Por Alice Sales para o EcoNorderdeste –
O mais extenso Censo Aéreo do Planeta para a contagem de exemplares da baleia jubarte confirmou a recuperação da espécie em águas brasileiras. A baleia jubarte (Megaptera novaeangliae) por muito tempo esteve ameaçada de extinção e há 34 anos recebe esforços por parte do Instituto Baleia Jubarte (IBJ), sediado na Praia do Forte (BA), para salvá-la. Os resultados são animadores neste momento em que as entidades internacionais alertam para a crescente diminuição das espécies selvagens ao redor do mundo.
O censo aéreo realizado em parceria com a empresa Socioambiental e com apoio financeiro da Veracel Celulose e da Petrobras, confirmou que a espécie está se aproximando da recuperação plena no País, após ter sido quase extinta pela caça indiscriminada ao longo de mais de 300 anos no Brasil e ao redor do mundo. A avaliação dos dados do censo aponta a existência de cerca de 25.000 jubartes nos mares brasileiros.
A bióloga Márcia Engel, que é co-fundadora do Instituto Baleia Jubarte, explica que para a realização do censo, são estabelecidos transectos (linhas) na área que será percorrida com a aeronave. As linhas vão desde a praia até o fim da plataforma continental, que é onde a jubarte, que é uma espécie costeira, costuma ser encontrada. “O avião vai percorrendo estas linhas e os observadores registram as baleias à direita e à esquerda da aeronave. “
Márcia Engel explica, ainda, que o observador registra o horário, a posição do animal em relação à aeronave, a espécie, o número de animais, o comportamento e a presença ou não de filhote. Para isso são utilizados um gravador, relógio, GPS e clinômetro (equipamento que mede o ângulo do animal em relação à aeronave). “A informação é depois compilada para uma planilha. A partir disso é feita a estimativa do tamanho da população e das áreas de concentração. Abrolhos sempre é o local de maior concentração, com mais de 60% dos registros de ocorrência nesta área”.
O censo aéreo é considerado pelos pesquisadores como o mais extenso do mundo para o estudo de baleias e é realizado a cada três anos, há 21 anos. O levantamento cobriu nesta temporada de reprodução das jubartes numa distância de 6.204 Km, entre a divisa do Ceará e Rio Grande do Norte e o litoral norte de São Paulo, e abrangeu desde a linha de costa até uma profundidade aproximada de 500 metros, já que as jubartes preferem ficar sobre a plataforma continental quando chegam ao País para se reproduzir.
Durante os sobrevoos foram avistados 643 grupos de baleias da espécie. Leonardo Wedekin, biólogo também responsável pela pesquisa, ressalta que, além de ser o mais extenso do mundo, o censo das jubartes no Brasil é também um dos mais longevos, com mais de duas décadas de trabalho contínuo.
“Cobrir a totalidade da área reprodutiva das jubartes no Brasil nos permite realizar um trabalho científico inestimável, com a realização de uma estimativa populacional mais precisa, um conhecimento melhor da distribuição das baleias e o entendimento da reocupação das áreas extremas dessa distribuição, como Rio Grande do Norte e São Paulo, onde um número crescente de avistagens confirma a expansão do uso de nossas águas pela espécie”, ressalta.
Enrico Marcovaldi, um dos fundadores do Projeto Baleia Jubarte, relembra que, quando o trabalho começou, durante a implantação do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, na década de 1980, ainda não se tinha conhecimento da presença dessas baleias naquela área. “Com a constatação de que havia uma população sobrevivente de talvez uns 500 espécimes na região é que se iniciou o Projeto Baleia Jubarte. Depois dessas décadas de atuação em prol da proteção delas, ver agora essa população quase totalmente recuperada dá uma enorme alegria e a sensação de dever cumprido. Quase, porque sempre temos que atuar para evitar que elas voltem a ser ameaçadas por impactos das atividades humanas”.
Além de contabilizar os exemplares existentes nos oceanos, o censo aéreo também permite identificar e avaliar as áreas onde atividades humanas possuem mais potencial de interagir e impactar na presença das baleias. “O volume e a qualidade das informações científicas geradas pelo censo, combinadas com as demais atividades de pesquisa de campo embarcadas que o Projeto desenvolve, nos permitem prever as ações necessárias para assegurar que as jubartes brasileiras sejam protegidas adequadamente de novos impactos, como o emalhamento em redes e colisões com grandes embarcações, além de contribuir com nosso conhecimento para formular as políticas públicas adequadas para a proteção da espécie e seu ambiente”, detalha o diretor geral do Projeto Baleia Jubarte, Eduardo Camargo.
