Por Leanderson Lima para o Amazônia Real –
Manaus (AM ) – Nos últimos quatro anos, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) deixou de lado uma de suas finalidades principais: o poder de polícia ambiental de âmbito federal. Como fazer isso se era preciso sobreviver? Sob Jair Bolsonaro (ex-presidente), Ricardo Salles (ex-ministro) e Eduardo Bim (ex-chefe do órgão), o Ibama foi sucateado, com funcionários que queriam cumprir suas obrigações sendo perseguidos e operações sabotadas pelo próprio governo federal. Mas o “Ibama voltou”.
Hoje, dentro do órgão, o clima é outro. Profissionais, antes desmotivados, agora, vivem uma fase de euforia com a retomada de operações como a “Xapiri”, que vai realizar a desintrusão da Terra Indígena Yanomami (TIY), em Roraima, ao lado da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança Pública. Serão retirados os mais de 20 mil garimpeiros que invadiram a área e causaram a crise humanitária e sanitária que levou à morte de quase 600 crianças indígenas.
Só na primeira semana de operação, a operação destruiu um trator de esteira [usado para abrir ramais na mata fechada], apreendeu 5 mil litros de combustível que seria utilizado na estrutura de funcionamento do garimpo, barcos e voadeiras que chegavam a 12 metros de comprimento, e que carregavam quase uma tonelada de alimentos. Um dos maiores prejuízos dos criminosos, porém, foi a destruição de um helicóptero avaliado em 3 milhões de dólares (mais de 15 milhões de reais). O valor é aparentemente pequeno, perto dos estimados 3 bilhões de reais de prejuízo, que a entidade Conservação Estratégica estimou pelos danos causados pelo garimpo na TIY.
Neste domingo (12), quinto dia da operação para sufocar o garimpo na TIY, e que reúne ainda a Polícia Federal e a Força Nacional, fiscais do Ibama continuaram destruindo dragas e balsas. A partir desta segunda-feira, o espaço aéreo voltaria a ser fechado pela Força Aérea Brasileira (FAB), impedindo o restabelecimento de rotas de fugas de garimpeiros e mineradores. Mas a FAB decidiu prorrogar esse prazo até 6 de maio. Barcos com garimpeiros e familiares poderão sair pelo rio, desde que só levem pessoas e não cargas. O Exército continua recuperando a pista de pouso e decolagens de Surucucu, onde o governo federal quer montar um hospital de campanha. Até agora, mil Yanomami em grave estado de saúde tiveram de ser deslocados até Boa Vista para serem atendidos.
À frente deste momento de retomada do Ibama, está Jair Schmitt, funcionário de carreira há mais de 20 anos. Um de seus primeiros e simbólicos atos foi revogar os despachos assinados pelo ex-presidente do Ibama, Eduardo Bim, que dificultariam o pagamento de um total de 3,6 bilhões de reais em multas por infrações ambientais. Confira a entrevista exclusiva para a Amazônia Real:
Amazônia Real – Na última semana, no início da operação de retirada dos garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima fez uma postagem no Twitter dizendo: “O Ibama voltou”. Qual é a sensação de ver um órgão como o Ibama ressurgir?
Jair Schmitt – O Ibama voltou, de fato, depois de alguns anos em momentos difíceis de trabalho. Esse é um momento de muita empolgação e motivação de toda a equipe. O Ibama voltou nos seus trabalhos de proteção ambiental, combate aos ilícitos, de proteção das terras indígenas, então é um momento bastante comemorado aqui pelos servidores e isso reflete no trabalho e na entrega para sociedade.
Amazônia Real – Como está o andamento da operação de retirada dos garimpeiros? Quantos equipamentos já foram destruídos, quantos garimpeiros já foram expulsos, já tem um balanço dessas ações?
Schmitt – O Ibama iniciou a “Operação Xapiri” na quinta-feira (6). Nós já tivemos alguns resultados. A estratégia geral é neutralizar a infraestrutura empregada no garimpo, assim como asfixiar, impedir que suprimentos sejam enviados aos garimpeiros no interior da terra indígena, para que eles não continuem com a atividade ilegal. Até o momento, de maneira geral e isso acaba sendo dinâmico, nós tivemos na segunda-feira ainda a destruição de trator de esteira, de uma base de apoio logístico aos garimpeiros, que inclusive havia uma aeronave, um avião nesta base, depois apreendemos mais de dez embarcações que estavam subindo o rio, que estava levando suprimentos, combustível, comida, equipamentos para as frentes de exploração de ouro. E tivemos mais duas balsas, um outro avião e um helicóptero que foram destruídos até quinta-feira (9 de fevereiro).
