Por Patrícia Mariuzzo, Unicamp –
Quem passa pela ponte sobre o Ribeirão das Anhumas, na estrada do CPQD, se depara uma cena inusitada: na estação seca o nível da água baixa e expõe bancos de areia, que acabam atraindo várias espécies de aves aquáticas. Apesar da poluição, trata-se de um lugar único nessa região que é parte do território do Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (HIDS).
Além da diversidade de aves, mamíferos como cachorro-do-mato, graxinin, lontra, sagui, tatus, capivaras e a onça parda são alguns animais que habitam essa área. Somente no campus da Unicamp há mais de 150 espécies de plantas nativas da Mata Atlântica, além de espécies exóticas. O território tem cinco nascentes, seus respectivos córregos e áreas de proteção permanente (APP) e ainda corredores ecológicos que conectam remanescentes de vegetação da Região Metropolitana de Campinas.
De acordo com dados da Embrapa, há predominância do Latossolo Vermelho, tipo de solo que foi bastante importante para a expansão do café na região. Uma das propriedades que se aproveitou dessa característica foi a Fazenda Pau D’Alho produziu café no século XIX. Parte do casarão da fazenda foi construída empregando a técnica construtiva da taipa de pilão. Em 1880, o arquiteto Ramos de Azevedo foi incumbido de reformar alguns cômodos da casa.
Um dos objetivos do HIDS é desenvolver um novo projeto urbano para essa área que impulsione a criação de ecossistemas de inovação e que resulte em um distrito inteligente e sustentável. Mas, para isso, é fundamental conhecer esse o patrimônio ambiental e cultural de toda a região. Esse é o objetivo do grupo de trabalho “Patrimônio”, do master plan do HIDS.
A equipe já conta com pesquisadores do Instituto de Biologia, IFCH, IG, Cepagri, FCM, Faculdade de Tecnologia de Limeira, funcionários da DEPI e da Divisão de Meio Ambiente da Unicamp, pesquisadores da PUC-Campinas e da Facamp ainda representantes da Prefeitura de Campinas, Embrapa, Cargill e CPQD, instituições que compõem o Conselho Consultivo do HIDS.
Com essa equipe multidisciplinar, o grupo começou a trabalhar com objetivo de estabelecer uma base de referência da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos do território e avaliar o estágio de sucessão de remanescentes atuais, juntamente com Áreas de Preservação Permanente (APP) e corredores ecológicos para estabelecer o melhor método de restauração a ser aplicado. De acordo com Wesley Silva, professor do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenador dessa componente de trabalho, o conhecimento do patrimônio é fundamental para que o HIDS atinja seus objetivos de sustentabilidade e isso será a base para todas as demais ações planejadas em conjunto para o projeto já que as demais componentes vão construir seus respectivos projetos a partir dessa base de conhecimento sobre o patrimônio ambiental e cultural. “O termo sustentabilidade não pode cair no lugar comum e, embora componha o nome do próprio projeto, ele não pode ser apenas parte de um discurso mercadológico. Queremos que a sustentabilidade seja, de fato, a essência do nosso projeto”, disse.
As ações prioritárias desse grupo de trabalho e que devem ser realizadas até o fim do ano são: elaboração de web map do território HIDS; diagnóstico de vegetação e fauna; mapeamento dos serviços ecossistêmicos; levantamento geológico-climático; mapeamento geotécnico, caracterização de aquíferos e levantamento de dados secundários.
Laboratório da biodiversidade no HIDS – Se fazer esse diagnóstico representa um grande desafio, por conta da extensão do território (o master plan do HIDS vai orientar a ocupação e o desenvolvimento de uma área de 11,3 milhões de m2), e da diversidade de temas, na opinião de Silva, o grande desafio virá pós-diagnóstico. E é aqui que o conceito de laboratório vivo deve ajudar o projeto. A expressão laboratório vivo geralmente nos remete à área das tecnologias de inovação e todas as suas conexões com ferramentas poderosas que procuram desenvolver produtos numa interface bastante dinâmica com o usuário. “Dificilmente alguém conseguiria associar o termo à percepção da presença e importância da biodiversidade. No entanto, esse é o desafio que o HIDS pretende superar, pois não existe desenvolvimento sustentável sem um comprometimento real com a valorização da biodiversidade”, afirmou Silva.
Ainda segundo ele, esse laboratório será uma ferramenta para fazer a gestão desse patrimônio, com a participação da comunidade do HIDS. “Depois da fase do diagnóstico, serão planejadas formas dinâmicas de interação dos usuários do HIDS com o mundo natural a sua volta, de modo que ele passe pela experiência de acessar a natureza e compreender os seus mecanismos, processos e agentes a partir de uma perspectiva tecnológica, ampliando os limites que uma simples leitura ou documentário científico possam realizar”, explica.
Tecnologia como aliada – O objetivo do HIDS é prover contribuições concretas para o desenvolvimento sustentável estimulando processos participativos e o uso de tecnologias disruptivas. Portanto, a tecnologia deve ser uma ferramenta para cumprir os ODS propostos pela ONU. “É possível desenvolver um laboratório vivo em que o usuário perceba e valorize a biodiversidade por meio de tecnologias de ponta, como por exemplo o uso de IoT”, afirma Silva. Ele cita como exemplos, o uso de tecnologia no registro de animais e plantas, sua identificação, seu papel na prestação de serviços ecossistêmicos e como sua presença pode contribuir para a indicação das condições saudáveis de um ecossistema, seja ele natural ou de inovação. “Possivelmente tenhamos de tirar o foco do desenvolvimento de um produto e colocá-lo na formação educacional do cidadão. Mas certamente haverá um ganho na qualidade de vida do futuro usuário do HIDS, que se refletirá não só no seu desempenho profissional como também nos seus relacionamentos com as pessoas e com a natureza”, finaliza.
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