Áreas Importantes para Mamíferos Marinhos
Na última semana, a Praia do Forte, na Bahia, foi palco de um workshop voltado para definir Áreas de Conservação de Mamíferos Marinhos no Atlântico Sul. O evento histórico foi uma realização do Instituto Baleia Jubarte e reuniu cientistas de todo o mundo para o diálogo sobre o tema. Entre as propostas, foi apresentada como uma dessas áreas o Banco dos Abrolhos, principal concentração reprodutiva de baleia jubarte e que tem também uma população do golfinho mais ameaçado de extinção do Brasil, a toninha (Pontoporia blainvillei), em sua porção sul.
Além disso, o evento foi um momento de discutir e mapear a região do Atlântico Sul Ocidental com representantes do Brasil, da Argentina, da Guiana Francesa e do Suriname, identificando quais áreas são mais importantes para a conservação de baleias, golfinhos e peixes-boi marinhos. O encontro foi coordenado pela União Mundial de Conservação da Natureza (IUCN), com apoio do Instituto Tethys e da Whale & Dolphin Conservation, patrocínio do Ministério de Meio Ambiente da Alemanha e organização local pelo Instituto com recursos do patrocínio Petrobras ao Projeto Baleia Jubarte e do Projeto Un Solo Mar Brasil-Uruguai.
As Áreas Importantes para Mamíferos Marinhos (IMMA) são definidas como porções discretas de habitat, relevantes para espécies de mamíferos marinhos, que têm o potencial de serem delineadas e gerenciadas para conservação. Essas áreas consistem em espaços que devem merecer proteção e monitoramento local. Após a identificação dessas áreas pelos grupos de especialistas, as IMMAs são adotadas como áreas prioritárias para conservação por tratados internacionais, como a Convenção de Espécies Migratórias, e também podem ser utilizadas pelos governos como subsídio para a criação de novas Áreas Marinhas Protegidas.
Esse trabalho vem sendo desenvolvido sob a coordenação do norte-americano Erich Hoyt e do italiano Giuseppe Notarbartolo di Sciara, duas das maiores autoridades mundiais em conservação marinha. A iniciativa reconhece o papel fundamental dos mamíferos marinhos como indicadores para apoiar a identificação de Áreas Marinhas Protegidas, já que são facilmente monitorados com relação à maioria dos outros vertebrados do mar. Além disso, há que se considerar a importância desses animais como espécies guarda-chuva, ou seja, espécies emblemáticas que ajudam a garantir que um plano de conservação adequadamente elaborado seja benéfico para todo o ecossistema em que vivem e influenciam para a sensibilização e criação de políticas públicas de conservação.
Para Enrico Marcovaldi, o vice-presidente do Instituto Baleia Jubarte, “receber esse workshop histórico no Brasil e em nossa sede da Praia do Forte foi um imenso privilégio e também um reconhecimento da importância que nosso trabalho, por meio do Projeto Baleia Jubarte, vem alcançando no plano internacional”. O Instituto é a única organização da sociedade civil brasileira a estar representado formalmente junto à Comissão Internacional da Baleia e a ter entre seus integrantes membros da Força Tarefa de Mamíferos Marinhos e Áreas Protegidas da IUCN, a qual originou o trabalho de definição das IMMAs em escala global.
O coordenador de desenvolvimento Institucional do IBJ, José Truda Palazzo Jr., que participa da Força-Tarefa e co-organiza o evento das IMMAs, reforça que “os resultados deste workshop interessam diretamente ao Brasil, que possui áreas extremamente relevantes para os mamíferos marinhos, como a região do Albardão (RS) e o Banco dos Abrolhos (BA). De acordo com ele, essas áreas precisam ter sua proteção urgentemente ampliada.
*Crédito da Imagem destacada: Estima-se que há 25.000 jubartes nos mares brasileiros, com destaque para Abrolhos, com 60% das avistagens | Foto: Instituto Baleia Jubarte
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