Por Juliana Aguilera, Mongabay Brasil –
- Segundo um relatório da base de dados Trase, entre 2012 e 2017, por volta de 27% de todo o desmatamento no Mato Grosso ocorreu dentro de fazendas de soja – e 95% dessas ações foram ilegais.
- Estima-se que mais de 80% da soja cultivada nas fazendas onde houve o desmatamento sem licença seguiu para mercados internacionais, principalmente China e União Europeia. O estado é o maior produtor e exportador da soja brasileira.
- Para os pesquisadores, iniciativas como a Moratória da Soja, que reduziu o desmatamento na Amazônia, precisam ser levadas para o Cerrado, que perdeu 880 mil hectares no período do estudo.
- O Mato Grosso é pioneiro em termos de transparência de dados, o que ajuda na formação de uma cadeia responsável de comércio.
Entre 2012 e 2017, por volta de 27% de todo o desmatamento em Mato Grosso ocorreu dentro de fazendas de soja – e 95% dessas ações foram ilegais. É o que aponta um relatório divulgado recentemente pela base de dados Trase.
Os pesquisadores detectaram que 80% do desmatamento ilegal ficaram concentrados em apenas 400 propriedades, 2% do total das fazendas de soja do estado. E 15 municípios foram palco de mais da metade da atividade criminosa. Segundo o relatório, 80% da soja produzida em fazendas com desmatamento ilegal seguiram para o exterior, com destaque para a China (46%) e a União Europeia (14%).
Além de mapear a extensão do problema nas fazendas, o estudo – uma iniciativa do Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo e da Global Canopy em parceria com as ONGs Imaflora e Instituto Centro de Vida (ICV) – também avaliou as demandas globais da soja e definiu ações necessárias para minimizar impactos.
Eliminar o desmatamento é urgente neste “momento crucial para enfrentar as mudanças climáticas”, diz Paula Bernasconi, coordenadora do Programa de Incentivos Econômicos para Conservação do ICV. “Precisamos do esforço de governos, empresas, investidores, indústrias e demais envolvidos na cadeia de fornecimento de soja e outras commodities”, complementa.
Muita soja, muito impacto
Mato Grosso é o maior produtor e exportador da soja brasileira – foram 32 milhões de toneladas em 2019. Mas o negócio não está dissociado de impactos ambientais.
Nas últimas duas décadas, o estado foi responsável por 16% do desmatamento total no Cerrado – nível mais alto entre os estados de ocorrência do bioma – e 31% na Amazônia. O Pantanal também sofre com a perda da cobertura florestal.
No total, contabilizando não apenas as áreas de soja, o relatório calcula 1,7 milhão de hectares desmatados em Mato Grosso no período 2012–2017, sendo 1,4 milhão em fazendas registradas – ou seja, inscritas no Cadastro Ambiental Rural e no Sistema de Gestão Fundiária. Ao ligar esses dados com informações espaciais sobre desmatamento, licenças oficiais emitidas pela Secretaria de Estado de Mato Grosso e fluxos de exportação, o estudo traçou um cenário dos impactos ambientais das fazendas de soja.
O Código Florestal Brasileiro permite que os proprietários desmatem uma área limitada de suas propriedades. Mas, para obter essa licença, eles têm que cumprir alguns requisitos: provar que não existem áreas abandonadas na fazenda, fazer pesquisas de campo para confirmar a presença de espécies ameaçadas e adotar medidas compensatórias se tais espécies forem encontradas.
Qualquer desmatamento que aconteça sem essa licença é ilegal. E, de acordo com o relatório do Trase, 97% dos 1,7 milhão de hectares desmatados entre 2012 e 2017 foram ilegais.
Mercados internacionais
A China é o maior comprador da produção de Mato Grosso, um negócio que rendeu ao estado por volta de US$ 920 milhões em 2018. O relatório aponta que, naquele ano, quase um quarto das importações do grão no país asiático vieram da região (aproximadamente 11 milhões de toneladas), e 21% desse total teve origem em fazendas onde ocorre desmatamento ilegal.
O relatório mapeia que cerca de 75% das importações chinesas ligadas ao desmatamento ilegal vieram de apenas 15 municípios. Em alguns, incêndios florestais atraíram a atenção do mundo em 2019. Canarana, Paranatinga, Ribeirão Cascalheira e São Félix do Araguaia estão entre os dez municípios com maior número de incêndios em Mato Grosso em 2019. Entre as principais empresas exportadoras de soja para a China desses municípios em 2018 estão Bunge (21%), Cargill (15%), Amaggi (13%), Glencore (12%) e CHS (9%).
No mesmo período, a União Europeia importou cerca de 3,9 milhões de toneladas de soja de Mato Grosso (negócio de US$ 295 milhões), sendo possível conectar 19% deste total a fazendas que desmataram sem licença, a maior parte nos mesmos 15 municípios de histórico negativo.
Ações necessárias
O desmatamento não tem apenas impacto na biodiversidade e no clima. Ele gera conflitos sociais, como disputas por terras, crimes contra ativistas e violações de direitos de comunidades locais. E também incertezas econômicas: o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, por exemplo, que pode aumentar as exportações e importações brasileiras em mais de US$ 250 bilhões, está na berlinda por causa da política ambiental do governo federal na Amazônia.
Entre as iniciativas positivas de erradicação do problema, está o compromisso de desmatamento zero assumido por empresas, associações e outros setores do agronegócio. A Moratória da Soja é citada como um projeto que, apesar de suas lacunas, contribuiu bem para a redução do desmatamento na Amazônia. O relatório da Trase aponta a necessidade de levar essa iniciativa para o Cerrado, que perdeu 880 mil hectares entre 2012 e 2017 apenas no Mato Grosso.
Outras recomendações foram levantadas para importadores, exportadores, governos, organizações e sociedade civil: solicitar que as empresas criem mecanismos para demonstrar que estão comprando soja cultivada em fazendas em total conformidade com as leis; que governos internacionais introduzam regulamentos para mitigar riscos de importações vinculadas ao desmatamento ilegal; e que os governos federal e estaduais fortaleçam e cumpram o Código Florestal e seus mecanismos, assim como elaborem políticas para erradicar o desmatamento criminoso, a apropriação de terras e os conflitos fundiários.
A transparência na cadeia do negócio pode ajudar os compradores a identificar onde estão os maiores riscos e evitar tais transações.
O relatório aponta a soja como uma commodity cujos grãos são, geralmente, misturados para armazenamento, processamento e transporte. Desse modo, pequenos volumes associados ao desmatamento ilegal podem contaminar toda a rede de suprimentos. Tal característica dificulta diferenciar a soja produzida de forma sustentável àquela ligada ao desmatamento.
Para a coordenadora do ICV, Paula Bernasconi, as empresas também precisam se comprometer a monitorar seus fornecedores para garantir aos consumidores alimentos livres de desmatamento e em conformidade com as leis ambientais.
“Mato Grosso é pioneiro em termos de transparência de dados”, diz Paula. “Outros estados do Brasil e outros países da América do Sul devem tomar isso como exemplo. A transparência das informações é crucial para permitir o monitoramento da rede de suprimentos”, completa.
Imagem do banner: Colheita de soja em Mato Grosso. Foto: Rodrigo Vargas/ICV.
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