Ambiente

Guedes, os pobres e a devastação ambiental

Por Ayrton Centeno, Brasil de Fato – 

Que o governo Bolsonaro é um laboratório de extravagâncias todos sabemos. O que não sabíamos é do concurso interno de bizarrices em andamento neste museu dos horrores. Não sabiam? Nem eu. Mas é uma explicação razoável para a declaração de Paulo Guedes em Davos sobre serem os pobres a maior ameaça ao meio ambiente. Surgiu quando ainda está sendo digerida a performance do ex-secretário Alvim sendo prazerosamente possuído por uma entidade nazista no You Tube ao som de Richard Wagner.

Antes, na disputa encarniçada pelos holofotes com titãs como o próprio Alvim, Moro, Salles, Damares e Weintraub, além do próprio chefe e a prole presidencial, Guedes revelara que os pobres – sim, é uma fixação dele – “não sabem poupar”.

Mais da metade dos brasileiros sobrevive no reinado de Bozo I com R$ 413 mensais. O que fazem com tanto dinheiro é um mistério que nosso bom Guedes quer desvendar. Para recolocá-los na senda da virtude quem sabe recomendará que se abstenham dos investimentos em paraísos fiscais, do uísque 12 anos e que dêem um tempo para as roletas de Las Vegas. E que demonstrem um pouco mais de sensibilidade com as agruras do país. A pátria, comovida, agradecerá.

Porém, refletindo um pouco mais, não é possível tirar a razão do ministro no caso dos pobres e sua ameaça à natureza. Afinal, não foram os pobres latifundiários que incendiaram a Amazônia no famoso “Dia do Fogo”? Aliás, é uma tradição de séculos. Depois de 1.500, quando navios mandados pelos pobres de Portugal aqui atracaram, liquidou-se o pau-brasil. Num segundo momento, a Floresta Atlântica foi derrubada para atender à produção de açúcar comandada pelos pobres senhores de engenho.

Já neste século, os pobres donos da Vale deixaram romper duas barragens que, além de vitimar muitos ricos que pobremente viviam no caminho do aluvião de rejeitos,  assassinaram rios e riachos e mataram a mata e seus bichos. Não foram também os pobres proprietários de imensos petroleiros que, por negligência ou maldade, afogaram o nosso oceano com seu óleo preto e imundo?

No final de 2019, o Brasil bateu um recorde: o governo liberou 503 novos venenos agrícolas. Como se sabe, os agrotóxicos são tremendamente violentos para a saúde humana e o meio ambiente. Daquele total, 60% são produzidos por empresas de propriedade de pobres do exterior, enquanto 40% provém de indústrias chefiadas por pobres brasileiros.

Por qual motivo nossas grandes cidades são cortadas, todas elas, por um rio ou riacho fétido e cinzento? A culpa não é dos grandes empresários, dos especuladores imobiliários, das fábricas poluentes, dos administradores maus ou corruptos. É dos pobres. Intestino solto, perdulários, eles desobedecem a prescrição do Grande Líder que recomenda fazer cocô um dia sim e outro não para salvar o ambiente natural.

Guedes é um daqueles que não acredita em aquecimento global. Mas, se amanhã ou depois, admitir que a ameaça é mesmo real, tenho o palpite que apontará os pobres como os únicos e verdadeiros responsáveis pela catástrofe.

Edição: Leandro Melito

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Ayrton Centeno

Jornalista, trabalhou, entre outros, em veículos como Estadão, Veja, Jornal da Tarde e Agência Estado. Documentarista da questão da terra, autor de livros, entre os quais “Os Vencedores” (Geração Editorial, 2014) e “O Pais da Suruba” (Libretos, 2017).

 

 

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