22 dos Terrenos de Marinha. O aumento do nível do mar intensifica os impactos de “ressaca” que atingem o litoral e geram prejuízos em várias cidades brasileiras.
Garantir a conservação de áreas naturais é fundamental para preparar as cidades quanto aos efeitos da elevação do nível do mar, minimizando o impacto em áreas urbanas. “A maior parte dessas áreas naturais que ainda restam no litoral brasileiro se encontram nos espaços chamados de Terrenos de Marinha. Portanto, as discussões recentes sobre a PEC 03/22, que propõe flexibilizar a governança para Estados e Municípios e possibilita privatizar os terrenos de Marinha, colocam em risco a conservação dessas áreas e expõem toda a população a impactos da subida do nível do mar”, detalha Christofoletti, que ainda aponta que os dados da crescente elevação do nível do mar trazidos no relatório da Unesco respaldam o entendimento de que qualquer empreendimento imobiliário deve ser planejado ainda mais distante da linha de costa.
Por outro lado, ao mesmo tempo em que o relatório apresenta dados de temperatura do oceano, aumento do nível do mar e sobre como a poluição impacta os oceanos, o State of the Ocean Report 2024 aponta o Brasil como líder mundial em projetos endossados pela Unesco para a cultura oceânica. “Isso demonstra que uma série de iniciativas de universidades, governo, sociedade civil, jornalistas e comunicadores(as) têm contribuído para que a nossa sociedade possa compreender a sua relação com o oceano e trabalhar para uma mudança de comportamento em prol da sustentabilidade”, pontua o professor da Unifesp. Para ele, políticas públicas, engajamento da sociedade, atuação de jornalistas e iniciativas regionais se somam às ações educativas como pilares da conscientização e mobilização em prol dos oceanos, do clima e de todo o ambiente.
Construção de uma cultura oceânica em nível global
O artigo Estado e tendências na construção da cultura oceânica global, elaborado pelo Grupo de Especialistas em Cultura Oceânica da Comissão Oceanográfica Intergovernamental, do qual o professor Ronaldo Christofoletti é presidente, explora a importância da noção de cultura oceânica, considerada fundamental para o sucesso da Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável e indispensável para a sustentabilidade futura dos oceanos e para o alcance dos objetivos globais na gestão e conservação marítima.
O artigo aponta que o estabelecimento desse grupo, que inclui pesquisadores(as) e profissionais de 20 países, impulsionou o desenvolvimento da cultura oceânica em diversos níveis. Eventos como os Diálogos de Cultura Oceânica engajaram mais de 25 mil participantes e destacaram a importância do conceito em vários contextos – desde a educação até a governança e a conservação marinha. Iniciativas regionais, como as Redes de Escolas Azuis do Atlântico e da Europa, estabeleceram as bases para uma aliança global emergente, enquanto programas de liderança têm empoderado jovens por todo o planeta.
Apesar dos progressos, o artigo identifica desafios significativos, particularmente em termos de equidade entre os hemisférios Norte e Sul. Além disso, a inclusão de conhecimentos tradicionais e indígenas nos programas de cultura oceânica, o desenvolvimento de recursos educativos e a criação de mecanismos de financiamento são áreas que necessitam de maior atenção, pontuam os(as) pesquisadores(as).
Para o Grupo de Especialistas, é essencial fortalecer a colaboração entre as comunidades de cultura oceânica e a comunidade científica mais ampla, abordando as disparidades no acesso aos recursos. Nesse sentido, políticas eficazes e decisões estratégicas alinhadas com os objetivos de desenvolvimento sustentável são fundamentais para maximizar o impacto das iniciativas de cultura oceânica. Dentre os exemplos, destaca-se a promoção da inclusão de cultura oceânica nos currículos escolares e a ampliação da diversidade, equidade e inclusão nas pesquisas e práticas da área, a fim de garantir a sustentabilidade futura dos oceanos e o bem-estar das gerações presentes e futuras.