Menos de 70 fragmentos do Cerrado no estado oferecem as condições necessárias para abrigar a espécie e apenas quatro deles são maiores do que 100 km2.
A falta de conectividade é um desafio com potencial de ser superado a partir dos trampolins ecológicos.
Estudo recém-publicado na Revista Perspectives in Ecology and Conservation identifica fragmentação da paisagem do Mato Grosso do Sul como crítica para a conservação do tatu-canastra (Priodontes maximus). Os pesquisadores analisaram áreas no entorno de 344 microbacias hidrográficas, entre julho de 2015 e abril de 2017, em busca de evidências da presença do tatu-gigante, o que se confirmou em 164 áreas. Todos os locais onde os pesquisadores encontraram evidências da espécie estão mapeados com GPS. Em 180 locais não há evidência da espécie, o tatu é considerado ausente.
“As escavações e tocas documentadas no estudo indicam a presença de ao menos um indivíduo por área. É possível que os indivíduos registrados nesses remanescentes façam parte de populações em declínio, ou mesmo funcionalmente extinta”, explica Arnaud Desbiez, coordenador do Projeto Tatu-Canastra, realizado pelo IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e o Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS). Arnaud assina o artigo ao lado de pesquisadores do ICAS e da Escola Superior de Agricultura ‘’Luiz de Queiroz’’, Universidade de São Paulo (ESALq/USP).
As duas hipóteses pontuadas por Desbiez têm como base o desmatamento no Mato Grosso do Sul que teve início há menos de 35 anos e o fato de que o tatu gigante é uma espécie de vida longa, vive cerca de 20 anos, mas tem baixa taxa de crescimento populacional, com intervalo entre as gestações de até três anos. “Essas características reforçam que a perda de um indivíduo pode ter um impacto significativo para aquela população. Como engenheiros dos biomas, sua extinção pode ter efeitos negativos em cascata na fauna local”, completa.
O grupo que assina o artigo selecionou aleatoriamente 37 municípios (22 no Cerrado e 15 na Mata Atlântica) dos 85 que compõem o estado do MS (54 no Cerrado e 31 na Mata Atlântica). “Este número amostral foi escolhido de forma a garantir a representação das condições variáveis encontradas no estado Mato Grosso do Sul”, pontua Desbiez.
O impacto da fragmentação e a busca por conexão
Menos de 70 fragmentos do Cerrado oferecem as condições necessárias para abrigar a espécie, ou seja, são maiores ou iguais a 25 km2. No Mato Grosso do Sul, a espécie está ausente no bioma Mata Atlântica. “Como o tatu-canastra é uma espécie de grande porte (pode chegar a 1.50 cm e pesar até 50 kg) e de comportamento solitário, o tamanho da área conservada é um indicador importante para o futuro da espécie. Os machos exibem um comportamento exploratório superior a 20 km de distância de suas áreas de atividade principal, provavelmente para aumentar suas chances de encontrar fêmeas receptivas”, explica o coordenador do Projeto Tatu-Canastra.
Apenas quatro fragmentos adequados no Mato Grosso do Sul são maiores do que 100 km2 – antecipa o pesquisador do ICAS e do IPÊ. “No entanto, a distância entre eles impossibilita a utilização dessas áreas de maneira integral pela espécie. Nesse contexto, é razoável supor que os tatus gigantes que vivem no estado passam a maior parte de sua atividade diária em habitats inadequados, em contato com potenciais ameaças, como estradas, produtos químicos, por exemplo, o que aumenta o risco de atropelamentos, de caça e de contaminação”.
Para Aureo Banhos, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), pesquisador do Projeto Tatu-Canastra, esse cenário contextualiza uma das principais ameaças à espécie no estado. “Não é coincidência que as estradas do Cerrado do Mato Grosso do Sul registrem o maior número de colisões de veículos com tatus gigantes, em todo o país”. O Cerrado é o recordista em atropelamentos da espécie, com 22 animais vítimas, nos últimos 14 anos. Só o estado de Mato Grosso do Sul teve ao menos 15 animais atropelados, nos últimos cinco anos.
Originalmente, o tatu-canastra está presente na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal e na Mata Atlântica. No entanto, com apenas cerca de 11% da Mata Atlântica conservada, o tatu-canastra é considerado quase extinto do bioma devido à perda de habitat e à caça. Do Cerrado, restam apenas 19,8% de cobertura original e mais de 50% das terras estão ocupadas por pasto ou cultivos de larga escala (soja e cana-de-açúcar), além de plantios de eucalipto, o que é um desafio. “A pesquisa destaca a necessidade de um planejamento estratégico voltado à restauração da conectividade dos fragmentos e mitigação das ameaças no próprio fragmento e no entorno, uma vez que a presença da espécie está associada à conservação do habitat. Identificamos que os cerca de 280 trechos maiores ou iguais a 10 km2 podem servir como trampolins ecológicos entre as manchas maiores e contribuir com a conservação da maior entre as 20 espécies de tatu do mundo”, explica Arnaud Desbiez.
Link do estudo: https://perspectecolconserv.com/en-species-distribution-model-reveals-only-articulo-S2530064421000018
(IPÊ/#Envolverde)