Por Verônica Falcão para Agência EcoNordeste –
O destino do que resta da vegetação urbana nas margens de rios e lagos do Brasil está nas mãos dos municípios. Lei sancionada pelo Governo Federal no apagar das luzes de 2021, enquanto cidades ribeirinhas do Sul da Bahia sofriam as consequências de inundações após fortes chuvas, permite que “os limites das áreas de preservação permanente marginais de qualquer curso d’água natural em área urbana serão determinados nos planos diretores e nas leis municipais de uso do solo.” Em outras palavras: a distância mínima padrão a ser guardada entre as construções e a beira de rios e lagos não é mais de 30 metros, como estabelece o novo Código Florestal, de 2012, e sim o que estabelecerem vereadores e prefeitos.
A Lei Nº 14.285, de 29 de dezembro de 2021, altera não só o novo Código Florestal, mas também as normas federais de regularização fundiária em terras da União e as de Parcelamento do Solo Urbano. As alterações passam para os municípios a decisão de preservar mais ou menos da cobertura vegetal que, segundo os especialistas, entre outras funções, garante a manutenção da biodiversidade e a proteção do solo e minimizam os riscos de enchentes.
A mudança nas regras de proteção do verde no entorno dos rios e lagos é resultado do Projeto de Lei N° 2510, de 2019, de autoria do deputado federal e vice-líder do governo no Congresso, Rogério Peninha Mendonça (MDB/SC). O PL sofreu vetos da presidência da República. Ou seja, a municipalização poderia ser ainda mais ampla.
O presidente vetou dispositivo que possibilitava às edificações construídas nas faixas marginais de cursos d’água até 28 de abril de 2021 serem dispensadas de observar as novas regras. Em vez disso, elas teriam de cumprir exigência de compensação ambiental a ser definida pelo governo local, conforme a Agência Senado.
Outro dispositivo não acatado estabelecia que, nos casos de utilidade pública ou de interesse social, a compensação ambiental poderia ser feita de forma coletiva.
No veto, Bolsonaro justifica que a proposição legislativa contraria o interesse público, “uma vez que, na ausência de instrumentos locais estabelecidos pelos entes municipais ou distritais, caso fosse necessário, os estudos, a análise e os processos de regularização das edificações existentes em áreas de preservação das áreas urbanas deveriam ser pautados pelas disposições do Código Florestal e na Lei 13.465, de 2017, consubstanciadas pela Resolução 369, de 2006, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que dispõe sobre regularização fundiária.
Dessa forma, não caberiam alterações na Lei Nº 6.766, de 1979, que trata tão somente de diretrizes de procedimentos e de planejamento para o ato administrativo de parcelamento do solo urbano, segundo o presidente.
Para Humberto Barbosa, do Laboratório de Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), as alterações na legislação protetiva das margens dos rios e lagos, representa um retrocesso. “Agora, as matas ciliares estão sujeitas à pressão do setor privado, da construção civil”, alerta.
Ele lembra que o Código Florestal foi concebido para evitar o desmatamento. “Os esforços de todos, poder público e sociedade civil, devem ser no sentido de manter a vegetação. A nova lei vai de encontro a isso”, avalia.
Humberto Barbosa cita a crise climática como um fator de aumento da vulnerabilidade dos municípios às consequências das enchentes. “Temos chuvas mais intensas e por períodos mais prolongados. Num cenário como esse, o papel da vegetação das margens de rios e lagos se torna ainda mais importante “, avalia.
Entre a vegetação das margens dos rios estão as mata ciliares e o mangue. O nome “mata ciliar” vem do fato de serem tão importantes para a proteção de rios e lagos como são os cílios para nossos olhos. “Quando chove, a água arrasta o solo para o rio. Sem mata ciliar, arrasta muito mais. Se tem mais areia no fundo do rio, tem menos espaço para a água escoar, aumentando as chances de inundações”, explica Humberto.
A presença do mangue também está relacionada, segundo os cientistas, à redução dos riscos de inundações. É que essa vegetação funciona como uma esponja, retendo as águas das chuvas. Mesmo estando nas margens de rios e lagos, o mangue não é abrangido pela Lei Nº 14.285, na opinião de Clemente Coelho, professor da Universidade de Pernambuco (UPE) e da diretoria do Instituo Bioma Brasil. “O manguezal tem mecanismos de proteção legal que se sobrepõem “, considera.