Por Meghie Rodrigues para o Diálogo Chino –
Presidente quer reconstruir política climática apostando no desenvolvimentismo do passado
Quando a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva foi sacramentada no segundo turno das eleições presidenciais, em 30 de outubro de 2022, cientistas e ambientalistas suspiraram aliviados após quatro anos de políticas destrutivas do governo de Jair Bolsonaro. Quinze dias depois, Lula já estava a caminho da conferência COP27 no Egito para anunciar a volta do Brasil às discussões climáticas globais.
Lula fez repetidas promessas na campanha de se reaproximar da comunidade internacional, liderar a luta contra o desmatamento e renovar os investimentos em políticas ambientais. Tais esforços são urgentes após o cenário de “terra arrasada” herdado após o governo de Jair Bolsonaro, segundo Suely Araújo, especialista em políticas públicas no Observatório do Clima, uma rede de organizações ambientais.
“A situação deixada pelo governo Bolsonaro, principalmente na Amazônia, é de caos e ausência do Estado”, diz Araújo. “Órgãos ambientais foram deslegitimados, desmobilizados. Diversas políticas públicas foram paralisadas. O esforço é de reconstrução completa”.
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Nos primeiros dois meses na presidência, Lula retomou projetos e financiamentos voltados ao desenvolvimento sustentável. Ele também indicou líderes com trajetórias ambientais reconhecidas no Brasil e exterior para coordenar ministérios, como Marina Silva, para o Meio Ambiente, e Sonia Guajajara, para a nova pasta dos Povos Indígenas.
No entanto, o governo Lula também fez anúncios que alertaram ambientalistas, retomando estratégias de crescimento que usou em seus mandatos anteriores, como investimentos controversos em energia e infraestrutura. Assim, o quão realistas são os planos e promessas ambientais do novo governo Lula?
Lula retoma agenda ambiental
Nesse primeiro momento, o governo Lula precisará revisar ou revogar diversas normas e decretos editados pelo governo Bolsonaro que enfraqueceram a governança ambiental do Brasil, explicou Suely Araújo. Um relatório do Instituto Talanoa, think tank de política climática, listou 401 atos promulgados pela administração anterior em vários setores — como energia, biodiversidade e agropecuária — que deveriam ser revisados pelo Planalto.
Posse de Lula como presidente da República, em Brasília, em 1º de janeiro de 2023 (Imagem: Ana Pessoa / Mídia Ninja / CC BY-NC)
No próprio dia da posse, em 1º de janeiro, Lula assinou um pacote de medidas em que abordou alguns desses atos. O presidente revogou um decreto de 2022 que incentivava a mineração em pequena escala na Amazônia, interpretada como estímulo ao garimpo ilegal.
Outra medida relançou o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Criado em 2004, quando Marina Silva esteve à frente do Ministério do Meio Ambiente na primeira gestão Lula, o PPCDam ajudou a reduzir o desmatamento na floresta amazônica em 83% entre 2004 e 2012.
Lula retomou ainda o Fundo Amazônia, financiado por países desenvolvidos como Noruega e Alemanha, para ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento na floresta amazônica, que havia sido suspenso sob Bolsonaro. Em fevereiro, Estados Unidos, França, Espanha e União Europeia manifestaram interesse em contribuir para o fundo.
Além disso, o governo declarou estado de emergência do povo Yanomami, que enfrenta uma crise humanitária provocada pela invasão de milhares de garimpeiros ilegais ao seu território na Amazônia. Até o dia 20 de fevereiro, uma força-tarefa havia realizado mais de cinco mil atendimentos médicos aos indígenas mais vulneráveis.
Expectativas promissoras, mas com falhas
Apesar de sinalizações verdes promissoras, algumas propostas do novo governo já preocupam ambientalistas e ativistas. A administração Lula planeja fazer um investimento bilionário para a realização de obras rodoviárias e ferroviárias pelo país no primeiro semestre de 2023. O pacote inclui a controversa Ferrogrão, que transportará a produção de soja da área central da Amazônia para a costa brasileira, e de lá para os mercados internacionais, como o da China.
Um dos anúncios que causou mais polêmica neste início de mandato foi o do potencial financiamento de um trecho de um gasoduto para escoar gás de xisto da reserva argentina de Vaca Muerta ao Brasil. Em visita a Buenos Aires em janeiro, sua primeira viagem ao exterior como presidente, Lula sinalizou que “vai criar condições” para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apoiar o projeto, com financiamento estimado em US$ 690 milhões.
