por Luís Patriani, Mongabay –
- Um artigo publicado por três cientistas brasileiros alerta: sem novos investimentos e uma mudança radical de rumo na política ambiental brasileira, metas firmadas em pactos globais para o bioma tropical não serão atingidas.
- O texto é fruto de uma pesquisa sobre regeneração natural da Mata Atlântica, tese de doutorado em Botânica da bióloga Nathália Safar.
- O desmatamento da Mata Atlântica entre os anos de 2018-2019 registrou um crescimento de 27,2% se comparado com o período anterior (2017-2018).
Publicado recentemente na revista científica Forest Ecology and Management, um artigo de três pesquisadores brasileiros é categórico em sua conclusão: é grave a perspectiva da Mata Atlântica, bioma que tem atualmente apenas 12,4% de sua cobertura original.
De acordo com Nathália Hissa Safar e Carlos Ernesto Schaefer, da Universidade Federal de Viçosa (MG), e Luiz Fernando Magnago, da Universidade Federal do Sul da Bahia, a não ser que haja investimentos e uma mudança de rumo na atual política ambiental do governo brasileiro, as metas de recuperação da Mata Atlântica em escala nacional, assim como o cumprimento do plano de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas – estabelecido em acordos globais direcionados a ecossistemas tropicais – dificilmente serão atingidos.
Essa é a conclusão do artigo “Resiliência da Mata Atlântica de planície em uma paisagem altamente fragmentada: perspectivas da escala temporal de restauração da paisagem”.
“Os questionamentos surgiram no desenvolvimento da minha tese”, diz Nathália. “No início, estávamos verificando os efeitos do tempo na capacidade de restauro passivo (quando não há ações de manejo) em pontos fracionados da mata de tabuleiro com diferentes estágios de recuperação. O objetivo era comparar essas áreas remanescentes a núcleos próximos de florestas primárias com altos índices de conservação da biodiversidade a partir dos seguintes parâmetros: número total de espécies arbóreas e de espécies com alto valor de conservação (endêmicas e ameaçadas), na composição das espécies arbóreas e no estoque de carbono.”
E, conforme confrontavam os números em dois modelos estatísticos usados para descrever o comportamento desses índices ao longo dos anos, explica Nathália, “percebemos que o prazo para os fragmentos de mata restaurarem valores de referência encontrados em selvas maduras seria muito maior do que os definidos em pactos internacionais”.
Na contramão das metas e acordos
Um dos tratados mais relevantes citados pelos pesquisadores chama-se Desafio de Bonn. Criado pela Alemanha e pela União Internacional para a Conservação da Natureza, a convenção tem o objetivo de restaurar 350 milhões de hectares no planeta inteiro até 2030. O Brasil comprometeu-se em reparar 12 milhões de hectares.
Contudo, na contramão dos protocolos mundiais de proteção ambiental, houve um aumento do desflorestamento da Mata Atlântica entre os anos de 2018-2019 – um crescimento de 27,2% comparado com o período anterior (2017-2018). Os dados foram divulgados pelo Atlas da Mata Atlântica, um mapeamento bienal conduzido pela Fundação SOS Mata Atântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A pesquisa de Nathália Safar indica ser necessário mais do que a interrupção do desmatamento para devolver a capacidade original de funções e serviços às florestas secundárias da Mata Atlântica, principalmente as porções menores e mais isoladas.
Na fase de coletas de amostras foram medidas e identificadas espécies arbóreas em três florestas antigas e 13 secundárias (com idades entre sete e 33 anos) dentro e no entorno da Reserva Biológica do Córrego Grande, norte do Espírito Santo, e na Floresta Nacional do Rio Preto, sul da Bahia.
A primeira observação foi a rápida recuperação da diversidade, com base na quantidade de espécies arbóreas contadas por hectare. De acordo com o estudo, seriam necessários 80 anos para a recuperação completa dos ambientes.
O status dos outros indicadores, no entanto, não teve boa avaliação. A previsão de restauro passivo para a composição de espécies, métrica crucial na determinação do conceito de biodiversidade, é de 600 anos. Para chegar aos números de estoques de carbono encontrados em florestas de referência antigas, outra condição para revelar a saúde de um ecossistema, seriam precisos mais de 8 mil anos.
Um dos autores do artigo, o professor de ciências agroflorestais Luiz Fernando Magnago, explica que as florestas estudadas não estão recuperando naturalmente as espécies de grande valor ambiental, como as árvores endêmicas e ameaçadas de extinção. Tal quadro compromete a preservação da biodiversidade do bioma e sua capacidade de armazenamento de carbono, dois fatores indispensáveis nos planos de mitigação do efeito estufa.
“Nosso diagnóstico indicou a recuperação da variedade de espécies nos fragmentos avaliados. Mas essas espécies identificadas têm pouco valor de conservação. Não são originais da floresta primária”, diz ele.
“Muitos dos locais avaliados são áreas de pastos que foram deixadas de lado e, após décadas inativas, conseguiram restabelecer uma cobertura vegetal. E outros são florestas vazias e isoladas”, explica. “O sequestro de carbono está intimamente ligado à presença dos animais conhecidos como ‘jardineiros’, caso da anta, da queixada, dos macacos e do jacu. São eles que vão dispersar sementes de jequitibás, sapucaias e maçarandubas, árvores de grande porte que ditam o equilíbrio funcional do bioma”.
Segundo Magnago, a falta de dados consistentes das taxas de resiliência em áreas fragmentadas acarreta erros na hora elaborar os compromissos globais de conservação da biodiversidade e mitigação do clima. Dos 12,4% restantes da Mata Atlântica, só 0,01 % tem estudo quantitativo de árvores.
“O grande mérito da pesquisa foi ter se debruçado em um tema pouco estudado e ter descoberto que as florestas secundárias têm um limite de regeneração. Nas convenções, usa-se o termo ‘restauração do bioma’ no texto de definição das metas, mas esse conceito leva em conta índices de recuperação que só acontecem em florestas primárias.”
O estudo inédito indica a necessidade da criação de estratégias diferentes para áreas específicas por um período bem maior do que o determinado pelas metas ambientais vigentes. E também de cessar o desmatamento em regiões com alto potencial de regeneração natural, especialmente aquelas com grande capacidade de estocagem de carbono e biodiversidade. Depois, argumentam os pesquisadores, é preciso investir em gestão de regeneração assistida de replantio em zonas com resiliência média a baixa que tenham alto valor de conservação ambiental.
Imagem de destaque: Mata Atlântica na região de Parati (RJ). Foto: Rhett A. Butler/Mongabay.
#Envolverde