Amazônia Real – O que representou para o Ibama o período do ex-presidente Jair Bolsonaro e como foram as perseguições aos servidores?
Schmitt – É até difícil dimensionar todos esses impactos. De maneira geral, o que a gestão anterior promoveu na instituição, primeiro, foi uma desmotivação geral. O clima organizacional era terrível. Os servidores muitas vezes eram impedidos de trabalhar ou quando trabalhavam acabavam sendo perseguidos, muitas vezes até punidos injustamente por exercerem o seu dever de ofício. Foram tempos difíceis. Bom gestores foram exonerados de seus postos de trabalho e na prática quem perde é a sociedade como um todo, porque se o Ibama não trabalha, não atua, você tem crimes ambientais, tem danos ambientais e quem sofre é a sociedade. Principalmente as populações mais vulneráveis, a exemplo dos indígenas, como das (populações) tradicionais, mas no fundo todos nós. Quando a gente fala em desmatamento, cuja emissão de gás de efeito estufa afeta o planeta como um todo, inclusive a nossa vida prática, influenciando no clima, no regime das chuvas e assim por diante, então o Ibama não trabalhando, a sociedade perde.
Amazônia Real – Como está sendo o caminho para novamente motivar os servidores?
Schmitt – Antes de tudo o que é importante destacar – até contrastando com a gestão anterior –, primeiro que nós temos um amplo apoio da ministra Marina Silva (Rede) para que o Ibama possa trabalhar e exercer as suas funções. Isso é decisivo para os servidores, seja na área de fiscalização, seja nas outras áreas que a instituição atua, licenciamento, gestão da biodiversidade, a parte do controle da poluição e qualidade ambiental, entre outros. Esse apoio é decisivo. Depois, começamos um processo de reorganização das nossas equipes. Tivemos a exoneração de servidores que não eram do quadro, eram da gestão anterior em diversos postos estratégicos e foram designados outros servidores para exercerem essas funções. Servidores concursados, experientes e que estão cada um na sua unidade reorganizando o trabalho. E agora estamos avançando no processo de replanejamento, atualizar nosso planejamento, obviamente que o foco acaba sendo o combate ao desmatamento na Amazônia por várias questões, é uma das ações prioritárias do governo federal, o próprio presidente Lula tem se posicionado fortemente neste assunto. Depois viemos organizando outras agendas de trabalho, também de assuntos relevantes que envolvem fauna, pesca, licenciamento, controle de madeira e assim por diante.
Amazônia Real – Como ficou a questão do orçamento do Ibama para 2023?
Schmitt – Também tivemos, graças à articulação de alguns parlamentares da base do governo, da própria ministra, uma recomposição orçamentária em alguns setores estratégicos do Ibama como fiscalização e combate aos incêndios florestais e estamos caminhando também para aprovar projetos de reestruturação e fortalecimento do órgão. Então, com uma boa liderança, uma boa gestão, respaldo político, insumos que provêm condições de trabalho, recursos financeiros, faz parte do processo de reconstrução da organização. E por último também estamos trabalhando para em breve aprovar um novo concurso público. Um dos fatores críticos da instituição é o déficit de pessoal. O incremento da força de trabalho também é decisivo para avançarmos nesta reconstrução.
Amazônia Real – O Ibama avalia fazer postos permanentes na TIY? Não tem só a região do Surucucu, que virou o foco muito grande, mas outras regiões que necessitam de ter uma fiscalização.
Schmitt – Além da Terra Indígena Yanomami, que tem conflagrada a emergência, o quadro que evoluiu gravemente nos últimos anos, existem outras terras indígenas que também são acometidas de invasores, de criminosos, seja no garimpo, extração de madeira ou outros crimes ambientais. O Ibama tem definido algumas áreas em conjunto com o Ministério dos Povos Indígenas, com a própria Funai, como (áreas) estratégicas e prioritárias, e, para cada, nós estamos montando uma estratégia, um plano específico de atuação. Cada cenário de fiscalização é um cenário que exige um tratamento diferenciado.
Amazônia Real – O que se pode falar sobre os próximos passos de operações do Ibama de combate ao garimpo?
