Por Tatiane Matheus para o ClimaInfo* –
O aquecimento global é um fato científico comprovado. A emergência climática faz com que o mundo debata sobre a necessidade de um novo acordo para mitigar e adaptar suas consequências. Porém, os efeitos das mudanças climáticas não são iguais para todos. Para entender o porquê basta conectar as consequências da emergência climática com as questões sociais, econômicas, políticas e, sim, raciais e de gênero. Em outras palavras, compreender quais são as consequências do Racismo Ambiental.
Mas o que é Racismo Ambiental? Nos Estados Unidos, no final dos anos 70 e início dos anos 80, o reverendo norte-americano Benjamin Chavis o nomeou, basicamente, pela percepção de que eram as comunidades negras que sofriam com o lixo tóxico descartado por uma fábrica. No Brasil, apesar do debate sobre Justiça Climática ter crescido, como resolvê-lo ainda é um desafio pelas controvérsias entre aqueles que a vivem e a denunciam e aqueles que estão nas esferas de poder e decisão, mas que não admitem sua existência.
Durante a COP26 (Conferência das Partes – Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima), representantes de mais de 220 entidades da sociedade civil assinaram um manifesto contra o racismo ambiental. “A crise climática é também humanitária e tem impacto direto na vida das populações negras, quilombolas e dos povos indígenas. No Brasil, a maioria populacional é negra e representa, hoje, 56% da população (IBGE, 2020). Negar o racismo ambiental é negar que o Estado brasileiro é racista; é negar a realidade da vida nas periferias das grandes cidades, o aumento da fome; é negar a violação dos direitos constitucionais de comunidades, territórios quilombolas e terras indígenas; é negar a história de urbanização do país e suas profundas desigualdades territoriais”, registra a Coalizão Negra de Direitos no manifesto.
Em contrapartida, um mês antes dessa declaração, um diplomata brasileiro que declarou em sessão no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: “Notamos que o chamado racismo ambiental não é uma terminologia internacionalmente reconhecida.” (…) “Para o Brasil, a discussão sobre a relação entre problemas ambientais e questões sociais, como racismo, deve levar em consideração um enfoque equilibrado e integrado à dimensão social, econômica e ambiental”, completou.
Pensar sobre Racismo Ambiental no Brasil começa com o desafio de entendê-lo a partir das raízes de nossa sociedade, de origem escravocrata. “Por ser um processo estrutural, o racismo é também um processo histórico. Desse modo, não se pode compreender o racismo apenas como uma derivação automática dos sistemas econômico e político. A especificidade da dinâmica estrutural do racismo está ligada às peculiaridades de cada formação social”, define o professor e advogado Silvio de Almeida, em seu livro Racismo Estrutural. Pode-se tangibilizá-lo ao se observar como o Estado deixa de proteger determinadas populações étnico-raciais ou a existência de conflitos em algumas áreas por disputas entre pessoas e empresas que exercem uma determinada atividade econômica com a população originária da região.
Como o Racismo Ambiental impacta a vida das pessoas? Se a tese da mudança na lei de demarcação de terras indígenas seguir, esses povos terão seus direitos territoriais diminuídos; a falta de reconhecimento de territórios quilombolas trazem vários entraves a essa população; em conflitos relacionados às obras de infraestrutura pelo país e por grilagem de terra, ou gentrificação de bairros em cidades, os habitantes dessas regiões são forçados à uma diáspora. Também na falta de infraestrutura nas periferias das cidades em que as pessoas sofrem com enchentes, pela falta de saneamento básico, por lixões sem tratamento; em bairros onde o grau de poluição pela presença de indústrias que poluem. Quem está nesses lugares? Pessoas não-brancas.
“Embora 84% da população brasileira viva em áreas urbanas (IBGE, 2010), a maioria dos casos levantados (em estudo realizado pela Fiocruz sobre conflitos no país e justiça climática) atinge justamente populações que vivem nos campos, florestas e zonas costeiras (mais de 60%), ou seja, nas áreas em que as disputas por recursos naturais ligadas à inserção do Brasil no comércio internacional afetam comunidades tradicionais e agrárias”, de acordo com a publicação Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil: mapa de conflitos, da Fiocruz.
A pesquisa destaca que a distribuição dos conflitos primeiro está relacionada à expansão por busca de recursos naturais e terra, caso do agronegócio, da mineração e do desenvolvimento de projetos como hidrelétricas, ferrovias, hidrovias, portos e rodovias e ainda aponta que: “O segundo fator importante se refere à atuação dos movimentos por justiça e contra o racismo ambiental no país por parte de populações e entidades ligadas aos povos e comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas, extrativistas e pescadores artesanais, além de movimentos ligados à reforma agrária e à agroecologia”.
Das entrevistas e estudos realizados sobre o assunto no Instituto ClimaInfo, alguns depoimentos resumem bem as consequências do Racismo Ambiental na prática. A ativista mineira Luana Costa analisa no âmbito das cidades que “O ônibus é ruim porque é como se ele não transportasse pessoas; ainda há uma conexão com o navio negreiro”. Já a líder comunitária no Nordeste, Maria Lúcia Oliveira, explica que as comunidades tradicionais têm uma relação diferente com o meio ambiente e, por isso, conseguem preservar, ao contrário da lógica de explorar e depois ir para outro lugar após já terem dizimado tudo. E Maria Lúcia enfatiza: “Quando a gente vai falar de racismo ambiental, as pessoas não querem ouvir”. A prova disso é a história da mãe Donana, Ana Lúcia dos Santos Silva, que luta pela titulação do Quilombo onde vive e denuncia um processo de gentrificação e poluição que o local sofre: “Eles transformaram o nosso rio em uma água sem vida”.
É importante trazer essas conexões para entender o quanto as questões ambientais estão relacionadas aos problemas sociais, raciais, econômicos, de saúde da nossa população, e não dividi-los em “caixinhas” diferentes. Dessa forma, ao entender o problema em sua complexidade e em todas as interseccionalidades existentes atravessando a questão, parte-se da necessidade trazer às esferas de decisão quem sofre com as consequências para que se busque e sejam realizadas ações efetivas para uma real mitigação dos efeitos do aquecimento global.
*Tatiane Matheus é pesquisadora no ClimaInfo e membro do Grupo de Trabalho de Gênero & Clima do Observatório do Clima.
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