A extração de gás em Vaca Muerta é realizada por fraturamento hidráulico, ou fracking, uma técnica amplamente criticada por ambientalistas e proibida em países como França, Alemanha e Reino Unido. O método “fratura” o xisto argiloso por meio de uma mistura de água, areia, solventes e outros produtos químicos aplicados no subsolo por jatos de alta pressão. Esses jatos desprendem o gás da rocha, permitindo que ele seja extraído. Mas a mistura é altamente tóxica, com substâncias até cancerígenas, que poluem lençóis freáticos. Devido aos seus impactos geológicos, o método de extração também pode provocar terremotos.
Os indígenas Mapuche, na província argentina de Neuquén, onde as reservas de Vaca Muerta estão localizadas, têm vivido esses problemas na pele. Pelo menos 14 poços de exploração estão em suas terras, e eles têm protestado contra a contaminação das águas. Além do impacto socioambiental na região, a exploração de Vaca Muerta lança dúvidas sobre os compromissos climáticos da Argentina e as credenciais ambientais de Lula.
Diante da reação negativa do anúncio, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o gasoduto de Vaca Muerta não deve demandar recursos do BNDES. Em nota, o banco informou ao Diálogo Chino que, até o momento, “não existe demanda ou previsão, por parte do BNDES, de financiar projeto de serviços de infraestrutura no exterior”.
Nova era desenvolvimentista?
Grandes projetos de energia e infraestrutura estão no DNA dos governos Lula. Entre 2003 e 2010, a matriz energética do país cresceu 25%, com a adição de 27,9 mil megawatts de energia na comparação com 2002. Neste período, programas de obras públicas construíram ou começaram a construir algumas das maiores hidrelétricas do mundo, mais de 20 mil quilômetros de linhas de transmissão de energia, mais de seis mil quilômetros de rodovias e 909 quilômetros de ferrovias.
O investimento público em infraestrutura é um dos pilares do modelo desenvolvimentista que permeou não só a era petista — de Lula à sua sucessora, Dilma Rousseff (2011–2016) — mas também outros governos latino-americanos durante a chamada “onda rosa”. Hoje, muitos desses projetos, como a usina de Belo Monte, são tidos como obsoletos, com impactos socioambientais e custos financeiros que ofuscam os benefícios da obra.
A ex-presidente Dilma Rousseff visitou a construção da hidrelétrica de Belo Monte durante seu mandato em 2014 (Imagem: Ichiro Guerra / Sala de Imprensa, CC BY-NC)
Outro pilar do modelo é o financiamento subsidiado por bancos públicos de estímulos ao setor privado. Houve incentivos diretos, com programas de apoio financeiro ao agronegócio e à mineração, e indiretos, por meio de obras públicas ou privadas com empréstimos públicos, para facilitar o escoamento de commodities como soja e carne bovina.Embora Lula tenha “incorporado verbetes de sustentabilidade” em seus discursos, ele não deve abrir mão da estratégia que marcou seus dois primeiros mandatos, diz Daniel Neri, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais.
Neri pesquisa conflitos socioambientais do Quadrilátero Ferrífero, região em Minas Gerais que extrai grande parte dos minérios do país, incluindo ouro, diamante e minério de ferro. Ele está preocupado com a indicação de Alexandre Silveira, cuja trajetória política foi financiada por mineradoras, para comandar o Ministério de Minas e Energia. Segundo o professor, Silveira “não aparenta de forma alguma” estar disposto a frear a exploração mineral para proteger o meio ambiente.
Além disso, Lula deve encontrar uma política doméstica mais hostil do que em seus primeiros mandatos, lembra Jamile Coleti, doutora em desenvolvimento econômico e professora da Universidade do Estado de Minas Gerais. O abismo entre progressistas e conservadores, ilustrado pelos ataques a prédios públicos em Brasília em janeiro, pode reduzir a capacidade do governo de avançar com a agenda ambiental.
“A maior dificuldade do presidente Lula será articular politicamente seus parceiros”, diz Coleti, acrescentando que será um grande desafio para o presidente “sair de um governo de extrema-direita em direção a um governo de esquerda”.
Mas em várias ocasiões, Lula vem tentando convencer interlocutores de que sua missão como presidente é unir novamente o país; e Marina Silva, de que é possível aliar desenvolvimento à conservação ambiental.
No Fórum Econômico Mundial, realizado na Suíça em janeiro, a ministra do Meio Ambiente reforçou que a agenda ambiental brasileira será “transversal” e se fará presente nas políticas de energia, transporte, indústria e agronegócio. “Podemos triplicar a produção agrícola do Brasil sem precisar derrubar uma árvore” destacou Silva no evento em Davos.