Schmitt – Temos algumas áreas que são prioritárias. Estamos montando um planejamento específico para cada uma dessas áreas que vamos atuar e isso envolve desde já a coleta de informações, o levantamento da área de inteligência, identificação de atores chave. Também estamos atuando em colaboração com outros órgãos como o Ministério Público, a Polícia Federal, que também tem a responsabilidade e poderio para atuar no combate ao crime nessas áreas.
Amazônia Real – Neste momento já começou a saída dos garimpeiros da TIY, mas o garimpo é um problema cíclico, vai e volta. Como fazer para tentar acabar de uma vez por todas com a prática de garimpo em território indígena?
Schmitt – O Estado brasileiro tem condições e chegou mais do que a hora disso de controlar todos esses danos ambientais que decorre do garimpo ilegal. É importante esclarecer que a atividade mineral, existe a atividade mineral legal, lícita, autorizada, mas não é o caso específico que envolve as terras indígenas. A atuação continua e forte de todas as forças do Estado brasileiro, sim, é possível reduzirmos ou até mesmo acabarmos com essa exploração mineral ilegal.
Amazônia Real – Existe muita gente “grande” envolvida com a prática de garimpo. Há suspeitas de envolvimento de políticos, de grandes empresas. Como é que essa operação pode chegar aos “cabeças”, já que os garimpeiros muitas vezes são apenas a ponta da lança?
Schmitt – De fato o garimpeiro acaba sendo a ponta da lança, talvez a pessoa que no processo criminoso, é o que menos lucra, o que menos ganha dinheiro, e muitas vezes também acaba virando vítima até dá violência, de outros contextos, mas existem elementos centrais, o que a gente chama de cabeças aí, de todo esse processo criminoso. O Ibama tem o papel de ter essa atuação mais em primeira linha no combate, de debelar, neutralizar os garimpos, mas nesse trabalho também tem a oportunidade de levantar muitas informações, no campo, e também com o trabalho de inteligência. Essas informações que o Ibama levanta, reúne, ele repassa aos órgãos de investigação criminal, no caso o Ministério Público e a Polícia Federal. Compete a eles montar as operações para prender e deter esses criminosos, esses atores mais centrais. Seja quem fomenta, quem lucra com logística acerca do transporte aéreo, com o combustível, quem compra ou quem vende esse ouro ilegal.
Amazônia Real – Já se tem uma ideia do quanto essa operação já rendeu de prejuízo aos garimpeiros, para os cabeças por trás de toda essa exploração?
Schmitt – A gente não tem os números consolidados em termos do prejuízo material, mas um exemplo que te coloco, uma das aeronaves que destruímos, um helicóptero S76, ele é estimado por volta de 3 milhões de dólares. Somado a outros bens apreendidos aí, você vê que chegamos a uns 15 milhões de reais em prejuízo aos infratores. É importante destacar que essas práticas de inutilização, destruição de bens apreendidos, ela é respaldada pela legislação, existem normas específicas que dizem como e quando isso é feito, assim como existem duas decisões judiciais, uma decorrente de uma ação civil pública impetrada pelo Ministério Público Federal, em Roraima, e outra decisão judicial do Supremo Tribunal Federal (STF) que determina que o Ibama atue sobre esses garimpos ilegais, então todos esses elementos dão respaldo à atuação da instituição para a inutilização desses equipamentos.
Amazônia Real – Muito já se falou, também, sobre a possibilidade de existirem facções do tráfico de drogas, envolvidas também no garimpo ilegal. O quanto isso é verdade? Há mesmo facções do narcotráfico que se associaram também à atividade garimpeira?
Schmitt – Sim, há informações da presença de facções criminosas no garimpo.
Amazônia Real – Para finalizar, que recado o senhor gostaria de deixar para aqueles que insistem em financiar a atividade garimpeira em territórios indígenas?
Schmitt – O Ibama voltou! Criminosos, temam o Ibama porque ele vai atingir vocês.
Operação de combate ao garimpo ilegal dentro da Terra Indígena Yanomami (Foto: Ascom/Ibama)
*Crédito da imagem destacada: O presidente interino do Ibama, Jair Schmitt, fala sobre a operação de retirada de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami e afirma que o prejuízo deles já é maior que 15 milhões de reais. Na imagem acima, avião que foi destruído em operação na Terra Indígena yanomami (Foto: Ascom Ibama)
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