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Mark Finney, do Serviço Florestal dos EUA, e seus colegas às vezes fazem o impensável – ateiam fogo em arbustos, por exemplo.
Eles não são, porém, incendiários – e tampouco o fogo ao qual dão início vai se alastrar ou se tornar altamente destrutivo. Trata-se de queimas controladas da vegetação para munir cientistas de mais informações sobre como as chamas passam de um galho a outro. Isso pode ajuda a prever como os incêndios se alastram.
Entre as medidas levadas em consideração por Finney e sua equipe estão a duração das chamas, sua velocidade de propagação e o tipo de troca de calor nesse processo. A equipe realiza o experimento na Nova Zelândia em áreas isoladas por barreiras para impedir que se perca o controle do fogo.
“Temos drones que nos dão uma visão do que está acontecendo do alto e temos câmeras protegidas em caixas de isolamento que são colocadas dentro do fogo”, afirma.
“Geralmente, levamos um dia ou mais para arrumar todos os equipamentos e, claro, também é preciso que as condições climáticas cooperem”.
Um momento crucial da história da evolução humana foi a descoberta do fogo. Já a indagação do homem moderno é saber o que faz o fogo se propagar. O fogo antecede os primeiros passos do homem na Terra.
E hoje, longe de estar sob controle, o fogo frequentemente assume a forma de um desastre causado pelo homem. Nos EUA, mais de 80% dos incêndios são causados por pessoas.
Verões muito secos e quentes
Este ano, assim como no ano passado, várias partes do planeta tiveram verões muito quentes e secos, aumentando as chances de incêndios florestais. Matas queimaram na Grécia, Suécia e Sibéria, entre outros locais.
O Estado da Califórnia, no sudoeste dos EUA, enfrenta um dos incêndios florestais mais letais de sua história. Até a noite desta terça-feira, 42 pessoas haviam morrido. A cidade de Paradise, no norte do Estado, foi reduzida a cinzas.
Há 228 desaparecidas e mais de 7 mil estruturas foram destruídas. Em todo o Estado, mais de 300 mil pessoas já foram forçadas a deixar suas casas.
Ainda não se sabe o que deu início ao fogo, mas as autoridades afirmam que, independentemente da causa, a baixa umidade e a secura do solo após um mês praticamente sem chuvas criaram as condições ideais para que as chamas se espalhassem.
Finney espera que os dados de seus experimentos melhorem os modelos existentes usados para combater o alastramento de incêndios e ajude a proteger cidades e comunidades sob risco de destruição. Alguns dos modelos atuais são muito simplistas, ele explica.
“Há muitos fatores que não podem ser aplicados aos modelos atuais, como a variabilidade do vento, que nunca é constante em velocidade ou direção”, afirma o especialista, explicando que os modelos atuais só permitem incorporar uma informação para vento, e não sua variação.
Aumento da precisão de modelos
Ao longo do tempo, contudo, a precisão dessas ferramentas tem melhorado. Em julho, foi publicada uma revisão dos modelos de incêndio da Austrália usados para prever a dispersão de fogo.
Descobriu-se na ocasião que houve um aumento significativo na acurácia dos sistemas nos últimos anos, com redução de mais de 50% no volume de erros.
E como prever os incêndios antes de eles começarem? Embora previsões exatas sejam praticamente impossíveis, a Ciência está nos dando novas e melhores formas de calcular o risco de fogo – e está nos ajudando a entender como grandes incêndios se intensificam.
Max Joseph, que se dedica a desvendar os segredos dos dados, é um desses atores. Ele é coautor de um estudo – em processo de revisão – que explorou a possibilidade de prever quais regiões nos EUA continental estão propensas a incêndios florestais com base em seus ecossistemas e características climáticas.
A equipe reuniu dados climáticos desde 1984 com informações sobre incêndios florestais que ocorreram desde então. Um modelo de computador analisou a relação entre padrões climáticos e o início do fogo.
Eles concluíram que períodos de baixa umidade – ar seco – e altas temperaturas são fortes indicadores do risco de incêndios. E são mais relevantes até do que a pluviosidade.
A forma como tais condições influenciam a disseminação do fogo varia muito de uma “ecorregião” para a outra – áreas que diferem em terreno e vegetação. Mas, ao acumular padrões de dados entre os anos 1984 e 2010, o modelo definiu com precisão a ocorrência de fogo em regiões específicas nos cinco anos subsequentes.
Segundo Joseph, 99% das ocorrências foram previstas pelo modelo.
Estimar a intensidade dos incêndios foi uma tarefa mais difícil, mas o sistema deu a Joseph esperança de que é possível melhorar a compreensão de quais áreas podem sofrer com incêndios em determinados períodos, contanto que dados meteorológicos precisos estejam disponíveis com antecedência.
“Acho que, se tivermos boas previsões do tempo, poderemos ter uma ideia muito boa do que acontecerá no ano seguinte com base neste trabalho”, afirma.
Densidade de casas
Dominique Bachelet, cientista climática da Universidade do Estado de Oregon, exalta o esforço da equipe, mas sugere que há formas mais sutis de analisar os fatores abordados pelo estudo – observando, por exemplo, a densidade de moradias das regiões observadas.
O senso comum pode nos levar a crer que o risco de incêndio é diretamente proporcional à quantidade de casas em uma área – mas ele depende em grande medida da vegetação que está “disponível” para a queima.
Uma pequena habitação em uma área com vegetação muito inflamável, por exemplo, já pode provocar grande estrago.
A gama de fatores e métodos de interpretação das análises estatísticas relacionadas ao fogo é muito ampla. Por exemplo, um estudo publicado na PNASem fevereiro descobriu a correlação entre o números de dias com mais de 2,54 mm de pluviosidade e incêndios florestais no oeste dos EUA.
Essa é uma métrica ligeiramente diferente da usada pelo grupo de Joseph, mas está em sintonia com seus achados – menos chuvas significam menos água disponível para evaporar e contribuir com a umidade. Ou seja, o ar seco é um gatilho para incêndios.
“Se a tendência de redução da precipitação continuar, o resultado será um contínuo padrão de verões quentes e secos que levarão ao aumento de períodos de graves incêndios”, pontuam os autores.
Park Williams, do Observatório da Terra Lamont-Doherty, da Universidade de Columbia, diz que o verão quente de 2018 já foi uma indicação de que o ano traria incêndios intensos na Califórnia.
“Houve recordes de temperatura ao longo de toda a Califórnia no verão”, ele explica. “Quando se atingem aquelas temperaturas, há fortes chances de incêndios de grandes proporções.”
Localizando pontos de interesse
Para as pessoas diretamente afetadas pelos incêndios florestais, o que realmente importa é saber com antecedência se a área em que elas vivem está ameaçada.
A imprevisibilidade do clima é um fator complicador. Mas o combustível – a vegetação “disponível” para a queima – também é difícil de quantificar. O quão denso, exatamente, é um trecho da floresta? O quão seco estão os galhos caídos este verão? Há esforços para acompanhar isto, mas ainda são trabalhos em andamento.
Além disso, como humanos e a iluminação artificial são responsáveis pela maioria dos incêndios florestais, torna-se extremamente difícil, senão impossível, prever exatamente quando e onde as chamas vão surgir. Mas isto não significa que não podemos ter uma ideia.
As previsões climáticas mais precisas, com alguns dias de antecedência, são usadas por agências para criar mapas de locais propensos a incêndios nos EUA. “Mapas são produzidos todo dia e atualizados com base em condições climáticas que podem ser críticas para incêndios”, afirma Finney.
Isto pode ajudar autoridades a fazer evacuações e a deslocar recursos contra incêndio aos lugares certos antes de um desastre.
Uma pessoa bastante interessada em entender como o fogo se alastra é Ellie Graeden, da RedZone Analytics, que faz de análises de incêndios
florestais para clientes comerciais, incluindo companhias de seguro.
Os três fatores principais que seu sistema leva em conta, ela explica, são: vento, disponibilidade de combustível e topografia do terreno.
Munidas de informações, as companhias de seguro podem empregar suas próprias equipes para proteger as propriedades de incêndios. Ou trabalhar com quem possa proteger as propriedades. Os dados também servem para estimar o custo da destruição de um incêndio – o que ajuda a planejar como compensar os clientes.
“Fazemos avaliações e aplicamos nossos modelos durante os eventos”, afirma Graeden. “Após o incidente, voltamos para avaliar o quão precisos eles foram.”
Precisão de 90%
No ano passado, Graeden diz que os modelos RedZone previram, com mais de 90% de precisão, quais casas de Coffey Park, na Califórnia, seriam queimadas pelo devastador incêndio florestal que atingiu a região. No total, 3,5 mil propriedades foram destruídas pelo fogo.
Mas até essas projeções podem ser melhoradas. A especialista diz que faltam dados quantitativos bons do quanto as residências devem queimar. Sabe-se que o asfalto ou as telhas de barro são menos propensas às chamas do que a madeira, por exemplo, mas dados precisos quantificando esta diferença não estão disponíveis, afirma.
O que se espera do futuro dos incêndios florestais? Em escala global, a área total queimada por incêndios florestais está na realidade diminuindo por causa da expansão das fazendas.
Em locais específicos, no entanto, os verões quentes e secos influenciados pelas mudanças climáticas devem continuar a causar incêndios em locais não esperados, como próximo a áreas urbanas.
Bachelet acredita que o que estamos observando agora é um período em transição pouco comum. “O que cresce novamente após o fogo será mais adaptado a essas condições, então provavelmente irá produzir menos combustível”, diz. Os ecossistemas em tais áreas estão “recomeçando”, ela explica.
(#Envolverde)